- Nº 2442 (2020/09/17)

A digitalização da montagem e dos efeitos visuais

Argumentos

A montagem – termo clássico proveniente do cinema analógico – ou edição – termo oriundo do contexto eletrónico – das imagens em movimento cedo fez a transição para o digital. Esta iniciou-se nos anos 1980 e consolidou-se no início da década seguinte, com o contributo essencial do equipamento de edição Avid/1 Media Composer, criado em 1989 pela empresa Avid Technology, para o contexto do cinema industrial.

Embora este sistema não tenha sido o definidor dos seus princípios fundamentais – mérito atribuído ao seu antecessor EditDroid – o mesmo tornou possível realizá-la exclusivamente no computador, mediante software próprio, fator que contribuiu enormemente para a simplificação do processo e para a sua posterior adoção noutros contextos.

A grande vantagem apresentada pela edição digital, face à anterior feita a partir de meios analógicos, consistia em não ter de obedecer a uma lógica sequencial, daí ter passado a ser designada por edição «não-linear». Isto significava que, ao contrário do que ocorria antes, era possível aceder aos vários segmentos da gravação diretamente, sem ter de procurar a sua posição na sequência do registo através dos vários metros de película, e que os mesmos podiam ser manipulados, «cortados» e «colados» várias vezes, antes da decisão sobre o seu lugar no filme final. Esta modalidade, com uma lógica similar à ordenação de palavras e frases num processador de texto informático, tornou o trabalho do montador/editor mais flexível, rápido e simples, além de dispensar o domínio de algumas competências técnicas.

Muitos realizadores e editores viram enormes vantagens na montagem feita através de computador. Em meados dos anos 1990, a edição «não-linear» tornou-se a norma em Hollywood. No entanto, durante algum tempo, este processo manteve-se complexo.

Antes de a digitalização estar presente nas etapas anterior e posterior à montagem do filme, o cinema podia definir-se como, de acordo com a imagem proposta pelo editor Walter Murch, «uma sanduíche de digital entre duas fatias de pão analógico».

Isso significava que, após o filme estar registado em película, era necessário digitalizá-lo para permitir a sua edição «não-linear» e, finda essa tarefa, transferi-lo novamente para película, de forma a poder exibi-lo nas salas de cinema, que estavam equipadas apenas com sistemas de projeção analógica. A existência destas várias fases, além de tornar o processo algo moroso, tinha custos elevados. Foi com a banalização da captação de imagens em formato digital e a exibição digital, aspectos que se discutirão em próximos textos, que este processo pôde tornar-se mais simplificado e significativamente menos dispendioso.

Também no início da década de 90 do século XX, o processo de tratamento do filme efectuado na pós-produção (como, por exemplo, a correção de luz e de cor, antes elaborada por processos químicos em laboratório) passou a ser feito informaticamente. Por volta de 2004, estes procedimentos designados por digital intermediates tornaram-se prática comum em Hollywood. Agora era possível, não apenas retocar e transformar os elementos imagéticos, mas também construir imagens exclusivamente a partir de simulações informáticas. Os objetos ou personagens apresentados no filme deixaram de estar obrigados a uma existência material captada por uma câmara, podendo construir-se apenas a partir de linguagem binária organizada pelo computador. Esta forma de produção de efeitos visuais assumiu a denominação corrente de computer-generated imagery, vulgarmente mencionada mediante a sigla CGI.


Marta Pinho Alves