Acordo UE-Reino Unido: ao serviço de que interesses?
Formalizada a decisão de saída do Reino Unido da União Europeia (UE), está a correr, até ao final deste ano, o chamado período de transição onde, apesar de já não ser um Estado-membro, o Reino Unido continuará a estar sujeito à legislação da UE e ao mercado único, enquanto as partes negoceiam a forma de relação futura.
Esta semana, a maioria no Parlamento Europeu (PE) aprovou uma resolução que define a posição quanto ao que deve ser o enquadramento dessa relação futura, o formato e objectivos. A posição do PE desenvolve-se ao longo de vinte páginas para construir um autêntico casulo que, apesar da saída, amarre o Reino Unido à arquitectura do projecto de integração capitalista europeu. Enforma-se essa construção na base de um Acordo de Livre Comércio «ambicioso», valorizando a concorrência (por oposição a cooperação), promovendo a (ainda maior) liberalização de serviços que vá para lá das regras da Organização Mundial do Comércio.
Uma relação na base de ditos padrões legislativos e de direitos da UE, que não só pecam por baixos como no chamado processo do «futuro da UE» se pretende sejam reduzidos. Uma relação moldada ao Mercado Único, o mesmo que beneficiou as grandes potências europeias e as suas multinacionais, facilitando processos de privatização e concentração nos mais variados sectores (de que é exemplo a energia), ao mesmo tempo que destruiu capacidade produtiva nos países periféricos, facilitou a precarização das relações laborais, alimentou as desigualdades e assimetrias.
Uma relação que procura manter o Reino Unido no regime regulatório e de supervisão da economia da UE. Uma relação que rejeita quaisquer possibilidades de ajudas estatais, limitando o papel do Estado na intervenção na economia e por essa via condicionado projectos soberanos de desenvolvimento e respostas às necessidades das populações e do país. Uma relação, que em matéria ambiental assenta na mercantilização dos recursos naturais, de que é exemplo a defesa do mercado de carbono e de emissões de gases com efeito de estufa. Uma relação que replica a visão securitária e militarista da UE, que se afirma como pilar europeu da NATO e pretende criar capacidade estratégica para intervir em qualquer cenário, condicionando as relações externas à expressão da sua força e poderio bélico.
A tudo isto, acresce a condição derradeira, um autêntico ultimato aos Estados-Membros: não poderão encetar negociações bilaterais com o Reino Unido. Trata-se de uma condição inaceitável, que visa impedir países como Portugal de procurarem relações que lhes sejam mais benéficas e de acordo com as suas necessidades. Uma visão que prossegue a lógica de ingerência e chantagem, mas que também não se dissocia da natureza das forças envolvidas de um e outro lado do canal da mancha. No final, certo é que o processo em curso não visa servir os interesses dos trabalhadores e do povo britânico, como não servirá os interesses dos trabalhadores e do povo português e do país, ou da comunidade portuguesa que reside no Reino Unido. Um enquadramento inaceitável que obteve o distanciamento, repúdio e denúncia dos deputados do PCP no Parlamento Europeu desde a fase inicial de construção desta resolução, e que mereceu, por isso, um voto contra.