O ataque à China em torno de Xinjiang

Luís Carapinha

Organizada conjuntamente pelo Departamento Internacional do Partido Comunista da China e o Comité Regional de Xinjiang do PCC, teve lugar em Urumqi, capital da Região Autónoma Uigur de Xinjiang da China, no passado mês de Fevereiro, uma sessão de informação sobre a situação na região.

A questão do Xinjiang não é separável da intervenção do imperialismo na Ásia Central e da estratégia de cerco à China

A iniciativa, sob o lema Uma vida melhor para todos contou com a participação, por videoconferência, de representantes de mais de 190 partidos e organizações de mais de 80 países, incluindo cerca de uma centena de partidos de países muçulmanos, e a intervenção de representantes chineses, desde dirigentes partidários nacionais e regionais a cidadãos e trabalhadores comuns residentes no Xinjiang, que abordaram distintos aspectos da realidade vivida naquela região do Oeste da China.

Num breve depoimento em nome do PCP, António Filipe, deputado e vice-presidente da Assembleia da República, valorizou o marco da erradicação da pobreza extrema na China, que qualificou como «conquista de enorme alcance histórico para o povo da China e para o conjunto da humanidade». Esta é uma realidade que se aplica integralmente à região de Xinjiang, que viu nos últimos anos serem resgatados da condição da pobreza três milhões de habitantes, no âmbito da campanha nacional lançada na última década na China, que teve como meta a erradicação da pobreza absoluta no país mais populoso do mundo até 2021, ano em que o PCC assinala o seu centenário.

A iniciativa de Urumqi tem como pano de fundo a frenética campanha lançada pelos EUA e principais potências da NATO contra a China em torno de Xinjiang e dos uigures. Ataque concertado que se insere na escalada do imperialismo visando a contenção do desenvolvimento da China, cuja ascensão económica e crescente papel no mundo é qualificada como o grande desafio estratégico das próximas décadas à manutenção da hegemonia mundial dos EUA.

Especulação e mentiras
A especulação e mentiras em torno da alegada «repressão» dos uigures atingiram o apogeu na véspera da saída de Trump da Casa Branca, com a acusação grotesca – por parte de Pompeo – de genocídio. Parada que a nova Administração mostra-se disposta a prosseguir, a atestar pelas posições conhecidas do secretário de Estado, Blinken, e do próprio Biden sobre a matéria.

A China tem rebatido de forma categórica as acusações dos EUA (e da corte de aliados transatlânticos, com Londres a tentar ganhar a dianteira) de violações em massa dos direitos humanos e da população uigur. Intervindo no Conselho de Direitos Humanos da ONU, Wang Yi, ministro dos Negócios Estrangeiros de Pequim, rejeitou as «acusações fabricadas» de «genocídio, trabalho forçado ou opressão religiosa no Xinjiang», considerando-as «maliciosas e visando objectivos políticos».

É claro que o tema, tal como as acusações a Pequim em relação ao Tibete ou a Hong Kong, evidenciam que a campanha contra a China e o PCC continua a subir de tom e que a capa da defesa dos direitos humanos é instrumentalizada pelo imperialismo como forma de ingerência e pressão sobre a China. O cinismo desta agenda é sobejamente demonstrado pelo esconso anúncio de Pompeo, em Novembro, de retirar o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental, organização jihadista uigur filiada na Al-Qaeda, da lista terrorista dos EUA.

Ingerência e desestabilização
Por trás do biombo do discurso hipócrita dos direitos humanos, os EUA fomentam o separatismo e promovem a desestabilização regional. Os objectivos estratégicos em causa nada têm que ver com a defesa da liberdade religiosa e o direito das minorias muçulmanas e do povo uigur.

A questão do Xinjiang não pode ser abstraída – como se pretende fazer crer – da intervenção desestabilizadora do imperialismo na Ásia Central e em toda a faixa do designado Grande Médio Oriente e da estratégia de cerco à China. A evolução da situação na região autónoma chinesa e os episódios de um passado recente de terrorismo e violência extrema não podem ser desligados das grandes tendências na Ásia Central, em particular no vizinho Afeganistão, determinadas pela ocupação militar e agenda intervencionista dos EUA e da NATO, já quase com 20 anos. Acções que têm causado objectivamente a destruição da soberania, a disseminação do ódio e a profusão da violência e terrorismo.

Caiu no esquecimento o relatório oficial da ONU confirmando o incremento de vítimas civis no Afeganistão, resultante da acção das forças militares dos EUA e do governo de Kabul, perfazendo perto de 100 mil mortos civis na última década.

Historicamente, os EUA e o Reino Unido, socorrendo-se de aliados cruciais como a monarquia tirânica da Arábia Saudita, ou nos anos 80 a ditadura militar do Paquistão, têm sido os grandes promotores do terrorismo islâmico na Ásia Central e Médio Oriente (e do terrorismo de Estado que se propõe combatê-lo). É impossível ignorar que o denominado ISIS (e antes a Al-Qaeda e seus predecessores) tem-se expandido no Afeganistão e na região, pressionando as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, as fronteiras chinesas (no Xinjiang) e demais países da região.

É este o contexto real das medidas que estão a ser adoptadas por Pequim para impedir o alastramento da violência terrorista. A China refuta a existência de campos de internamento em massa para uigures, alegando que são centros reeducativos que acolhem em especial antigos separatistas uigures e integrantes de grupos terroristas, com registo de participação em vários conflitos e guerras orquestradas pelo imperialismo, incluindo no Afeganistão e Síria.

Progresso e desenvolvimento
Os esforços no combate à violência levaram a que nos últimos cinco anos não se tenham registado ataques terroristas no Xinjiang. As medidas adoptadas passam igualmente pela decisiva promoção da economia e desenvolvimento social da região. Dados oficiais testemunham o reforço das políticas de emprego, educação, formação profissional, saúde e segurança social.

Carecem de evidência as acusações de que a China está a suprimir a cultura uigur e a liberdade religiosa das minorias. Em Xinjiang há mais de 20 mil mesquitas, a região goza de um estatuto de autonomia, nas escolas e universidades é possível estudar na língua uigur e a sua população goza de direitos idênticos aos das restantes regiões do país. Nos anos 2010-2018, a população uigur aumentou 25%, acima da taxa de crescimento populacional do território autónomo (14%).

A efectiva promoção do progresso social e os esforços de convivência inter-étnica do Xinjiang, ponto de encontro de povos e culturas, ancestralmente trilhado pelas caravanas na rota da seda, é o que mais dói à actual campanha dos sucedâneos de Trump e Pompeo.

Cruzamento de povos, culturas e religiões

A Região Autónoma Uigur de Xinjiang da China foi constituída em 1955, no seguimento do triunfo da revolução e proclamação da República Popular da China (RPC), em 1949. O Xinjiang foi desde tempos imemoriais uma região multiétnica, ponto de encontro e cruzamento de uma grande diversidade de povos, culturas e religiões. A sua incorporação ao território chinês remonta ao ano 60 antes da nossa era, no período da dinastia Han.

A formação do grupo étnico dominante uigur passou por um longo processo histórico de migração, miscigenação e integração. Ao longo dos séculos, múltiplas religiões, como o zoroastrismo, budismo e islamismo, estabeleceram-se, coexistiram e dominaram a região. Embora nem todas as formas religiosas se tenham mantido no tempo, a diversidade religiosa perdura e chega até aos nossos dias.

Desde o século XVI o Islão torna-se a religião dominante, mas hoje o número de crentes de outras confissões religiosas, somado ao dos ateus, representa a maioria dos cerca de 25 milhões de habitantes da região autónoma. Num país que conta com 56 grupos étnicos, os uigures constituem, de acordo com o censo de 2010, cerca de 46% da população do Xinjiang, seguidos, com perto de 41%, dos Han, a principal etnia no plano nacional da RPC.

No Xinjiang, o uigur e o mandarim possuem estatuto de língua oficial, existindo na região perto de 50 línguas e dialectos.

Manipulação política

Pequim respondeu nos últimos dias à parada de sanções políticas e diplomáticas impostas pela UE, Reino Unido, Canadá e EUA em torno da vasta campanha de alegadas violações dos direitos humanos na região do Xinjiang, lançada pelos EUA como parte dos esforços para pressionar e fustigar a China e estabelecer uma agenda única anti-chinesa no campo imperialista.

Entre os organismos, instituições e figuras abrangidos pelo anúncio oficial de sanções estão, designadamente, o Comité Político e de Segurança do Conselho da União Europeia, a Subcomissão dos Direitos do Homem do Parlamento Europeu, o Instituto Mercator de Estudos Chineses da Alemanha – um dos maiores centros de investigação da China na Europa – e cinco deputados do PE, entre os quais Reinhard Bütikofer, responsável da delegação para as relações com a China.

Pequim sancionou ainda vários deputados e estruturas do Reino Unido e do Canadá, incluindo Tom Tugendhat, presidente da comissão de negócios estrangeiros do parlamento britânico, e a responsável da denominada Comissão para a Liberdade Religiosa Internacional dos EUA.

A China tem vindo a exigir o fim da manipulação política das questões relacionadas com o Xingiang e da crescente ingerência nos seus assuntos internos, afirmando-se disposta a defender «resolutamente a sua soberania nacional e dignidade».