Agrava-se a exploração e o ataque aos direitos dos trabalhadores e o Governo assobia para o lado

Jerónimo de Sousa acusou o Governo de ser fraco «perante os poderosos» e «forte com os injustiçados», exigindo uma mudança desta situação. Há que reconhecer «direitos a quem trabalha», garantir «o direito a ter direitos, o que não está a acontecer em muitos pontos do País», alertou.

É preciso revogar as normas gravosas da legislação laboral

O Secretário-geral do PCP, que falava no debate bimestral com o Governo sobre política geral, aludia à situação concreta de vil exploração e às condições desumanas a que estão sujeitos trabalhadores imigrantes em unidades agrícolas em Odemira e noutras áreas do Alentejo e do País.

Um quadro caracterizado pela violação dos direitos dos trabalhadores, pela precariedade, por empresas de trabalho temporário ou de prestação de serviços, por condições de habitação e de saúde degradadas, por máfias. E o que tal realidade agora tão falada a propósito de Odemira põe a nu em toda a sua crueza, «para aqueles que só agora quiseram ver», salientou Jerónimo de Sousa, é a «situação de centenas de milhares de trabalhadores, em particular imigrantes, para a qual o PCP há muito alertou».

Esta não é, porém, uma realidade exclusiva da agricultura. «É também noutros sectores (como a pesca) e não é só em Odemira, é também noutras regiões do País que esta situação de exploração de trabalho escravo se verifica», com a «arbitrariedade da exploração que tudo sacrifica à acumulação do lucro», «ao mesmo tempo que os interesses nacionais e o desenvolvimento do País são espezinhados», alertou o líder comunista, levando ao debate testemunhos concretos que o comprovam.

Exploração sem freio

A decisão da GALP de fechar a refinaria de Matosinhos foi um dos exemplos apontados: «Quantos milhões de euros recebe a GALP invocando a defesa do ambiente, para destruir centenas de postos de trabalho, substituir produção nacional por importações e prejudicar assim gravemente o País?», indagou, dirigindo-se ao primeiro-ministro.

A situação da Groundforce foi também merecedora de severa crítica, com Jerónimo de Sousa a apontar o dedo a «um capitalista a quem o Governo PSD/CDS entregou a empresa», que a «usou» para obter dividendos, «chantagear o interesse público, jogar escandalosamente com os salários e o emprego dos trabalhadores». E depois de considerar que a «arrogância e a afronta exibida não são toleráveis» e de lembrar que a «Groundforce é precisa», concluiu que «deve ser garantido o seu controlo público para servir o País e salvaguardar os direitos dos trabalhadores».

Indissociável de todo este quadro há, entretanto, o que o Secretário-geral do PCP qualificou de «problema de fundo»: o Código do Trabalho e as «suas sucessivas alterações», a que acresce «o não cumprimento dos limites que ele contém».

Daí a sua consideração de que «é preciso revogar as normas gravosas da legislação laboral» e garantir a intervenção das autoridades e, desde logo, da Autoridade para as Condições do Trabalho. Mais, argumentou, esta entidade «deve dispor dos meios humanos e técnicos necessários, de orientações adequadas, de poderes de acção executiva, como há muito o PCP propõe».

Garantir direitos

Nas palavras do líder comunista estava claro o desafio a um esclarecimento sobre a matéria, intuito que todavia se revelou em vão face às esquivas do chefe do Governo. Com efeito, embora tenha reconhecido a «necessidade de regulamentação de relações de trabalho que foram ganhando uma atipicidade absolutamente intolerável e que são um factor de vulnerabilidade social muito grave», o primeiro-ministro limitou-se a informar que estas questões estão a ser tratadas no âmbito da discussão em curso na concertação social sobre o chamado Livro Verde relativo à legislação laboral.

Já sobre a situação específica de Odemira, além de admitir que «não é nova e que tem múltiplas dimensões», cingiu-se a valorizar o «levantamento do cerca sanitária», mostrando-se satisfeito com a assinatura de protocolos sobre as «condições de habitação», com o município de Odemira e as três associações representativas dos produtores agrícolas.

«Não é com o levantar das cercas sanitárias nas duas freguesias de Odemira que o problema fica resolvido», ripostou Jerónimo de Sousa, fazendo notar a António Costa que «o problema é de maior dimensão» e reclama outra atitude em defesa dos direitos dos mais desprotegidos, que não aquela que tem pautado a acção do Governo.

«Não se esqueça nunca de que a habitação é importante, mas os trabalhadores precisam de salários dignos e de direitos - e essa questão não está considerada», exortou o líder comunista.

Lusa

Processo de vacinação exige profissionais e mais vacinas

Os entraves ao desenvolvimento rápido do processo de vacinação mereceram também a reflexão do Secretário-geral comunista, com este a considerar que a situação existente «ainda está longe de ser satisfatória e podia ser melhor», não obstante os «esforços desenvolvidos pelos milhares de profissionais e pelos responsáveis do programa».

«Falta de profissionais, nomeadamente enfermeiros nos centros de vacinação, falta de vacinas, condicionalismos na tomada de algumas das vacinas adquiridas», são alguns dos factores que têm dificultado o evoluir da vacinação, segundo Jerónimo de Sousa, que voltou a lembrar como neste processo está a chave para combater a COVID-19 e resolver o «problema a prazo», a par da testagem massiva e do rastrear de novos casos, como o PCP sempre tem defendido.

Daí ter inquirido o primeiro-ministro, a propósito da falta de profissionais nos centros de vacinação, sobre a razão que leva o Governo a não renovar os contratos com milhares de enfermeiros que foram admitidos nos períodos de maior aperto e gravidade da situação epidemiológica.

Na resposta, depois de considerar que «o plano de vacinação tem vindo a ser executado de acordo com o planeado», e de se mostrar optimista com o cumprimento dos «objectivos fixados», e do «calendário», o primeiro-ministro invocou os compromissos ao nível do Orçamento do Estado para 2021, designadamente com o PCP, quanto à abertura de concursos para a admissão de pessoal, para dar nota de que estavam a ser cumpridos.

«Um despacho foi publicado hoje mesmo e, nesse quadro, está prevista a contratação de um número suficiente de enfermeiros que permite a integração nos quadros dos enfermeiros contratados a título temporário para a operação de vacinação, sendo essa participação condição preferencial para a admissão», informou António Costa.

«O problema é que as vagas existentes não dão para garantir a integração desses enfermeiros de que o Governo se quer livrar», ripostou Jerónimo de Sousa. Numa segunda ronda de perguntas, o presidente do Grupo Parlamentar do PCP, João Oliveira, retomou o tema e comprovou o sofisma do Governo ao assinalar que as vagas abertas são 1366, quando há 2332 enfermeiros temporários, ou seja, há 966 que ficam de fora.

Seguidismo face à UE

A posição do Governo de não procurar diversificar a compra de outras vacinas já referenciadas pela OMS foi também alvo de crítica por parte de Jerónimo de Sousa, que viu nesta postura uma «estratégia de seguidismo» face à Comissão Europeia.

A mesma estratégia que de resto salta igualmente à vista na questão das patentes, como ainda na véspera foi observável nas palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros ao afirmar que a posição portuguesa será determinada em função da posição que vier a ser articulada na União Europeia.

«Não é uma grande opção esta de submeter a nossa posição àquela que vier a ser concertada na UE», reagiu João Oliveira, que insistiu para que o primeiro-ministro esclarecesse se Portugal vai estar de acordo nas organizações multilaterais com a suspensão das patentes ou se vai assumir uma posição antagónica.

Pouco adiantando sobre o assunto, António Costa preferiu desdobrar-se em argumentos para descartar a possibilidade de Portugal ter capacidade de produzir vacinas. João Oliveira, que o confrontara com essa necessidade de adoptar medidas que venham a permitir essa produção nacional de vacinas, insistiu que enquanto o País não tiver essa capacidade industrial «continuará sempre refém de outros» que a têm, defendendo por isso que esta tem de «ser uma das prioridades». Tal como Portugal e o Governo «têm a obrigação de aproveitar todos os elementos do ponto de vista internacional que possam convergir no sentido da suspensão das patentes para a produção nacional das vacinas», sustentou João Oliveira.

Opção desastrosa para o País

À margem do debate não passou também a questão do Novo Banco, com o Secretário-geral do PCP a criticar o Governo pela sua opção «desastrosa» neste capítulo e a questionar o primeiro-ministro sobre quando é que vai parar a sangria de recursos públicos.

«Quanto mais dinheiro, senhor primeiro-ministro, vai ser necessário gastar para que o Estado chame a si o poder sobre o Novo Banco, ou seja, para ser integrado na esfera pública?», foi a pergunta que Jerónimo de Sousa fez ao chefe do Governo e a que este não respondeu por ter deixado esgotar o seu tempo. Poderia sempre tê-lo feito noutro momento do debate, mas não foi essa a sua opção. Assim como não reagiu à advertência do líder comunista de que o Novo Banco, além de já ter custado 8 mil milhões de euros, «pode vir a sair ainda mais caro aos portugueses». É que «não existe qualquer controlo da venda dos activos do Novo Banco, apesar de ser uma venda financiada pelo Estado», observou, lembrando que foi o próprio Tribunal de Contas a chamar a atenção para este facto.

A isto acresce os «perdões de dívidas, imóveis vendidos a preço de saldo, financiamento de negócios e aventuras privados, prémios inaceitáveis a gestores, tudo pago pelo Orçamento do Estado», sumariou o líder comunista, que considerou que a história do Novo Banco «deu razão ao PCP».

«Se é verdade que o governo PSD/CDS, sob a batuta da troika, enganou os portugueses e mentiu sobre o valor da Resolução, varrendo o lixo do BES para debaixo do tapete do Novo Banco, não será errado afirmar que a opção do Governo do PS de continuar o negócio concebido pelo PSD/CDS foi igualmente desastrosa para o País», anotou Jerónimo de Sousa, lamentando que, «ao contrário do que o interesse nacional impunha», o Governo tenha feito a opção de «entregar o Novo Banco ao capital estrangeiro, deixando o País ainda mais desprovido de instrumentos para o financiamento da economia».

Menos propaganda e mais acção

Importante questão levantada por João Oliveira foi ainda a dos investimentos inscritos no OE na área da saúde. Quis saber, nomeadamente, em quantos centros de saúde já foram executadas melhorias nos edifícios e instalados equipamentos de RX e outros meios tecnológicos, quantos profissionais de saúde foram já mobilizados para recuperar cuidados de saúde em atraso, qual o ponto de situação dos investimentos nos hospitais da Póvoa de Varzim e Vila do Conde, de Setúbal, da Guarda, do Seixal, do IPO de Lisboa.

E também sobre o Hospital de Évora. É que «já passaram seis meses desde que o primeiro-ministro foi a Évora anunciar o Hospital Central do Alentejo», observou o líder parlamentar comunista, e continua tudo em águas de bacalhau. João Oliveira acusou mesmo a ARS de «empatar e boicotar o início da construção, apesar de o Tribunal de Contas ter dispensado o visto prévio», exigindo por isso que o Governo «assuma as suas responsabilidade e dê explicações».

O Governo tem vindo a trabalhar para «fortalecer o SNS», respondeu de forma vaga a ministra da Saúde, pouco mais adiantando do que a repetição de números globais sobre as contratações efectivadas nos dois últimos anos.

Já sobre o Hospital de Évora, revelou que o Governo conta que antes do final do primeiro semestre o estaleiro esteja instalado e que as obras arranquem.

«De seis meses em seis meses o processo vai adiando. E nós já percebemos que isto só avança de cada vez que o PCP aperta. Pois cá estaremos para apertar até que o Hospital seja construído», garantiu, na réplica, João Oliveira.