Mário Sacramento: semeador de amanhãs
EVOCAÇÃO Prosseguindo o programa de comemorações do centenário do nascimento de Mário Sacramentoi, a Organização Regional de Aveiro do PCP promoveu uma sessão comemorativa, no sábado, 4 de Julho, no Museu Marítimo de Ílhavo, onde esteve presente Jerónimo de Sousa.
Mário Sacramento aderiu ao Partido nos negros anos da ascensão do nazi-fascismo e nele militou toda a sua vida
Canções de Adriano Correia de Oliveira e poesia de Manuel da Fonseca interpretadas por Manuel Pires da Rocha (violino), Paulo Vaz de Carvalho (guitarra) e Pedro Marques (voz) deram início à homenagem. Momento alto e intenso inscrito n(ess)a Arte que, sem alienar, convoca à reflexão ao chamar problemas e contradições do Mundo e à qual Mário Sacramento não ficou indiferente.
Na mesa, dirigida por Mafalda Guerreiro (do Comité Central do PCP e responsável pela organização partidária no distrito de Aveiro), estiveram também Jorge Sarabando (publicista, pertenceu ao Secretariado do II Congresso de Aveiro), Valdemar Cruz (jornalista), Sérgio Dias Branco (investigador e professor universitário), Jorge Seabra (médico) e o Secretário-geral do PCP.
Mafalda Guerreiro saudou os participantes, agradeceu o bom acolhimento por parte do Museu Marítimo de Ílhavo e, em particular dos seus trabalhadores, e destacou «a família de Mário Sacramento, cuja presença muito nos honra, o representante da URAP, o coordenador da União dos Sindicatos de Aveiro, o presidente do Conselho Geral do Agrupamento de Escolas Mário Sacramento», adiantando que a evocação do centenário, iniciada em 2019, terá ainda «uma exposição sobre a sua vida e obra que será exposta ao público a partir de Setembro», valorizando o contributo e a intervenção «para a superação do fascismo em Portugal, inseridos na luta por uma vida digna para o nosso povo», junto de muitos outros comunistas, ativistas e democratas.
Intervenção qualificada
Iniciando as intervenções, Jorge Sarabando salientou que Mário Sacramento, «no seu labor teórico, perscrutava, ensaiava, confrontado com a práxis, que dizia ser o seu único critério de verdade, sem nunca abandonar a senda do rigor, da verdade científica, da inteireza moral e da firmeza ideológica. Não é possível interpretar o (seu) percurso cívico cingindo-o à expressão de uma consciência crítica, como não é possível compreender a sua dimensão humana omitindo a condição de militante comunista, que foi permanente desde a sua juventude até ao final da sua curta e intensa vida».
De seguida, Valdemar Cruz notou ser «sempre arriscado e complexo pretender não apenas interpretar como tentar adivinhar a atitude, o pensamento ou o posicionamento de alguém há muito ausente do nosso convívio». Mas, interrogando-se a si próprio sobre esta pandemia, não duvida que Mário Sacramento «ao ver como este vírus se abateu sobre nós diria: felizmente temos um SNS em Portugal», sem ignorar as «graves carências, consequência das políticas de sucessivos governos».
Na sua intervenção, Sérgio Dias Branco distinguiu em Mário Sacramento o «diálogo» que procurou «estabelecer com os católicos, e por extensão com a Igreja Católica», as «suas intervenções desembaraçadas e conhecedoras (que) nunca perderam de vista o essencial e foram marcadas por esta posição de fundo do Partido no qual militava». «Seguindo uma linha leninista, o PCP nunca excluiu das suas fileiras e colaborações quem fosse religioso, leigo ou ordenado», tendo Álvaro Cunhal apelado «desde 1943 a essa união, embora ela já existisse sem orientações».
De seguida, Jorge Seabra registou que a «democracia, contudo, para Mário Sacramento, intelectual marxista, não se resumia à conquista urgente e indispensável das liberdades políticas, só sendo plenamente realizada quando acompanhada pela democratização económica e posse popular das estruturas produtivas». «Sabemos, pois, o que pensaria da privatização e entrega a capitais estrangeiros, de sectores estratégicos do País (…), feitas sob a batuta de política reacionárias e neoliberais, domésticas e da União Europeia».
Militância intelectual
e militância política
A finalizar, interveio Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP, afirmando que «Mário Sacramento foi um dos resistentes que, com mais evidência, soube aliar a militância intelectual e a militância política e é bem o exemplo da repressão que o fascismo fez abater sobre os intelectuais portugueses progressistas». Muito cedo, lembrou o dirigente comunista, Mário Sacramento «tomou o partido da luta (…) era estudante universitário quando aderiu pela emancipação dos trabalhadores e pela libertação do nosso povo do jugo fascista».
O dirigente comunista realçou o momento em que Mário Sacramento aderiu ao PCP, numa das épocas «mais tenebrosas do século XX», quando o nazi-fascismo ameaçava toda a Europa: «É num quadro de feroz repressão, de grandes adversidades e perigos que Mário Sacramento toma parte na luta organizada no seio de um Partido a viver nas mais severas condições de clandestinidade, mas que se erguia com a sua reorganização dos anos 40/41 e que lhe vai permitir dar um importante impulso à luta do movimento operário e à dinamização e organização da resistência antifascista. Proscritos todos os partidos, era apenas o Partido Comunista que, como força organizada, levantava a bandeira da resistência.»
Para o PCP, valorizou o seu Secretário-geral, «é uma grande honra e motivo de legítimo orgulho que este homem de excepcional valor e exemplo de verticalidade, tenha militado nas suas fileiras, tomando parte na frente de combate enquanto viveu nas mais importantes batalhas contra o fascismo e na luta pela sociedade nova livre da exploração e da opressão com que sonhava e pela qual se batia com as armas da sua sólida formação científica e política e a sua penetrante inteligência».
Médico, escritor, antifascista
Mário Sacramento é uma das figuras incontornáveis do movimento neo-realista português e um destacado militante comunista e resistente antifascista, cujo nome fica indelevelmente ligado ao Movimento de Unidade Democrática Juvenil e aos congressos republicanos de Aveiro.
Natural de Ílhavo, onde nasceu em 1920, foi activista estudantil, o que lhe valeu a primeira prisão em 1938, quando tinha apenas 17 anos. Estudou Medicina em Coimbra e em Lisboa, onde se licenciou em 1946. Anos mais tarde obteve, em Paris, uma especialização em gastroenterologia. O interesse pela escrita surgiu-lhe muito cedo, dirigindo e colaborando em diversos jornais democráticos. Escreveu muito sobre Literatura, afirmando-se como figura de proa do neo-realismo.
Activo antifascista desde jovem, aderiu ao PCP e, quando estudava em Lisboa, foi membro da Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática Juvenil. A sua luta contra a ditadura valeu-lhe ser perseguido e preso em Caxias e no Aljube, num total de cinco prisões, apenas uma após «julgamento». Cultivava o seu profundo humanismo também no desempenho da sua profissão, sendo chamado de «médico dos pobres».
Foi secretário-geral e principal protagonista do primeiro Congresso Republicano, realizado em Aveiro em 1957 e envolveu-se intensamente na preparação do segundo, que acabou por ter lugar pouco depois do seu falecimento.
O seu profundo humanismo, patente ao longo de toda a vida nos mais variados aspectos da sua actividade profissional, cultural e política, ficou expressa na mensagem que deixou escrita para ser lida após a sua morte. Aí lembra as perseguições sofridas e o seu combate de sempre contra o fascismo, que considerava o «fim da pré-história do homem». «Fiz o que pude para me libertar, e aos outros, dele. É essa a única herança que deixo aos meus Filhos e aos meus Companheiros. Acabem a obra! Derrubem o fascismo, se nós não o pudermos fazer antes! Instaurem uma sociedade humana! Promovam o socialismo». À família, aos companheiros e camaradas deixa um último e sentido apelo: «Façam o mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá!»
Mário e Raúl: o mesmo combate
Militante comunista, médico, escritor, ensaísta, crítico literário neo-realista, dramaturgo, colaborador de vários periódicos, também ele deu sentido maior à luta antifascista, crendo e assumindo que «não veremos o que quisemos, mas quisemos o que vimos. E este querer é um imperativo histórico».
No tempo que lhe coube viver, a Mário Sacramento, o fascismo impôs-lhe «perseguições de toda a ordem – físicas, económicas, profissionais, intelectuais, morais»ii. Mas, ainda «que não as tivesse sofrido», desde cedo não recusou o «dever» de «combatê-lo». Preso quatro vezes, a primeira das quais aos 17 anos, pautou a sua curta vida (48 anos) com firmeza de convicções e confiança no futuro.
Sabendo que não podia ter a Bandeira Comunista, pediu: «ponham um paninho vermelho.» Tal como os paus levados para as ruas onde imaginamos a Bandeira da URSS na festa da Vitória sobre o nazi-fascismo, também, no «paninho» transbordando de «vermelho» imaginamos mãos e braços que o elevam alto. O Doutor Mário – atendendo os pobres – ou o camarada Raúl – pseudónimo pelo qual se deu a conhecer na longa noite fascista –, a par de tantos comunistas, não viveu a Revolução de Abril, mas lutou por ela confiando no derrube do fascismo e na promoção científica do socialismo, afirmando aos companheiros de jornada de todas as gerações que sempre «iremos, nisso, ao vosso lado!»iii.
Em Março de 1970, uma comissão de democratas aveirenses promoveu em sua memória um conjunto de realizações que incluíam a atribuição do seu nome a uma rua ou praça em Aveiro. Levada por um grupo de admiradores à Câmara Municipal foi de imediato indeferida. O fascismo sabia bem de quem se tratava. Tratava-se de um comunista com forte ligação às populações, à juventude, aos católicos e aos intelectuais.
Só depois de Abril de 1974, Mário Sacramento dá nome a avenidas e ruas em Ílhavo e Aveiro, Brandoa, Setúbal, bem como ao Agrupamento de Escolas e à Escola Secundária, ambos em Aveiro.
À porta do Museu
Ao telemóvel um amigo diz para quem está a ouvi-lo que está garantida a transmissão da sessão em directo via canais digitais do PCPiv. O Partido encontra, assim, neste tempo, forma de dar a conhecer as suas iniciativas – as realizadas a coberto dos edifícios e as realizadas ao sol ou à sombra. Pela insistência, advinha-se o desânimo de alguém que queria estar presente. Por estes dias a obrigatoriedade do lugar marcado e da inscrição prévia condiciona a participação de muitos interessados. Isso mesmo aconteceu nesta sessão de homenagem, porque apesar do Auditório ter 180 cadeiras, a maior parte delas tiveram de ficar interditadas.
A Saúde é um direito e sem ela nada feito!, afirmam as populações inúmeras vezes a governos que lhes fazem orelhas moucas; direito garantido na Constituição da República, a Saúde é prova maior de que lutando é que lá vamos. Do Norte ao Sul, das Ilhas à Emigração, inúmeras vezes foram feitas manifestações e greves para a defesa do SNS, dos hospitais e centros de saúde públicos, de mais e melhores equipamentos para as populações e melhores salários e mais meios para os trabalhadores da Saúde. Sim!, importa cumprir normas como a higienização das mãos e o uso de máscara e respeitar os circuitos estabelecidos de entrada e saída, mas não à custa de quererem o confinamento da luta!
iMário Emílio de Morais Sacramento, nasceu em Ílhavo, em 7 de Julho de 1920, e faleceu a 27 de Março de 1969.