Na semana em que se completam 150 anos sobre o nascimento de Lénine, a reunião do Conselho Europeu, a confirmarem-se as expectativas, voltará a deixar claro que a União Europeia existe para nos causar apertos, não para nos livrar de apertos.
Há 105 anos, escrevia Lénine, a propósito de uma palavra de ordem então em voga, que «os Estados Unidos da Europa, sob o capitalismo, ou são impossíveis, ou são reaccionários». Uma tese confirmada na prática por duas guerras mundiais e mais de seis décadas de integração capitalista europeia.
Para Lénine, «os Estados Unidos da Europa, no capitalismo, equivalem ao acordo sobre a partilha das colónias».
Desde a sua fundação, a UE pressupõe um acordo tácito de partilha – de mercados (intra e extra-UE) e de áreas de influência à escala global – entre as suas principais potências. Uma partilha crescentemente desigual, é certo, tamanha a hegemonia alemã, mas também disso se faz o desenvolvimento do capitalismo. Tal acarreta rivalidades e contradições crescentes, que coexistem com o espírito e a prática de concertação, ainda dominantes.
Advertia Lénine que «no capitalismo é impossível outra base, outro princípio de partilha que não seja a força. (...) Preconizar a “justa” partilha do rendimento nesta base é proudhonismo, estupidez de pequeno burguês e filisteu. Não se pode partilhar de outra maneira que não seja «segundo a força». E a força muda no curso do desenvolvimento económico».
Hoje, as condições de partilha desenhadas pela Alemanha, por via da força que lhe confere uma moeda única feita à sua medida, beneficiando-a, como a alguns dos seus «satélites», são impostas a contragosto de outras potências, como a França, que agora reclamam renovados mecanismos e regras de partilha, sejam os Eurobonds, seja o chamado novo Plano Marshall. A evocação não é inocente. A lógica associada a este último foi precisamente a da concentração de vultuosos recursos financeiros nas principais potências capitalistas europeias. Isto numa altura em que reconstituir rapidamente o seu poderio era essencial para consolidar o capitalismo na Europa ocidental e esconjurar o perigo do socialismo.
Voltando a Lénine, «naturalmente, são possíveis acordos temporários entre os capitalistas e entre as potências. Neste sentido são possíveis também os Estados Unidos da Europa, como acordo dos capitalistas europeus... sobre quê? Unicamente sobre como esmagar conjuntamente o socialismo na Europa, defender conjuntamente as colónias roubadas (...)».
Os impasses, confrontos e contradições a que assistimos na UE são a inevitável manifestação da sua natureza capitalista e dos objectivos, em parte conflituantes, das potências que lhe determinam o rumo. Tais impasses e contradições poderão ser dirimidos e ultrapassados, na base de acordos, mais ou menos frágeis, mais ou menos temporários, entre essas potências. Sobre quê? Sobre como manter a sua posição de domínio. Desde logo, o domínio do «centro» sobre uma «periferia» dependente, endividada, espoliada de múltiplas formas, limitada nas suas possibilidades de crescimento e desenvolvimento, numa relação de contornos coloniais.