Escritores, livros, TV
No passado domingo, a RTP1 (logo a «1», sublinhe-se com quase surpreendido agrado) transmitiu uma entrevista com Afonso Reis Cabral, escritor galardoado com o Prémio Leya e que, além do mais (que decerto não será pouco nem negligenciável), tem a particularidade obviamente muito rara de ser bisneto de Eça de Queiroz. Para além do mérito da entrevista, registe-se com aplauso a iniciativa de entrevistar um escritor numa televisão onde, como muito bem se sabe, a regra geral é a de entrevistar figuras cujos currículos têm muito mais a ver com bolas do que com livros. A entrevista correu bem, nem outra coisa seria de esperar, mas a abordagem que aqui se tenta fazer hoje pretende registar um outro ângulo: o da possível rendibilidade cultural de trazer ao conhecimento dos telespectadores não apenas os livros que esperam por leitores nas prateleiras das livrarias ainda sobreviventes mas também os que escreveram, designadamente os que vivem entre nós. Não se sustenta que as palavras de um escritor tenham necessariamente mais interesse que as de um desportista, na vida há lugar para tudo e nas cabecinhas dos cidadãos também. O que pode e talvez se deva lamentar é que a televisão, o mais poderoso meio de informação, pareça ignorar que também lhe cumprem funções de formação. Andam por aí e por aqui, há décadas, uns sujeitos caturras a quererem lembrá-lo. Inutilmente: a criatura é surda para tais lembretes. Ou surda se faz, que por vezes a surdez é uma forma inexpugnável de recusa ou de coisa pior.
Pelo menos
É pelo menos saudável que recusemos a eventual tentação de atribuir à televisão, isto é, a quem a comanda, a sinistra intenção de quase ocultar aos cidadãos telespectadores a existência de escritores, isto é, de gente que para além de escrever livros ainda dispõe de ideias e convicções que seria interessante e proveitoso conhecer para com elas aprendermos ou para delas discordarmos. É pelo menos razoável admitir que as eventuais sabedorias de um escritor não se esgotam num livro ou numa obra literária: é a própria largueza da experiência quotidiana que as vai alimentando e renovando para eventual proveito do próprio e de quem tenha a oportunidade de as receber em partilha. De onde a mais que provável vantagem de ouvir alguns escritores, espécie humana que muito provavelmente sabe manejar as palavras com maior eficácia que o comum das gentes. Porém, a vinda de à TV de Afonso Reis Cabral veio lembrar que pouco ouvimos escritores nesta televisão que tanto gosto faz em fazer-nos ouvir atletas (nem sempre excelentes) ou cançonetistas (nem sempre afinados). Mesmo quando, como acontece vezes de mais, a eles e a nós mais valera o prudente silêncio.