O teletrabalho e os riscos que comporta para os direitos dos trabalhadores
DIREITOS O teletrabalho é uma prática que tem vindo a ser adoptada por várias empresas. Circunstâncias recentes de saúde pública assim o determinaram em certos casos, mas noutros foi o pretexto que serve que nem uma luva para o impor.
O capital está a usar o teletrabalho para fragilizar direitos dos trabalhadores
Não estando em causa o recurso às novas tecnologias – avanços que devem estar ao serviço do desenvolvimento e da melhoria das condições de trabalho e de vida -, já o aproveitamento que delas faz o capital para «criar ilusões e fragilizar os direitos dos trabalhadores» só pode merecer a mais severa condenação.
Isso mesmo sublinhou a deputada comunista Diana Ferreira, em recente debate parlamentar suscitado pelo PAN, que levou esta matéria a plenário sob a alegação de que importa proceder à regulamentação do teletrabalho, porque a lei em vigor «é insuficiente», para garantir «códigos de boas práticas».
De «boas práticas e boas intenções, está o inferno cheio», alertou contudo a parlamentar do PCP Ana Mesquita, não escondendo o receio da sua bancada por o teletrabalho poder vir a tornar-se numa «exploração à Chico Esperto».
E razões não faltam para essa preocupação. Na sua intervenção, Diana Ferreira deu a conhecer algumas delas, começando por fazer notar que é o capital o grande beneficiário do recurso alargado a este instrumento, na medida em que através dele consegue agravar a exploração por via da «intensificação do trabalho» e de uma «maior pressão para alargamento do período de trabalho e para a disponibilidade permanente».
À pergunta sobre quem sai a ganhar com tudo isto, respondeu ainda sem hesitação Diana Ferreira afirmando que são as entidades patronais, especialmente as grandes empresas, porquanto, pormenorizou, «reduzem custos e transferem para os trabalhadores custos de instalações, água, electricidade, comunicações», sem falar da pressão para que ferramentas e dispositivos pessoais de trabalho do trabalhador sejam usados ao serviço da empresa.
A insaciável gula do capital
Mas os objectivos do capital não se ficam por aqui. O que verdadeiramente pretende é «fazer caminho» no sentido de «acabar com componentes da remuneração dos trabalhadores (subsídio de refeição e outros prémios e subsídios)», «retirar direitos, impondo horários ainda mais desregulados, jornadas continuadas de trabalho, disponibilidade total para o trabalho a qualquer hora», advertiu a deputada do PCP.
Mais, acrescentou, o que está na mira de alguns sectores patronais é ainda «sacudir responsabilidades que são suas, incluindo em questões de segurança e saúde no trabalho e da protecção de acidentes de trabalho, estabelecendo a confusão entre o que é esfera privada ou de trabalho em condições de teletrabalho no domicílio».
«É a invasão da privacidade da vida dos trabalhadores. A confusão entre o espaço de trabalho, o espaço familiar, o espaço pessoal e privado. É o patrão dentro da casa do trabalhador», sublinhou Diana Ferreira, que lembrou ainda que com o teletrabalho acresce o «isolamento social dos trabalhadores», com isso impossibilitando a «partilha de experiências e conhecimentos que favorecem o seu desenvolvimento profissional e pessoal» e promovendo a «fragilização, se não uma ruptura, na construção de laços de sociabilização e de afirmação de espaços de solidariedade colectiva, com impactos negativos no esclarecimento, na unidade, na organização e na luta dos trabalhadores».
Ilusões que a realidade desmente
Não ignorando que já havia trabalhadores em situação de teletrabalho antes do contexto do surto epidemiológico, cujos direitos sempre defendeu e continuará a defender, o que o PCP diz – e nesse sentido vai o seu alerta, é que não está na generalização de tal prática a «solução milagrosa» para problemas que estão bem identificados.
Por exemplo, falando dos problemas de inclusão das pessoas com deficiência, a sua resolução está é na eliminação de todas as barreiras arquitectónicas e com «postos de trabalho devidamente adaptadas», afirmou Diana Ferreira, insistindo que as «pessoas não precisam de ficar fechadas em casa, sozinhas, longe de vivências colectivas.
E o mesmo se poderá dizer relativamente aos problemas dos cuidadores informais, que precisam é que as «entidades patronais reconheçam e cumpram o seu direito a acompanhar e a cuidar de outro».
«Não é o teletrabalho que resolverá um conjunto de problemas laborais sentidos todos os dias – exploração, precariedade, baixos salários, intensos ritmos de trabalho, pressões, desregulação de horários, longas jornadas de trabalho», sintetizou, por isso, a parlamentar comunista, convicta de que o mesmo se aplica aos problemas que persistem nos transportes públicos e que precisam é de um «reforço da oferta» e da sua qualidade, coadjuvados com o «desenvolvimento equilibrado do País, o planeamento e ordenamento do território, a fixação de actividades produtivas e da habitação como caminho necessário para reduzir deslocações, poupando tempo e recursos».