50 anos da CNSPP: resistência e luta pelos presos políticos portugueses

RESISTÊNCIA A sessão cultural comemorativa do 50.º aniversário da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos (CNSPP) teve lugar no dia 15, no Auditório Camões, em Lisboa. O evento homenageou o património e o papel daquela organização na resistência ao fascismo e na construção do 25 de Abril.

«Um povo que não preserva a sua memória, é um povo sem futuro»

O início da sessão cultural evocativa da CNSPP destacou-se pela afluência dos espectadores à programação reservada para aquela tarde. Por volta das 15 horas, e com a plateia completamente cheia, as luzes do Auditório Camões desligaram-se para dar lugar à projecção de imagens, acompanhadas peloHino de Caxias. Pouco a pouco, as vozes dos presentes – e do presente – juntaram-se para entoar os versos do famoso refrão, nascido nos calabouços do fascismo: «Vá camarada, mais um passo/ que já uma estrela se levanta/ cada fio de vontade são dois braços/ e cada braço uma alavanca.»

As luzes acenderam-se depois, momentaneamente, para que Levy Baptista, um dos antigos membros da CNSPP, pudesse tomar a palavra para a intervenção de abertura da sessão evocativa: «Devemos relembrar aqueles que ainda temos connosco e aqueles que já partiram», afirmou. «Aqueles que ao longo de quase meio século pagaram com a sua própria liberdade a insubmissão à ditadura fascista, e que a Revolução de Abril ajudaram a construir. Esses companheiros, são os nossos verdadeiros heróis», concluiu o destacado resistente antifascista.

A intensidade das luzes reduziu-se de vez para as actuações que se seguiriam. Os membros do Coro Juvenil da Universidade de Lisboa, dirigidos pela maestrina Erica Madillo, foram os primeiros a pisar o palco e a presentear o público com a Balada de Outono de José Afonso, uma interpretação do poema La luna asoma de Federico García Lorca, o clássico coral Fuga Geográfica de Ernst Toch e a canção heróica de José Gomes Ferreira e Fernando Lopes Graça, Acordai!.

Arte é liberdade

Em seguida foi exibido em filme o discurso de Manuel João da Palma Carlos na abertura do memorável concerto do Coro da Academia de Amadores de Música, dirigido por Fernando Lopes-Graça –promovido pela CNSPP exactamente um mês após o 25 de Abril: «O que não podemos esquecer são os nossos mortos, os nossos torturados, os nossos perseguidos, porque o nosso esquecimento seria cobardia e não perdão. E isso só iria alimentar as forças e as esperanças da reacção, contra a qual devemos estar incansavelmente alerta», realçou o advogado que defendeu vários presos políticos.

A actriz Marina Albuquerque foi quem se apresentou ao público de seguida, com a declamação do poemaManhã, de Luís Veiga de Leitão, excertos do Cartas da Prisão de José Magro e a Cantata da Paz, de Sophia Mello Breyner. Lucinda Moreira trouxe, de igual forma, poemas: Segredo, de Luís Veiga de Leitão, e Por traz daquela janela, de José Afonso.

Maria Anadon e Filipa Pais interpretaram Que amor não me engana e Bairro Negro, também de José Afonso, e ainda a canção italianaBella Ciao. Samuel actuou com Epígrafe para a arte de furtar, de José Afonso, e Do que um homem é capaz, de José Mário Branco.

A cantora Carla Correia, filha de mãe cabo-verdiana, trouxe ao público a visão dos muitos presos políticos africanos encerrados no campo de concentração do Tarrafal e nas muitas outras prisões políticas no continente. Com duas mornas de Cabo Verde, uma delas Areia di Salamansa, de Abílio Duarte.

Um combate actual

Depois da visualização de um vídeo que mostrou a libertação de presos de várias prisões políticas, Eulália Miranda, filha de Dinis Miranda – primeiro preso político a ver-se livre de Peniche na madrugada de 27 de Abril de 1974 –, proferiuuma curta intervenção. «Uma saudação muito calorosa a todos aqueles que, com coragem, lutaram pelas suas convicções políticas, pela liberdade e democracia, sofrendo a violência da prisão e das torturas», afirmou ao iniciar. «O regime fascista causou muito sofrimento ao portugueses, muitas crianças cresceram a ver os familiares presos, anos e anos», continuou. «Assume uma actualidade especial divulgar o que significaram os 48 anos da ditadura fascista. Um povo que não preserva a sua memória, é um povo sem futuro.»

O grupo Música com Paredes de Vidro encerrou a programação da tarde com oito canções distintas, entre as quais, a famosa El pueblo unido jamás será vencido, que acompanhou a gesta da Unidade Popular chilena e a resistência ao fascismo nesse país.


Uma história que tem de ser lembrada

No dia 31 de Dezembro de 1969, aproveitando o artigo 199.º do Código Civil que previa a criação de comissões para qualquer tipo de socorro ou beneficência, surgiu a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos (CNSPP). Formavam-na dezenas de personalidades de áreas sociais, profissionais e geográficas diversas.

Três semanas depois era lançado o primeiro comunicado da CNSSP, responsabilizando o governo e alertando a opinião pública para a gravidade da permanente violação de liberdades e direitos fundamentais dos prisioneiros políticos. A denúncia, por parte do CNSPP, do regime repressivo da ditadura, em Portugal e nas Colónias, com base em informação factual, objectiva e indesmentível, expressou-se em 23 circulares informativas publicadas entre 1970 e 1974. Terminou com o fim do regime fascista e a libertação dos presos políticos.

A actividade humanitária da CNSPP foi reconhecida pela Assembleia da República em 2010, com a atribuição do Prémio dos Direitos Humanos a dois dos seus membros, Frei Bento Domingues e Levy Batista, ambos presentes na evocação.