Grande jornada garantiu continuação da luta

Com greves em todo o País e uma concentração em Lisboa, junto do Conselho de Ministros, os trabalhadores da Administração Pública deram uma resposta firme ao Governo. A Frente Comum de Sindicatos assegura que, se este não alterar a estratégia, à grande jornada de 20 de Maio vão seguir-se muitas lutas, para defender os serviços públicos, aumentar salários, dignificar carreiras, revogar o SIADAP e corrigir a tabela remuneratória única.

As lutas obrigaram o Governo a dizer que negociaria, mas mentiu redondamente

As primeiras informações sobre elevados índices de adesão à greve vieram da Administração Local, logo na madrugada de quinta-feira da semana passada. As horas seguintes confirmaram que aquele foi um «grandioso dia nacional de luta dos trabalhadores da Administração Pública», que «souberam hoje dar uma resposta firme ao Governo», como afirmou o coordenador da Frente Comum.

Sebastião Santana, no início da sua intervenção perante centenas de trabalhadores concentrados nas proximidades do Palácio Nacional da Ajuda (o qual albergou nesse dia a reunião do Conselho de Ministros), resumiu os efeitos da greve, relatando que «milhares de escolas» estiveram fechadas, «não houve recolha de resíduos sólidos em todas as grandes cidades, os transportes colectivos urbanos foram reduzidos ou pura e simplesmente suprimidos, encerraram serviços de atendimento da Segurança Social, serviços de atendimento das autarquias, houve uma grande adesão dos trabalhadores civis das Forças Armadas (nomeadamente na Força Aérea e no IASFA), encerraram cantinas do Ensino Superior e, de muitas centenas de outros serviços, chegaram informações de estarem encerrados ou com graves dificuldades de funcionamento».

Assinalou que «trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde, de todas as carreiras e categorias, que hoje asseguraram o normal funcionamento dos serviços, estão aqui hoje representados, exigindo o reforço do SNS público».

Antes, numa breve saudação aos trabalhadores em luta, Isabel Camarinha desafiou o Governo do PS a utilizar «os meios que tem para valorizar o trabalho e os trabalhadores, começando desde já por aqueles que dele dependem directamente». «Faça a negociação séria e responda às reivindicações dos trabalhadores da Administração Pública», exigiu a Secretária-geral da CGTP-IN.

Por «um tratamento digno, a valorização do seu trabalho, das suas carreiras e das suas profissões», a luta «já vem de há muito, mas não tem resposta por parte deste Governo, nem teve dos anteriores». A dirigente sindical considerou que «este dia, com milhares de trabalhadores em luta e em greve, é fundamental para prosseguir esta exigência de resposta aos problemas e às reivindicações» e «é uma luta que vai ter de continuar».

No momento musical, com a voz de Sofia Lisboa e a guitarra de Tiago Santos, que antecedeu as duas intervenções, também esteve presente a determinação na luta, em Portugal e noutros países, como a Colômbia. A solidariedade com a luta dos trabalhadores e dos povos da Colômbia e da Palestina foi também manifestada por Sebastião Santana e vivamente saudada.

O coordenador da Frente Comum lembrou que «as lutas dos últimos meses obrigaram o Governo a dizer que negociaria o SIADAP, as carreiras e a Tabela Remuneratória Única no primeiro semestre deste ano», mas «mentiu redondamente».

«Serão esta luta e as lutas que se vão seguir a obrigar o Governo a uma efectiva negociação», alertou, depois de ter criticado «uma negociação como um processo de se sentar à mesa sem propostas». «Se o Governo não mudar a sua estratégia, esta não será mais uma, será o início de muitas lutas, que se vão intensificar e agudizar», concluiu.

A mesma mensagem marcou a resolução, aprovada e aclamada após as intervenções, para de seguida ser entregue ao Executivo, e na qual foi sublinhado que «não vamos parar de lutar», «exigimos a negociação das nossas propostas» e «estamos fartos do silêncio do Governo».

 

O que é exigido?

Na resolução ficaram inscritas as exigências dirigidas «ao primeiro-ministro e ao Governo»:

– aumento geral dos salários, em 90 euros para todos os trabalhadores, e criação no curto prazo, nas carreiras do regime geral, de um índice 100 correspondente a 850 euros;

– revogação imediata do SIADAP e a sua substituição por um sistema de avaliação de desempenho justo, formativo, transparente, equitativo e sem quotas;

– atribuição da menção qualitativa de «relevante» (ou equivalente) no biénio 2019-2020, a todos os trabalhadores cujo regime de avaliação incida neste período;

– revisão e dignificação das carreiras;

– recuperação de todo o tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras;

– correcção da Tabela Remuneratória Única, no respeito pela proporcionalidade entre posições remuneratórias;

– respeito pela negociação colectiva, pela Frente Comum dos Sindicatos e pelos trabalhadores da Administração Pública.

 

Mesmo com direitos limitados

Uma referência especial foi feita por Sebastião Santana à presença de representantes do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SCIF), da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), da Associação de Praças, da Associação Nacional de Sargentos e da Associação de Oficiais das Forças Armadas.

O coordenador da Frente Comum assinalou que «homens e mulheres com um papel determinante na defesa e soberania do País continuam a ver os seus direitos limitados, até no que à organização sindical e ao direito à greve diz respeito».

Tal como a ASPP/PSP, a Associação dos Profissionais da Guarda (APG/GNR) divulgou uma nota de imprensa a saudar os trabalhadores da Administração Pública e os objectivos do dia nacional de luta, garantindo que «persistirá na defesa dos direitos daqueles que representa, mesmo que possua limitados instrumentos de protesto».

 

Frases e factos

A Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública registou, na resolução e na intervenção do coordenador, os principais motivos da luta dos trabalhadores. Deixamos aqui alguns expressivos exemplos.

• Um trabalhador que entre hoje para a Administração Pública tem como perspectiva subir apenas quatro posições remuneratórias durante toda a carreira.

• Tiveram aumentos salariais, por via da subida do salário mínimo nacional, apenas 14 por cento dos 700 mil trabalhadores da Administração Pública, mas a esmagadora maioria está sem aumentos salariais há mais de uma década.

• A complexidade de cada uma das carreiras profissionais tem de ser respeitada. Um governo do PS (Sócrates) destruiu mais de 1400 carreiras, reduzindo-as a três. Um auxiliar de acção médica ou de acção educativa, um fiel de armazém, um cantoneiro de limpeza, um canalizador ou um electricista não fazem a mesma coisa e, tal como um jurista, um sociólogo, um psicólogo ou um biólogo, não podem estar na mesma carreira.

• Em 2009, a diferença entre os níveis salariais 1 e 5 era de 233,13 euros, hoje é de apenas 38,13.

• O Plano de Recuperação e Resiliência tem milhões de euros para um chamado investimento na Administração Pública, mas não sobra um único cêntimo para a valorização dos trabalhadores.

 

Solidariedade e incentivo do PCP

«Estamos nesta grande jornada de luta dos trabalhadores da Administração Pública numa acção de solidariedade, mas também de incentivo à continuação da sua justa luta», afirmou João Dias Coelho, da Comissão Política do Comité Central do PCP.

Em declarações prestadas durante a concentração, o dirigente comunista destacou tratar-se de «uma luta pelos salários, que já não são actualizados há muitos anos, uma luta pela valorização das carreiras, uma luta contra a precariedade laboral na Administração Pública».

Para o PCP, «não basta [o Governo] dizer que estes trabalhadores têm muita importância, porque são trabalhadores da primeira linha, é preciso que as palavras correspondam aos actos». «Basta de hipocrisia, é preciso que este Governo dê expressão concreta à valorização destes trabalhadores, que tudo têm dado e muito pouco têm recebido», salientou João Dias Coelho.

«Pela parte do Partido Comunista Português, estamos onde sempre estivemos: do lado e ao lado dos trabalhadores, na continuação da sua luta por melhores condições de vida e de trabalho», concluiu.

Da delegação do PCP, presente no protesto, fizeram ainda parte Miguel Madeira, do Comité Central, e Diana Ferreira, deputada na Assembleia da República.