O estado da coisa
Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, proferiu na passada semana o designado discurso sobre o estado da União. De ano para ano, crescem os esforços, nomeadamente no plano mediático, para projectar num forçado e artificial «espaço público europeu» este momento, em que se faz um balanço do ano que passou e se anunciam os planos para o ano que vem.
Dos muitos temas abordados, que denotam a reafirmação das prioridades estratégicas da Alemanha, em menor grau da França, e dos grandes grupos económicos e financeiros europeus, vale a pena sublinhar, num brevíssimo apontamento, três deles.
1. «Salários mínimos europeus». A Comissão Europeia propõe um quadro legislativo tendente à fixação de «salários mínimos» nos Estados-membros. Não se trata de um salário mínimo igual para todos os países, mas de um conjunto de regras harmonizadas para fixação de um valor indicativo para esse salário, em cada país. A ideia é estabelecer uma referência, não tendo a medida carácter obrigatório.
Recorde-se, a este propósito, que a UE, desde sempre, conviveu e convive com o dumping salarial, com a concorrência entre a força de trabalho de origens nacionais distintas, visando a sua desvalorização geral. Num processo de integração de tipo capitalista é esse, em grande medida, o sentido da «livre circulação de pessoas», leia-se, da circulação da força de trabalho, em função dos interesses e necessidades de mão-de-obra do capital.
A proposta em discussão pública, na versão que parece ganhar força, aponta para a fixação dos salários mínimos em valores que rondam o limiar de pobreza, em cada país. Ou seja, aponta à consagração da possibilidade de alguém que trabalha não sair desse limiar. Em Portugal, onde a valorização do salário mínimo adquire carácter prioritário e urgente, a proposta levaria a um valor de referência para o salário mínimo inferior ao atual Salário Mínimo Nacional. Ou seja, corresponderia não a um impulso para a sua valorização mas, pelo contrário, a um elemento para a sua contenção.
2. «Pacto para as migrações». Nas suas linhas gerais, anunciadas por Von der Leyen, confirma-se a visão da Europa fortaleza, a cedência ao discurso xenófobo da extrema-direita, com o reforço das «fronteiras externas» e o acelerar dos procedimentos de expulsão de migrantes. Ao mesmo tempo, reforça-se o carácter seletivo da política migratória, visando atrair força de trabalho qualificada e barata, para responder às necessidades imediatas das principais potências europeias e do capital.
3. «Política externa». Num processo em desenvolvimento e não isento de contradições, no qual as eleições nos EUA jogarão papel relevante, a UE assume a intenção de elevar o grau de articulação e coordenação com os EUA no plano internacional, desde logo na intensificação de ingerências (ficou prometido um Acto Magnitsky europeu) e na reclamação da «reforma do sistema multilateral», que contrarie o declínio relativo dos dois polos imperialistas. Além da ONU, num plano mais geral, explicitam-se os casos da OMC e, numa posição que não deixa de assumir particular significado no contexto da posição recentemente assumida por Trump, da OMS.