Acordo UE-Reino Unido: ao serviço de que interesses?

João Pimenta Lopes

For­ma­li­zada a de­cisão de saída do Reino Unido da União Eu­ro­peia (UE), está a correr, até ao final deste ano, o cha­mado pe­ríodo de tran­sição onde, apesar de já não ser um Es­tado-membro, o Reino Unido con­ti­nuará a estar su­jeito à le­gis­lação da UE e ao mer­cado único, en­quanto as partes ne­go­ceiam a forma de re­lação fu­tura.

Esta se­mana, a mai­oria no Par­la­mento Eu­ropeu (PE) aprovou uma re­so­lução que de­fine a po­sição quanto ao que deve ser o en­qua­dra­mento dessa re­lação fu­tura, o for­mato e ob­jec­tivos. A po­sição do PE de­sen­volve-se ao longo de vinte pá­ginas para cons­truir um au­tên­tico ca­sulo que, apesar da saída, amarre o Reino Unido à ar­qui­tec­tura do pro­jecto de in­te­gração ca­pi­ta­lista eu­ropeu. En­forma-se essa cons­trução na base de um Acordo de Livre Co­mércio «am­bi­cioso», va­lo­ri­zando a con­cor­rência (por opo­sição a co­o­pe­ração), pro­mo­vendo a (ainda maior) li­be­ra­li­zação de ser­viços que vá para lá das re­gras da Or­ga­ni­zação Mun­dial do Co­mércio.

Uma re­lação na base de ditos pa­drões le­gis­la­tivos e de di­reitos da UE, que não só pecam por baixos como no cha­mado pro­cesso do «fu­turo da UE» se pre­tende sejam re­du­zidos. Uma re­lação mol­dada ao Mer­cado Único, o mesmo que be­ne­fi­ciou as grandes po­tên­cias eu­ro­peias e as suas mul­ti­na­ci­o­nais, fa­ci­li­tando pro­cessos de pri­va­ti­zação e con­cen­tração nos mais va­ri­ados sec­tores (de que é exemplo a energia), ao mesmo tempo que des­truiu ca­pa­ci­dade pro­du­tiva nos países pe­ri­fé­ricos, fa­ci­litou a pre­ca­ri­zação das re­la­ções la­bo­rais, ali­mentou as de­si­gual­dades e as­si­me­trias.

Uma re­lação que pro­cura manter o Reino Unido no re­gime re­gu­la­tório e de su­per­visão da eco­nomia da UE. Uma re­lação que re­jeita quais­quer pos­si­bi­li­dades de ajudas es­ta­tais, li­mi­tando o papel do Es­tado na in­ter­venção na eco­nomia e por essa via con­di­ci­o­nado pro­jectos so­be­ranos de de­sen­vol­vi­mento e res­postas às ne­ces­si­dades das po­pu­la­ções e do país. Uma re­lação, que em ma­téria am­bi­ental as­senta na mer­can­ti­li­zação dos re­cursos na­tu­rais, de que é exemplo a de­fesa do mer­cado de car­bono e de emis­sões de gases com efeito de es­tufa. Uma re­lação que re­plica a visão se­cu­ri­tária e mi­li­ta­rista da UE, que se afirma como pilar eu­ropeu da NATO e pre­tende criar ca­pa­ci­dade es­tra­té­gica para in­tervir em qual­quer ce­nário, con­di­ci­o­nando as re­la­ções ex­ternas à ex­pressão da sua força e po­derio bé­lico.

A tudo isto, acresce a con­dição der­ra­deira, um au­tên­tico ul­ti­mato aos Es­tados-Mem­bros: não po­derão en­cetar ne­go­ci­a­ções bi­la­te­rais com o Reino Unido. Trata-se de uma con­dição ina­cei­tável, que visa im­pedir países como Por­tugal de pro­cu­rarem re­la­ções que lhes sejam mais be­né­ficas e de acordo com as suas ne­ces­si­dades. Uma visão que pros­segue a ló­gica de in­ge­rência e chan­tagem, mas que também não se dis­socia da na­tu­reza das forças en­vol­vidas de um e outro lado do canal da mancha. No final, certo é que o pro­cesso em curso não visa servir os in­te­resses dos tra­ba­lha­dores e do povo bri­tâ­nico, como não ser­virá os in­te­resses dos tra­ba­lha­dores e do povo por­tu­guês e do país, ou da co­mu­ni­dade por­tu­guesa que re­side no Reino Unido. Um en­qua­dra­mento ina­cei­tável que ob­teve o dis­tan­ci­a­mento, re­púdio e de­núncia dos de­pu­tados do PCP no Par­la­mento Eu­ropeu desde a fase ini­cial de cons­trução desta re­so­lução, e que me­receu, por isso, um voto contra.




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