Sem produção não há desenvolvimento soberano
O aumento e a diversificação da produção nacional são condições indispensáveis ao desenvolvimento soberano do País e, para o PCP, eixo central da sua proposta de política alternativa patriótica e de esquerda. A análise à situação actual, os constrangimentos impostos pela União Europeia e o euro e as potencialdiades existentes foram questões em destaque nas jornadas promovidas pelos deputados do PCP no Parlamento Europeu, que culminaram na quinta-feira, 17, com um seminário em Lisboa.
O Estado tem um papel determinante no necessário desenvolvimento do aparelho produtivo nacional
Quando se iniciou o processo de desindustrialização do País, que desmantelou sectores inteiros e encerrou importantes empresas – da Mague à Siderurgia Nacional, da Lisnave à Sorefame –, só o PCP fez ouvir a sua voz em defesa da produção nacional. Como tantas vezes antes – e depois – acusaram-no de ter parado no tempo e de ter uma dificuldade crónica em se adaptar às novas realidades. O mesmo sucedeu quando se opôs à reversão da Reforma Agrária, à Política Agrícola Comum, ao absentismo fundiário patrocinado por fundos comunitários e ao novo capitalismo agrário, bem como à paulatina mas inexorável destruição da frota de pesca nacional, que leva a que o País com a maior área económica exclusiva da UE importe hoje uma parte substancial do pescado que consome (e é o terceiro maior consumidor a nível mundial).
Mas afinal o PCP tinha razão. Uma após outra, vão ruindo as teses que durante anos deram cobertura ideológica ao avanço do capitalismo na sua forma neoliberal e ao aprofundamento do processo de integração capitalista europeu: as virtudes da globalização e das privatizações, a terciarização e desmaterialização da economia como fontes de crescimento eterno, a Europa solidária e provedora de tudo quanto o País necessite para o seu bem-estar e desenvolvimento. É a realidade que as desmente a todas.
Nos últimos 20 anos, o PIB nacional praticamente estagnou, sendo a taxa média anual de crescimento entre 1999 e 2019 de apenas um por cento, caindo para os 0,7 por cento se a contabilização for feita desde a entrada em circulação do euro, em 2002. Este crescimento é muito inferior ao verificado nos restantes países da Zona Euro, o que significa que em vez da prometida convergência, Portugal divergiu.
Mas há mais números dignos de registo: sensivelmente no mesmo período de duas décadas, o emprego reduziu-se em mais de 100 mil postos de trabalho, o desemprego quase duplicou e a emigração, só entre 2011 e 2015, atingiu cerca de 600 mil portugueses. Quanto à dívida externa, é hoje «gigantesca», como sublinhou no seminário o Secretário-geral do Partido.
Entretanto, com as privatizações e as liberalizações Portugal viu sair para o estrangeiro, entre 1995 e 2019 mais de 104 mil milhões de euros em lucros, dividendos e juros. Recebeu, desde a adesão à então CEE, em 1986, perto de 72 mil milhões em fundos comunitários...
Anúncios vazios
A pandemia de COVID-19 pôs a nu os enormes défices e carências do País – mas também da UE – em produtos agroalimentares e industriais tão simples como máscaras de protecção ou equipamentos médicos como ventiladores. «Reindustrializar» passou a ser a palavra de ordem dos responsáveis da União Europeia, do Governo do PS e de dirigentes do PSD e do CDS. Ou seja, de todos os que durante décadas elevaram a desindustrialização a desígnio nacional e expressão máxima da modernidade. Mas de que reindustrialização falam, afinal?
No caso das principais figuras da União Europeia, as suas preocupações não são seguramente com o definhamento da indústria portuguesa, mas sim – num alinhamento total com os interesses estratégicos dos EUA – com a afirmação internacional de países como a China. Aliás, aquilo a que se tem assistido por cá nos últimos meses tem sido, pelo contrário, ao prosseguimento do processo de desindustrialização: o encerramento da refinaria de Matosinhos e das centrais termoeléctricas de Sines e do Pego são, porventura, os exemplos mais relevantes, mas não são igualmente pouco significativas para o futuro do País as ameaças que pairam sobre a TAP, a perspectiva de privatização da Efacec ou a falência da histórica fábrica têxtil minhota Coelima.
Para lá da indústria, prosseguem a «guerra» aos produtores de leite nacionais (ameaçando um dos únicos produtos agro-alimentares em que Portugal é autosuficiente), as manobras para transformar solos agrícolas em parques fotovoltaicos e a destruição de superfícies florestais.
Apesar das declarações e das promessas, o futuro não parece muito promissor, seguindo-se a mesma política. O Plano de Recuperação e Resiliência faz promessas (suficientemente vagas, como convém) de criação de postos de trabalho, ao mesmo tempo que no imediato se propõe a financiar o despedimento de centenas de trabalhadores ligados a actividades produtivas na área da energia. Os condicionalismos que lhe estão associados, juntamente com as crónicas dificuldades do Estado português na execução dos fundos comunitários, fazem temer que parte importante destes recursos venha a constituir sobretudo uma transferência de recursos públicos para alimentar lucros privados, nacionais e estrangeiros.
Quanto à reconstrução da capacidade ferroviária nacional, tão propalada pelo Governo, resulta afinal em poucos comboios (para o Metro de Lisboa) e construídos em Valência, no país vizinho. Ou seja, denunciou Jerónimo de Sousa, em vez de planificar a máxima incorporação nacional na montagem, no fabrico de componentes, na manutenção e reparação de equipamentos, o Governo «limitou-se a ir às compras». O contrário, acrescentou, exigiria enfrentar as pressões da União Europeia e das multinacionais que ela serve.
Romper constrangimentos
Os constrangimentos colocados ao desenvolvimento soberano do País pela União Europeia e seus instrumentos (desde logo o euro) foi outro dos temas em destaque no seminário realizado faz hoje uma semana. Em várias intervenções denunciou-se a complexa teia de mecanismos e instrumentos que impõem os interesses e a vontade do grande capital e das principais potências da UE. Em prejuízo dos povos e da soberania dos Estados: assim se procura garantir, como há tempos disse Merkel, que mudando os governos não mudam as políticas...
Assim, e do mesmo modo que a contra-revolução e a política de direita encontraram no processo de integração capitalista da CEE/UE um poderoso aliado aos seus objectivos, a concretização de um verdadeiro processo de desenvolvimento soberano do País exige a libertação dos espartilhos impostos pela União Europeia. A vertente patriótica da proposta política do PCP é não só indissociável como essencial para uma cabal concretização das restantes.
No seminário participaram, para além do Secretário-geral, Jerónimo de Sousa, os membros da Comissão Política João Ferreira e Vasco Cardoso, a deputada no PE Sandra Pereira, o membro do Comité Central João Pimenta Lopes, e ainda José Alberto e João Vieira, das Comissões de Actividades Económicas e da Agricultura junto do Comité Central do PCP.
O seminário culminou uma jornadas de dois dias dos deputados comunistas no Parlamento Europeu subordinadas ao tema da produção nacional, que incluiu visitas a unidades industriais, portos de pesca e explorações agrícolas e reuniões e encontros com diversas entidades.
______________________________________
“O Estado abdicou do seu papel como produtor, componente fundamental, determinante, decisiva, de uma economia mista e baluarte da soberania e independência nacionais. Remetido a um mero papel de ‘regulação’ e de ‘fiscalização’, desacompanhadas da propriedade e da gestão públicas, estas rapidamente se revelaram ficcionais.”
João Ferreira
“É dever do PCP alertar que a ‘reindustrialização’ da Europa não pode ser alcançada por conta de uma ainda maior desindustrialização do nosso País.”
Vasco Cardoso
“A resposta necessária para que o país possa superar os graves défices estruturais e de investimento com que se confronta exige um programa de desenvolvimento, que não seja determinado pelos critérios e agenda escolhidos e orientados pelas grandes potências da União Europeia.”
João Pimenta Lopes
“O impacto profundamente assimétrico nos Estados de décadas de políticas comuns da UE confirma a necessidade de recuperação de soberania nacional em domínios como a indústria, a agricultura, as pescas ou o comércio.”
Sandra Pereira
“Empresas estratégicas do nosso país, algumas monopólios naturais, passaram integralmente para as mãos do grande capital privado, fundamentalmente estrangeiro.”
José Alberto Lourenço
“O capitalismo (...) tornou-se rei e senhor dos destinos da agricultura no mundo. Compreender isto é fundamental para percebermos o que está em causa e para nos reapropriarmos do direito a produzir como entendermos, assim como o direito à protecção do nosso espaço. A isto se chama soberania alimentar.”
João Vieira
A produção nacional e o papel do Estado
Aumentar e diversificar a produção nacional é fundamental para reduzir défices e dependências, criar riqueza e emprego, defender a soberania do País. Esta é desde sempre uma linha fundamental da acção do PCP.
Na intervenção que proferiu na quinta-feira, no encerramento do seminário O papel da produção nacional no desenvolvimento do País – o impacto das políticas da União Europeia, Jerónimo de Sousa realçou ser necessário que o Estado «assuma o papel de planeador estratégico, conduzindo o desenvolvimento do tecido produtivo português, na produção de bens e emprego». A necessária reindustrialização do País deve assentar nas prioridades e potencialidades nacionais e não numa qualquer «divisão europeia do trabalho» ao serviço dos interesses do grande capital multinacional e das grandes potências.
Ao Estado deverá ainda caber um papel activo como promotor e operador de activos industriais», de modo a «colmatar anos e anos de atrasos e danos causados pela política de direita». O controlo público de sectores estratégicos é outra das medidas que se impõem, fundamentalmente naqueles que se revelam suportes «decisivos de toda a actividade económica, como a energia e as telecomunicações, hoje dominadas por grupos oligopolistas, fundamentalmente de capital estrangeiro, cobrando lucros e rendas que custam caro à economia nacional».
Travar as negociatas e manobras envolvendo importantes empresas nacionais é outra das matérias urgentes a que o Estado tem de responder, garantiu o Secretário-geral, dando os exemplos da venda das barragens da EDP ou a alienação, pela Galp, da Galp Gás Natural Distribuição.
A substituição de importações por produção nacional é, nesta área, uma questão central para o desenvolvimento do País. O PCP já identificou as quatro áreas em que é absolutamente estratégico proceder a essa substituição: os alimentos, os medicamentos, os meios e equipamentos de transporte, e a energia. Estas áreas, por sua vez, envolvem múltiplos sectores industriais já existentes ou a criar no nosso País. A utilização das verbas do PRR para reconstituir e desenvolver o aparelho produtivo nacional é outra prioridade imediata, sendo necessário para tal redefinir os condicionalismos que lhe estão associados.