- Nº 2439 (2020/08/27)

Bielorrússia, o que está em causa

Opinião

Os promotores da tentativa de golpe de Estado na Bielorrússia não desistem do objectivo antipopular de mudança de regime. Apesar da cada vez maior evidência que a Maidan bielorrussa tem a asa quebrada, procuram ainda provocar um ponto de ebulição que abrisse portas ao cenário de derradeiroassalto, tão almejado em Varsóvia e Vilnius, praças avançadas de uma operação cujos fios condutores levam invariavelmente aos EUA.

O arsenal de acções subversivas é abundante e os vasos comunicantes com outras experiências desestabilizadoras levadas a cabo pelo imperialismo não passam despercebidos aos mais atentos. Por exemplo, as ameaças de terror contra membros das forças da ordem, jornalistas e funcionários públicos e governamentais inspiram-se no expoente máximo da metodologia que há menos de um ano depôs Evo Morales na Bolívia. O guião do golpe sangrento da Maidan em Kiev permanece omnipresente, mas a Bielorrússia não é a Ucrânia, onde as milícias neonazis marcham hoje nas ruas sob a auréola do poder.

O imperialismo nunca se conformou com a chegada ao poder de Lukachenko, um outsider eleito em 1994 com mais de 80 por cento dos votos e, grosso modo, nunca lhe reconheceu legitimidade. Percebe-se porquê. Uma das repúblicas fundadoras da URSS, a Bielorrússia foi palco do acto final de desmantelamento da pátria soviética, através do inconstitucional acordo de Belovej rubricado por Iéltsin e os responsáveis ucraniano e bielorrusso. Contudo, o curso de assalto à propriedade estatal e terapia de choque sob jurisdição do FMI e dos gurus do neoliberalismo, de calamitosas consequências sociais e políticas, foi revertido com a mudança de poder de 1994.

A bandeira erguida pelos colaboracionistas da ocupação nazi, reposta após o final da URSS e que hoje é empunhada nas manifestações da oposição, foi substituída em referendo pela actual verde-rubra (com um apoio de 75 por cento). Aquilo que se afigurava uma missão impossível tornou-se realidade na Bielorrússia. No período mais agreste da correlação de forças mundial, rodeada de um mar capitalista, o pequeno país conhecido como a «oficina de montagem» da URSS, logrou impedir a privatização e destruição dos principais sectores da economia, das cooperativas e explorações agrícolas às grandes empresas industriais. Nos sectores produtivos estratégicos a propriedade pública foi mantida. Modernizou, a pulso, as capacidades produtivas. Em consequência, o PIB per capita bielorrusso é superior ao da Rússia e o dobro do da Ucrânia. O nível de desigualdade social do país é inferior ao de qualquer um dos membros da UE (Bloomberg, 27.11.2019).

No plano geopolítico, os objectivos do imperialismo na crise bielorrussa, coincidente com manobras hostis da NATO, são ambiciosos: esvaziar a soberania e cortar as relações cruciais de Minsk com a Rússia e a China. Não é segredo que sectores poderosos da classe dominante russa sempre abominaram o modelo bielorrusso, mas o Kremlin sabe que os custos para a segurança nacional da imposição de uma real mudança de poder serão sempre muito elevados. Os desafios colocados à liderança e povo bielorrussos são enormes. O tempo não pára e na nova bifurcação da história, a defesa da soberania e da via do progresso social exigem o aprofundamento multifacetado da democracia e a organização e participação activa dos trabalhadores bielorrussos.


Luís Carapinha