A Carta das Nações Unidas faz 75 anos e os seus princípios são mais do que actuais

EFEMÉRIDE A Carta das Nações Unidas foi assinada a 26 de Junho de 1945, faz amanhã 75 anos. Hoje, perante uma situação internacional tensa e explosiva em consequência da agressividade do imperialismo, particularmente dos EUA, a necessidade da plena concretização dos seus princípios ganha novamente uma flagrante actualidade. E urgência.

 

«Nós, os povos das Nações Unidas, decididos:

A preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade;

A reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas;

A estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional;

A promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade;

E para tais fins:

A praticar a tolerância e a viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos;

A unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais;

A garantir, pela aceitação de princípios e a instituição de métodos, que a força armada não será usada, a não ser no interesse comum;

A empregar mecanismos internacionais para promover o progresso económico e social de todos os povos;

Resolvemos conjugar os nossos esforços para a consecução desses objectivos.»

Preâmbulo da Carta das Nações Unidas, assinada a 26 de Junho de 1945


A Carta das Nações Unidas, assinada inicialmente por 50 países na cidade norte-americana de São Francisco, é filha da Vitória sobre o nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial. Os princípios que consagra reflectem o prestígio e fulgor com que saíram do conflito as forças da democracia, do progresso social, da paz e do socialismo, graças ao papel determinante desempenhado na Vitória pela União Soviética e pelos movimentos de resistência popular, sobretudo na Europa e na Ásia e onde os comunistas tiveram um papel central.

O imperialismo, muito embora derrotado na sua expressão mais brutal, permanecia dominante, mas confrontava-se com um forte obstáculo às suas pretensões: a URSS e o campo socialista em formação, a impetuosa luta da classe operária, dos trabalhadores e dos povos, os poderosos movimentos de libertação nacional e da paz barravam-lhe o caminho, impunham-lhe significativas derrotas e arrancavam-lhe importantes concessões.

De facto, muitos dos mais avançados princípios constantes na Carta constituem reivindicações antigas dos comunistas e de outras forças progressistas e anticolonialistas, sempre negados pelo imperialismo em qualquer das suas versões, nazi-fascista ou «democrática»: a igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos; a igualdade soberana de todos os Estados; a resolução das controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo a que a paz e a segurança internacionais, bem como a justiça, não sejam ameaçadas; a não utilização nas relações internacionais do recurso à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo incompatível com os objectivos das Nações Unidas; a cooperação internacional para a resolução dos problemas internacionais de carácter económico, social, cultural ou humanitário, promovendo e estimulando o respeito pelos direitos e pelas liberdades fundamentais, sem qualquer discriminação.

Os mesmos que detinham impérios coloniais foram forçados a aceitar a consagração da igualdade de direitos e a autodeterminação dos povos. Contrariando a segregação racial, da discriminação das mulheres e dos milhões privados de direitos fundamentais que prevalecia (e prevalece) nas principais potências imperialistas, as liberdades fundamentais sem distinções ficaram inscritas. Em contraposição à exploração e do desemprego nos países capitalistas, foi consagrado o progresso social e melhores condições de vida. Chocando abertamente com a prática imperialista, marcada pela agressão, o bloqueio e a chantagem, foi expresso objectivo de manter a paz e a segurança.

Atropelos e sabotagens

Se as potências imperialistas vencedoras da guerra, como os EUA e o Reino Unido, foram forçadas a incluir na Carta das Nações Unidas princípios e valores que negavam aos seus próprios povos e que violavam nas suas relações internacionais, tentaram também subvertê-los desde o primeiro dia: logo em Agosto, os EUA inauguram a Era Nuclear, arrasando as cidades japonesas de Hiroxima e Nagasáqui e, em 1946, põem fim à aliança vencedora da Segunda Guerra Mundial e dão início à Guerra Fria – contra o «comunismo», diziam, mas na verdade contra qualquer expressão libertadora dos trabalhadores e dos povos.

As intervenções imperialistas na Grécia, na China, na Indochina e na Coreia, acompanhadas de brutais crimes contra as populações, violavam abertamente os princípios e valores inscritos na Carta. O mesmo se poderá dizer das não menos cruéis guerras movidas pelas potências coloniais contra os povos que lutavam pela libertação nacional. A Índia, a Argélia ou as antigas colónias portuguesas de Angola, Guiné-Bissau, e Moçambique testemunham-no.

A criação, em 1949, da Organização do Tratado do Atlântico Norte/ NATO, (re)instituiu a lógica de blocos militares prevalecente antes das duas guerras mundiais, sabotando a criação do sistema de segurança colectivo há muito defendido pela União Soviética e consagrado na Carta das Nações Unidas. A NATO foi, e continua hoje a ser, o braço armado do imperialismo na sua ofensiva contra os direitos e a soberania dos povos e dos Estados e um instrumento para condicionar as opções políticas dos seus próprios membros. Comprovam-no, por exemplo, o apoio ao golpe dos coronéis na Grécia, o fomento do terrorismo em Itália (a célebre Operação Gládio) e as manobras navais intimidatórias na costa portuguesa em pleno avanço da Revolução de Abril.

A corrida aos armamentos e o desenvolvimento de armas cada vez mais sofisticadas e mortíferas foi outra marca do imperialismo no pós-guerra, à revelia do espírito e da letra da Carta das Nações Unidas e do direito internacional dela decorrente. Também a este respeito, os tratados e acordos alcançados no pós-guerra, visando o desanuviamento e o desarmamento, constituíram sempre concessões arrancadas ao imperialismo e não dádivas deste à Humanidade.

Uma questão essencial

A correlação de forças existente a cada momento entre o imperialismo e as forças do progresso e da paz é, também no que respeita ao grau de (in)cumprimento dos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, a questão essencial. Não sendo de todo indiferente a existência de um direito internacional que está essencialmente do lado da paz e da soberania, ele só será efectivamente concretizado se a tal o imperialismo for obrigado: a História já o mostrou e a actualidade encarrega-se de nos recordar esse facto todos os dias.

À entrada da última década do século XX, o desaparecimento da União Soviética e do campo socialista europeu, com dramáticas consequências planetárias, desequilibrou dramaticamente as forças para o lado do imperialismo: a prometida paz universal, que se sucederia ao fim da Guerra Fria, deu lugar à lei do mais forte nas relações internacionais, a um mundo unipolar dominado pelos EUA, à sucessão de guerras de agressão (Jugoslávia, Iraque, Afeganistão, Somália, Líbia, Síria, Iémen...), a impressionantes regressões civilizacionais e a níveis inéditos de desigualdade. Sem freios, é assim o imperialismo.

Apesar deste imenso salto atrás, a resistência e a luta não cessaram, ao mesmo tempo que se agudizavam a crise do capitalismo e as suas contradições: o domínio hegemónico do imperialismo norte-americano abria brechas à medida que vários países procuram rumos de desenvolvimento fora do quadro dominante e reforçam a articulação entre si, visando precisamente a construção de um mundo multipolar, de Estados soberanos e com iguais direitos, como previsto na Carta das Nações Unidas.

Como negar, hoje, a pertinência da tese do PCP, reafirmada em sucessivos congressos, de que a actual situação internacional comporta grandes perigos de retrocesso social e civilizacional e, simultaneamente, reais possibilidades de avanço progressista e revolucionário?

Perigos e potencialidades

Resgatar os princípios inscritos na Carta das Nações Unidas é uma questão urgente do nosso tempo. Enredado numa profunda crise, o imperialismo responde como sabe: com o aumento da exploração e com a guerra, tentando manter e alargar o seu predomínio económico (e político, ideológico e militar) e limitar o desenvolvimento de outros países.

Do Iraque ao Afeganistão, da Síria ao Iémen, da Palestina ao Paquistão, das fronteiras europeias da Rússia à Península da Coreia, dos mares da China ao Ártico, do Norte de África à América Latina, verifica-se uma constante tensão militar – quando não conflitos abertos – e uma crescente militarização. O denominador comum é a presença militar norte-americana e dos seus aliados da NATO, da União Europeia, de Israel, Arábia Saudita, Japão ou Colômbia...

Por mais que as grandes cadeias da comunicação o procurem ocultar, o imperialismo norte-americano é o principal responsável pela impressionante corrida aos armamentos, pela proliferação de bases militares, frotas navais e sistemas de mísseis nos quatro cantos do mundo, pela militarização das relações internacionais, do Cosmos e do ciberespaço, pela desestabilização e destruição de países e regiões inteiras, por sanções e bloqueios ilegais e desumanos contra países e povos, pelo abandono de importantes tratados internacionais de controlo armamentista.

Mas se é violenta e multifacetada a ofensiva imperialista, visando a soberania de todos e cada um dos países e os mais elementares direitos laborais e sociais, é poderosa e tenaz a resistência dos trabalhadores e dos povos: da Palestina insubmissa a Cuba socialista, da Venezuela bolivariana à Síria laica e progressista, das imensas manifestações nos EUA contra o racismo e pela democracia à luta em Portugal e noutros países europeus contra a exploração e as desigualdades, por alternativas antimonopolistas e anti-imperialistas.

Hoje como há 75 anos, a questão decisiva permanece: alargar a luta dos trabalhadores e dos povos (organizada, unitária, com objectivos concretos), ampliar a frente anti-imperialista e reforçar o movimento comunista e revolucionário internacional, de modo a diminuir a margem de manobra do imperialismo e abrir campo à paz, à soberania, ao progresso social, à cooperação, concretizando importantes princípios inscritos na Carta das Nações Unidas .

Este não será, como nunca foi, um caminho fácil: é, porém, aquele que abrirá caminho à emancipação social e nacional.

 

  • Os gastos militares dos EUA representam mais de 35% do total mundial

  • Existem cerca de 1000 bases e instalações militares dos EUA e da NATO em 145 países

  • Os EUA retiraram-se unilateralmente do Tratado sobre Mísseis Anti-Balísticos, do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio e do Tratado sobre o Regime de Céu Aberto

  • O processo de adesão dos Estados ao Tratado de Proibição de Armas Nucleares, negociado no âmbito da ONU em 2017, está a ser marcado por chantagens e pressões

  • As sanções e bloqueios norte-americanos contra Cuba, Venezuela, Nicarágua, Irão, Síria, RPD da Coreia, Rússia e China foram mantidas ou agravadas durante a pandemia

  • Israel e EUA desrespeitam sucessivas resoluções das Nações Unidas relativas aos direitos do povo palestiniano