- Nº 2460 (2021/01/21)

A Presidência de quem?

Opinião

Portugal assumiu no início deste mês a Presidência do Conselho da União Europeia. É uma ilusão pensar que o Governo do País que assume uma presidência tem o poder para, durante um semestre, determinar as decisões da União Europeia. Aliás, sobretudo desde o Tratado de Lisboa (que foi aprovado durante uma Presidência portuguesa) ficou ainda mais claro que ao aprofundamento do processo de integração corresponde um papel menor dos governos em várias matérias, incluindo na definição dos conteúdos e prioridades das «suas presidências».

A Presidência portuguesa não foge à regra. Analisando o programa e prioridades apresentados pelo Governo português torna-se evidente que a presidência portuguesa segue quase religiosamente o chamado Programa do trio de presidências – a orientação traçada para as presidências alemã, portuguesa e eslovena, essencialmente determinada pela Alemanha – bem como o Programa de Trabalho da Comissão Europeia apresentado por Von Der Leyen em Setembro do ano passado no seu primeiro discurso do Estado da União. Ali estão vertidas as orientações e objectivos que presidem a uma estratégia de tentativa de um relançamento e uma «recauchutagem» verde, digital e aparentemente justa e democrática da União Europeia.

Analisando as «três grandes prioridades» da Presidência portuguesa fica claro que: i) a «transição verde e digital» para onde deve ser canalizada a parte de leão dos recursos do Quadro Financeiro Plurianual e do Fundo de Recuperação é de facto uma tentativa de desenvolvimento de renovadas fileiras de acumulação e centralização de capital, que servem interesses específicos, nomeadamente da Alemanha e dos seus grupos económicos, como por exemplo o projecto do Hidrogénio Verde, ou os projectos da chamada liderança europeia na área dos dados e da conectividade. ii) a «Europa social», se resume, mais uma vez, à repetição dos slogans do «Pilar Social da União Europeia», tocando aspectos laterais da profunda crise social, e tentando os caminhos do federalismo como por exemplo com o projecto do Salário Mínimo Europeu. «Europa social» que, à boleia da pandemia, tenta agora o projecto da «União Europeia da Saúde» que, como o caso das vacinas está a demonstrar, tentará centralizar na União Europeia decisões fulcrais dos Estados nesta área e abrir campo à sua privatização e centralização. iii) «a autonomia estratégica de uma Europa aberta ao Mundo» será pautada por dois vectores simultâneos – o «interno» com a estratégia industrial (desenhada para as grandes potências), com o aprofundamento do mercado único e da União Económica e Monetária; e o externo com um relançamento do militarismo e do intervencionismo, com uma visão neocolonial relativamente a África e a região indo-pacifico e com uma tentativa de relançamento das relações com os EUA num equilíbrio precário ditado pela actual evolução das relações internacionais.

Mas no meio de tudo isto é importante referir algo mais importante. É que as contradições da União Europeia continuam a aprofundar-se. E são tão grandes, que no meio de um programa tão ambicioso o Governo já veio reconhecer que afinal a sua grande prioridade é «concretizar a Bazuca» decidida durante a presidência alemã, coisa que não está garantida. A verdade é que o Governo se arrisca a «ter» uma Presidência que não só não corresponde à óbvia necessidade de se questionar todo o processo de integração, como poderá falhar todos os objectivos que outros definiram para si. E isso poderá vir a dizer muito sobre o estado da União Europeia e sobre o papel de um Governo que se submete a orientações de outros.


Ângelo Alves