O ambiente é uma questão política e terá de ser política a solução

PROGRESSO O PCP assinalou na passada sexta-feira, dia 5, o Dia Mundial do Ambiente, com duas iniciativas: uma visita de Jerónimo de Sousa ao Parque Urbano da Várzea, em Setúbal, e a audição pública «A política patriótica e de esquerda e a defesa do equilíbrio ambiental».

«O capitalismo não é, nem será verde».

A manhã começou cedo para a comitiva do PCP, que chegou pelas 9h30 a Setúbal. Jerónimo de Sousa, que foi acompanhado pelos membros da Comissão Política Margarida Botelho, José Capucho e Vladimiro Vale, e por dirigentes regionais do Partido, encontrou-se com Maria das Dores Meira, presidente da Câmara Municipal de Setúbal e outros representantes da autarquia. O objectivo foi visitar o Parque Urbano da Várzea, cuja construção se iniciou em 2018 e está ainda em curso.

As sucessivas cheias eram um problema sério enfrentado pela população de Setúbal. Durante anos, tanto habitações, como estabelecimentos comerciais acabavam o Inverno danificados pelos desastres naturais anuais que atingiam a cidade. A autarquia CDU propôs-se a resolver este problema com a construção do Parque Urbano da Várzea, cujo objectivo, para além do usufruto da área verde por parte da população, será também a retenção de águas e a salvaguarda das zonas da cidade normalmente afectadas pelas cheias, através da construção de uma bacia de retenção pluvial.

A primeira fase da construção do parque, que previa a instalação das bacias, está já concluída. A segunda fase, a construção do parque propriamente dito, está ainda em curso.

Contributos e lacunas

Jerónimo de Sousa afirmou que o PCP decidiu assinalar o Dia Mundial do Ambiente através da demonstração do trabalho concreto e do empenho do PCP e da CDU. «Esta obra CDU, quando estiver completa, oferecerá estas grandes garantias e grandes condições à população da cidade». «[O parque] É uma demonstração do papel das autarquias na defesa do ambiente, que não pode substituir, naturalmente, as responsabilidades do Governo», avisou o Secretário-geral, acrescentando que «não tem havido uma verdadeira política do ambiente que vá de encontro às questões de fundo», como a da redução dos combustíveis fósseis, dos transportes públicos ou da «possibilidade de darmos uma resposta positiva em relação às medidas de defesa do ambiente».

Antes de terminar a declaração que prestou, no local, aos que acompanharam a visita e à comunicação social, o dirigente comunista adiantou ainda uma componente mais vasta desta importante matéria: «Não há melhor defesa do ambiente do que a paz, do que a luta contra a guerra e o militarismo, que geralmente são devastadores do ambiente». Ao terminar, ainda referiu aquele que, desde há algum tempo, é um (particularmente profundo e significativo) lema do PCP: «o capitalismo não é, nem será verde».

Quando todas as fases de construção estiverem terminadas, o Parque Urbano da Várzea contará com 19 hectares, 700 árvores e entre 30 a 35 mil arbustos. No resultado final também estarão presentes zonas de lazer, dois parques infantis, hortas pedagógicas, uma quinta com animais, um jardim das geminações (dedicado à plantação de espécies autóctones de cidades com as quais Setúbal é geminada), dois quiosques, espaços para desportos radicais, um laranjal, três miradouros e lagos artificiais com jogos de água.

Da mercantilização da Natureza
à política ambiental necessária

Ao final da tarde desse mesmo dia, o PCP promoveu uma audição pública através das suas plataformas digitais, sob o lema «A política patriótica e de esquerda e a defesa do equilíbrio ambiental». A sessão iniciou-se com uma declaração de Vladimiro Vale, da Comissão Política, que também apresentou e moderou o debate. A discussão centrou-se nos reais problemas que o meio ambiente enfrenta, na manipulação ideológica e aproveitamento do assunto por parte do grande capital, nas parcas soluções apresentadas pelo Governo e nas propostas e soluções avançadas pelo Partido.

«Os problemas ambientais, criados pelo modo de produção capitalista, são reais e graves», começou por afirmar Vladimiro Vale. «Face à maior disputa económica, política e geoestratégica entre potências e à finitude de recursos, o capital tudo faz para aproveitar estes problemas para aprofundar os mecanismos de exploração e de acumulação de riqueza», acrescentou.

Criticando a governação PS e a sua opção em perpetuar os problemas e mecanismos estruturais que permitem a acumulação da riqueza, mascaradas de «preocupações ambientalistas», Vladimiro Vale mencionou as licenças de emissão de CO2, «aposta» do Governo que «passa por cima da evidência de que estes mecanismos já demonstraram que não resolvem o problema, tiveram efeitos contrários aos anunciados no plano da UE e apenas criam mecanismos especulativos desenhados para acumular dinheiro».

Se as Obrigações Verdes (Green Bonds) são exemplares da clara intenção de financeirização do ambiente, a aplicação negativa do poluidor-pagador significa «que quem tem dinheiro pode “deitar fora”». O dirigente comunista acusa ainda o Governo de nada fazer relativamente à mercantilização da gestão dos resíduos e sua importação e de não ter revertido a privatização da EGF.

Muita conversa e pouca acção

As dificuldades colocadas pela acção (ou inércia) do Governo não se ficam por aqui, explicou Valdimiro Vale, e o combate necessário à obsolescência programada, assumido pelo PCP, é disto exemplo. São frequentes as declarações sobre o assunto – todas ilibando o modo de produção capitalista pela destruição ambiental –, mas parcas as medidas efectivas e eficazes.

A gestão dos recursos hídricos e a propriedade da água são outras duas graves problemáticas. Em relação à primeira, anos de políticas de direita retiraram trabalhadores, meios e competências às estruturas públicas na gestão das albufeiras. «A má gestão ou gestão concentrada na obtenção de lucro nas barragens de produção energética» agravaram também os problemas de poluição e de perda de qualidade de água. Em relação à garantia da propriedade pública de água muito falta também ser feito, como combater a entrega da captação e distribuição de águas e saneamento de águas residuais a empresas privadas e valorizar o papel das autarquias nesta área.

A intenção de avançar com os projectos de cogestão das áreas protegidas, o silêncio acerca da recuperação do controlo público sobre a prospecção e exploração de recursos geológicos e minerais, os incentivos económicos ao sequestro do carbono e a análise em falta das previsíveis consequências em termos de soberania energética com o fecho das centrais a carvão foram as outras das críticas esmiuçadas por Vladimiro Vale.

«Numa perspectiva patriótica e de esquerda é fundamental responder às necessidades de harmonização do ser humano com a Natureza», afirmou o dirigente comunista, apontando questões centrais: o combate à mercantilização do ambiente e da água; o reforçodos meios do Estado para desenvolver uma verdadeira política de defesa do ambiente; a dominuição da dependência dos combustíveis fósseis, com a promoção de alternativas energéticas de domínio público; a promoção do transporte público. A defesa da produção local, contrariando a liberalização do comércio mundial, e a luta pela paz (ou não fosse indústria do armamento uma das mais poluentes), são outras prioridades ambientais assumidas pelo PCP.

Luta pelo equilíbrio ambiental

Aberta a discussão, o primeiro a usar da palavra foi Pedro Ventura, consultor para as questões do património e do meio ambiente, que abordou a questão dos solos, de como se podia e devia combater a sua contaminação e as soluções que poderiam ser tomadas para prevenir este grave problema.

A oradora seguinte foi Luísa Tovar, engenheira nas áreas da gestão e planeamento de recursos hídricos e activista pela água pública, que abordou questões como a gestão de água em períodos de carência e a luta pela água pública. Sara Lemos, engenheira do ambiente com trabalho na avaliação de impactos ambientais, interveio de seguida para sublinhar o tema dos resíduos e o combate à mercantilização do sector.

António Morais, técnico aposentado do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, aprofundou as temáticas das áreas protegidas, da conservação da Natureza, da sua sustentabilidade e da sua relação com o ser humano. A bióloga Ana Valente, por seu lado, referiu-se a diversas questões relacionadas com a Natureza, sobretudo do ponto de vista da sua mercantilização.

A última a intervir foi a deputada Alma Rivera, que mencionou algumas das propostas apresentadas pelo PCP na Assembleia da República e como a sua intervenção contribuiu para a resolução de muitos dos problemas hoje enfrentados pelas populações. O passe intermodal é um dos maiores exemplos desse contributo.


«Portugal precisa, com urgência, de um regime jurídico que responda aos desafios e ameaças crescentes ao solo. Os solos contaminados no nosso País são um perigo silencioso que apresentam ameaças aos recursos hídricos».

Pedro Ventura

 

«A gestão do aproveitamento, de uma perspectiva mercantilista e empresarial, levou já à ocupação de 53 por cento do regadio disponível por monocultivo intensivo, que acarreta malefícios sociais, ambientais, degradação dos solos que não existiam anteriormente».

Luísa Tovar

 

«Em 2018, já tínhamos em Portugal cerca de cinco milhões de toneladas de resíduos urbanos anuais. Para esta situação têm contribuído os grandes grupos económicos e muitos interesses instalados que conduzem ao consumo de materiais que ninguém quer consumir, mas que não têm grandes alternativas como a questão das embalagens».

Sara Lemos

 

«Há a necessidade de criar um quadro normativo de regras, mas essas regras têm de ser socialmente justas e do ponto de vista científico, suportáveis. E têm de envolver o ser-humano e as populações para que se adquira um sentido real ao conceito de sustentabilidade».

António Morais

 

«A responsabilização das pessoas por estes problemas leva à existência de muitos movimentos inorgânicos que tanto no ambiente, como noutras esferas da vida têm, muitas das vezes, objectivos que acabam por se desviar do que deveria ser o seu objectivo principal».

Ana Valente

 

«Quem são os poluidores de facto? Estamos a falar de 100 empresas que têm a responsabilidade que têm no mundo (mais de 70 por cento de emissão de gases com efeitos de estufa). E afinal toda a gente no mundo, menos essas empresas é que são os culpados. Afinal de quem é a responsabilidade? É dos que dominam o sistema ou é de cada um de nós individualmente?»

Alma Rivera