- Nº 2440 (2020/09/3)

O que esperar deste trio de presidências

Europa

A Alemanha exerce, neste segundo semestre de 2020, a Presidência do Conselho da União Europeia; Portugal seguir-se-á, no primeiro semestre de 2021, e, posteriormente, a Eslovénia, no segundo semestre. Os três países elaboraram conjuntamente um programa com as prioridades para os 18 meses. Cada Estado-Membro terá de aprovar o seu próprio programa, especificando as linhas estratégicas para o período da sua Presidência. Importa, pois, atentar nalgumas das prioridades já estabelecidas pelo trio, e especificamente nas que foram apontadas por Portugal.

A Presidência portuguesa dependerá em parte dos resultados obtidos pela Presidência alemã, como a aprovação do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e do Fundo de Recuperação, o estabelecimento da futura relação com o Reino Unido, a política de migrações ou a agenda climática. De qualquer forma, haverá assuntos nos quais a Presidência portuguesa quererá trabalhar e deixar marcas, aprofundando a integração em sectores que põem em causa a própria soberania nacional.

Uma das prioridades do Governo português é o reforço do chamado «modelo social europeu» com o aprofundamento do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Ora, sob a capa de um discurso «social», este instrumento contém um conjunto de objectivos que nivelam por baixo direitos laborais e sociais, e em vários aspectos legitimam novas formas de exploração. O que se impõe, mais ainda neste contexto de surto, é a valorização dos salários, o direito ao trabalho e o trabalho com direitos, a promoção de serviços públicos, gratuitos e de qualidade, e a universalidade das respostas sociais, nomeadamente de saúde e segurança social públicas.

Continuando no plano social, ainda que legítima a preocupação com as tendências demográficas, afigura-se-nos inquietante a abordagem da União Europeia a esta questão, designadamente perspectivando-se o Livro Verde do Envelhecimento, que pode camuflar uma estratégia para o «envelhecimento activo» que, na prática, representará o aumento da idade da reforma, plano há muito ambicionado por sucessivos governos em Portugal e pelas políticas da União Europeia.

Um outro objectivo é o fortalecimento do mercado interno com perspectivas para a área da saúde, usando-se como pretexto o surto de COVID-19. A «transformação digital da saúde» ou os «cuidados de saúde no mercado único digital» já por aí andavam a desbravar caminho e juntam-se-lhes agora uma «abordagem comum europeia para enfrentar crises sanitárias» ou a «estratégia farmacêutica europeia». Valorizamos o potencial que a digitalização pode até trazer na prestação de cuidados de saúde, mas não podemos aceitar que a promoção da saúde, a prevenção da doença e o tratamento e reabilitação dos doentes saiam da esfera pública e nacional. São e devem continuar a ser áreas da competência dos Estados sob pena de se tornarem ainda mais num negócio que serve alguns mas é doentio para muitos.

Para terminar, por agora, pois voltaremos ao tema, há ainda que referir a política de migrações que, em vez de respeitar o Direito Internacional e a Carta das Nações Unidas, investe em medidas de defesa, o que, diga-se, não é novo. E servirá igualmente a anunciada prossecução da estratégia da UE de complementaridade com a NATO.


Sandra Pereira