Ninguém pode calar a vida e a luta a que o XXI Congresso deu expressão

LUTA Concluímos, nesta edição, a abordagem ao XXI Congresso do PCP, publicando mais intervenções centrais e continuando a realçar muito do que nele foi discutido, certos de que os seus efeitos permanecerão pelos anos fora.

A realidade testemunhada no Congresso não passa nas televisões

Ofensiva, resistência, luta, avanços. Foi disto que se falou no XXI Congresso do Partido, o que explica o silêncio a que foi remetido nos dias seguintes à sua realização. Percebe-se que assim seja, ou não fossem os donos dos principais jornais e estações de televisão e rádio os mesmos que, no essencial, dominam a economia nacional.

Da Autoeuropa, uma das maiores empresas a laborar em Portugal, falou Custódio Carvalho, da célula do Partido, cuja influência foi

fundamental para que os trabalhadores tenham alcançado melhorias significativas nas condições de vida e de trabalho. Nomeadamente a passagem de cerca de 1800 trabalhadores para os quadros da empresa, a garantia de não haver nenhum despedimento colectivo e de continuar a luta contra a precariedade, apesar da crise pandémica.

Já nos CTT, denunciou Carlos Prazeres, a gestão privada

delapidou todo o enorme património herdado do Estado, apostou na criação de mais um Banco, degradou a qualidade da prestação do serviço público postal, aumentou brutalmente os preços, encerrou centenas de estações de correios, reduziu o número de trabalhadores, degradou as condições de trabalho e as remunerações, provocou sobrecargas de trabalho. Tudo com o propósito de servir os interesses dos accionistas e dos grandes grupos económicos. Para os trabalhadores, para os utentes, para o País, a privatização dos CTT foi um absoluto desastre (…).

No sector financeiro, onde está em curso um processo de «acumulação e concentração de riqueza», Rute Santos recorda que

desde a vinda da Troika, já encerraram mais de dois mil balcões e saíram mais de 10 mil trabalhadores, apesar de o Estado ter injectado na banca mais de 20 mil milhões de euros, devido a gestão danosa. Destes mais de 20 mil milhões, cerca de nove mil milhões foram para o Novo Banco. A aplicação da medida de Resolução ao BES pelo Banco de Portugal, em articulação com o governo do PSD/CDS, e sob o comando da União Europeia, foi um autêntico escândalo.

Também os pescadores lutam pela sobrevivência. Como lembrou João Paulo Delgado,

entre 2016 e 2020 perdemos mais 2668 pescadores e 173 embarcações. Referir que entre 1986 (o ano de adesão à CEE) e 2019, Portugal perdeu 27158 pescadores. (…) Desta forma, continua a agravar-se o défice da balança comercial de produtos da pesca, que em 2019 atingiu os 1102 milhões de euros. Nos últimos quatro anos, este défice aumentou 315 milhões de euros. No mesmo período, as capturas caíram e o preço médio na primeira venda, em 2019, foi mais baixo que o registado em 2016.

Defender e ampliar direitos
A ofensiva aos serviços públicos e funções sociais do Estado, envolvendo tanto os próprios serviços como os trabalhadores e seus direitos, não é de hoje e já teve dias mais intensos, mas está longe de estar terminada. No sector ferroviário, realçou Catarina Cardoso,

integrou-se a EMEF na CP apenas porque foi a única saída possível para uma trapalhice legal. Não tendo reunido condições políticas para privatizar a EMEF, e depois de uma intensa luta dos ferroviários, não restou alternativa senão integrá-la na CP para garantir que os comboios não ficavam sem manutenção. Contrataram-se trabalhadores, sim, mas continuamos muito aquém dos necessários porque os salários oferecidos pouco ultrapassam o Salário Mínimo Nacional.

No Serviço Nacional de Saúde, foi possível algum reforço de meios humanos e materiais, embora também aqui aquém do necessário. Daí, realçou André Gomes, o PCP ter apresentado na Assembleia da República

um Plano de Emergência para o SNS que, a ser aprovado e concretizado, teria criado as condições para que, hoje, o SNS não estivesse a passar pelas dificuldades que são conhecidas. Um plano que aponta para o reforço dos meios financeiros, humanos, técnicos e materiais.

O que também se agravou com a epidemia, realçou Célia Matos, foram os direitos dos enfermeiros, que

viram agravados e reinventados novos problemas, como a desregulação de horários, o aumento de casos de atropelo de direitos de parentalidade, a inexistência ou ineficácia de serviços de saúde ocupacional, o impedimento do gozo de férias, o indeferimento do Estatuto de Trabalhador Estudante, entre outros. Uma vez mais, foi por proposta do PCP que foi recentemente assumido o compromisso de contratação de 1365 enfermeiros (…).

Direito a viver
Se há camada social particularmente afectada pelo vírus e pelas medidas que por vezes só na aparência o pretendem combater é a dos reformados, pensionistas e idosos. José Núncio, a este propósito, afirmou que

não é aceitável que os reformados vejam a sua vida reduzida «aos mínimos», em que seja questionada e posta em causa a capacidade de tomar decisões responsáveis. Os reformados e idosos precisam de viver, de passear, de fazer desporto, ir ao teatro e cinema, manter o convívio e ligação com a família e amigos, de terem actividade associativa e política.

Eugénio Pisco, referindo-se às dificuldades há muito sentidas por milhares de associações e colectividades, acusou os sucessivos governos de se terem desresponsabilizado pela «promoção e democratização da cultura e do desporto, abrindo espaço para a sua mercantilização e elitização». A isto, juntam-se

os efeitos da epidemia, que levaram ao encerramento de milhares de colectividades e das suas actividades e a exigir um esforço redobrado para a sua reabertura e retoma da actividade. Esforço para o qual é exigido o apoio e empenhamento do Estado e das autarquias.

André Martelo, por seu lado, lembrou o incêndio de 2017 no Pinhal de Leiria, que provocou a «redução de 86% do pinhal a cinzas. Ardeu metade do território do concelho».

A dimensão e consequências do incêndio são um espelho do desinvestimento público na preservação e manutenção da Mata. Atravessá-la hoje significa percorrer quilómetros de negrume e destruição. Depois de três anos de muitas promessas e inúmeras manobras de propaganda, quase tudo está por fazer. O Governo, com o apoio da Câmara Municipal, não só não cumpriu as suas responsabilidades, como tratou de vender uma boa parte da madeira ardida – sem servir para reinvestimento local.

Por mais que deturpem, silenciem ou desvalorizem o que efectivamente foi debatido no XXI Congresso do PCP, por ali passou a vida e a luta que a transforma. E essa nada nem ninguém pode travar.

 



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