A segunda autoproclamação de um fantoche do imperialismo

INGERÊNCIA Isolado no seu país e abandonado por antigos aliados, que o acusam de corrupção, Juan Guaidó continua a ser o peão em que o imperialismo aposta para travar e subverter o processode afirmação soberana e de orientação progressista que se desenvolve na República Bolivariana da Venezuela. Um ano depois da absurda «autoproclamação», foi montado um circo mediático em torno da sua não eleição para a presidência da Assembleia Nacional (AN). É a sequela de um mau filme.

O primeiro acto falhou, mas Guaidó é protagonista de novo ataque à Venezuela

Até ao início do ano passado, pouca gente (dentro e fora da Venezuela) conhecia Juan Guaidó. A sua notoriedade veio-lhe da autoproclamação como presidente interino da República Bolivariana da Venezuela, a 23 de Janeiro. A sua ascensão, porém, não se deve a nada mais do que a ter sido escolhido pelo imperialismonorte-americano como peão de (mais) uma tentativa de golpe visando afastar do poder as forças bolivarianas que dirigem os destinos do país desde 1999.

A dependência de Guaidó face à administração norte-americana era (e é) mais do que evidente. A 25 de Janeiro de 2019, o próprio Wall Street Journal revelou a existência de um plano secreto dos EUA para afastar o presidente eleito Nicolás Maduro, tendo precisamente como figura de primeiro plano Guaidó, que só avançou para a autoproclamação após o «sinal» do vice-presidente norte-americano Mike Pence. Já em meados de Dezembro 2018 – foi a Associated Press quem o deu a conhecer – Guaidó mantivera reuniões secretas com representantes dos governos dos EUA, Colômbia e Brasil.

O que aconteceu a seguir é sobejamente conhecido. Ao imediato reconhecimento, pelos EUA, de Juan Guaidó como presidente da Venezuela seguiu-se semelhante opção por parte dos seus comparsas: na América Latina, na NATO, na União Europeia. Portugal não foi excepção. Paralelamente, intensificava-se o cerco à República Bolivariana da Venezuela: implementação de sanções; bloqueio económico, comercial e financeiro, com (ilegal) carácter extra-territorial; roubo de activos e empresas em bancos internacionais.

Em consequência, a exportação de petróleo caiu abruptamente e as importações de medicamentos e alimentos sofreram quebras drásticas; o pagamento de procedimentos médicos no estrangeiro foi impedido pelos EUA. As perdas elevaram-se a muitos milhares de milhões de dólares. Também no Chile, em 1973, antes do golpe militar fascista de Pinochet os EUA fizeram a economia «gritar de dor». Mas uma vez mais falharam. A Venezuela bolivariana resiste!

Ofensiva e resistência

Depois de provocações e escaramuças na fronteira com a Colômbia, em Fevereiro, de tentativas pífias de assaltos a quartéis, de acusações de corrupção e da revelação de ligações a grupos paramilitares colombianos ligados ao narcotráfico, o peão Guaidó foi perdendo gás até quase desaparecer. Ressurgiu no início deste ano, protagonizando mais uma encenação digna de um filme de péssima qualidade (cujos momentos fundamentais destacamos nestas páginas) em torno da sua não reeleição para a presidência da Assembleia Nacional, para a qual foi eleito Luis Parra, do partido Primeiro Justiça, que também se opõe ao processo bolivariano.

Na última semana, já depois de uma vez mais se ter autoproclamado «presidente», Juan Guaidó andou pela Europa, comparecendo no Fórum Económico Mundial de Davos e reunindo com responsáveis da União Europeia e de alguns dos seus Estados-membro. Esteve ainda na Colômbia, onde também se encontrava o Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo. Simultaneamente, realizavam-se exercícios militares conjuntos entre os EUA e a Colômbia, com a participação das forças militares brasileiras com estatuto de observadoras.

Entretanto, já no dia 9 o ministro dos Negócios Estrangeiros da Venezuela, Jorge Arreaza, denunciou a previsível interferência norte-americana nas eleições parlamentares que se realizam este ano na Venezuela. O responsável bolivariano mostrou mesmo a nota diplomática que os EUA fizeram circular a nível internacional solicitando apoio a outros países para essa ingerência.

A desestabilização da República Bolivariana da Venezuela continua a ser um objectivo do imperialismo e uma nova escalada poderá estar para breve.


Cenas de um filme de má qualidade e já visto

O processo que desembocou na segunda autoproclamação de Juan Guaidó como «presidente» da Venezuela decorreu entre 5 e 7 de Janeiro. Certo de que não seria reeleito para o cargo de presidente da Assembleia Nacional, Guaidó montou uma encenação em torno de um suposto «golpe», tese difundida de imediato pelas grandes cadeias mediáticas ao serviço do imperialismo.

O que nenhuma delas destacou foi o «pequeno pormenor» que constitui o facto de a Assembleia Nacional ser maioritariamente constituída por deputados opositores às forças bolivarianas e que foram estes que não quiseram reeleger Guaidó. Mas passemos ao filme…

Domingo, 5 de Janeiro

8h00

Como é habitual nas sessões de instalação da assembleia, convocada para eleger a Junta Directiva para 2020, é montado a pedido da junta cessante (da oposição) um dispositivo especial de segurança reforçado. Pouco depois os deputados começam a entrar no edifício.

10h20

Uma caravana automóvel com alguns deputados da oposição, entre os quais Guaidó e Ramos Allup, dirige-se para a assembleia. Um pouco mais tarde, no interior, vários deputados da oposição às forças bolivarianas anunciam a sua proposta para a Junta Directiva, sem integrar Guaidó e diferente da desejada por este.

11h00-12h00

Dos 167 deputados estão já presentes 151: todos os eleitos das forças revolucionárias e progressistas e quase todos os eleitos da oposição, incluindo apoiantes de Guaidó. O quórum de 76 (metade mais um) há muito que está assegurado. Dos membros da Junta cessante, a quem cabe dirigir a sessão, falta apenas um elemento, Juan Guaidó.

12h32

Guaidó, que se encontrava nas imediações da assembleia, chega ao posto de segurança da assembleia e é-lhe permitida a entrada. No entanto, insiste que deve entrar com outras pessoas que o acompanhavam, entre os quais os deputados inabilitados desde 2015 pelo Supremo Tribunal, e cuja presença nunca antes exigira.

13h34 -14h00

Vários deputados exigem o início da sessão, atrasada quase três horas por ausência do presidente em exercício. Apoiantes de Guaidó tentam impedir a instalação da mesa provisória e há confrontos físicos entre deputados oposicionistas e sabotagem do sistema de áudio. Finalmente, constitui-se uma mesa para dirigir a sessão, presidida pelo deputado mais velho, como determina o regulamento.

14h00

É proposta uma nova composição da Junta Directiva, presidida por Luís Parra (Primeiro Justiça) e constituída inteiramente por deputados da oposição. Não é apresentada mais nenhuma lista e a nova Junta é eleita por 81 votos. Após a tomada de posse, termina a sessão.

Depois das 14h00

Ao saber que a nova Junta foi eleita, Juan Guaidó tenta entrar no edifício, já após o encerramento da sessão, tentando saltar a grade. Fá-lo perante a comunicação social e as imagens percorrem o mundo dando a falsa imagem de que o haviam impedido de entrar.

14h45

Juan Guaidó anuncia que vai, na qualidade de presidente da Assembleia Nacional, realizar uma sessão na sede de um jornal privado. Entretanto, Luis Parra, o recém-eleito presidente da Assembleia Nacional, reafirma em conferência a sua oposição ao governo chefiado por Nicolas Maduro e defende a autonomia da assembleia – que, reafirma, «não é de Juan Guaidó, mas do povo venezuelano».

15h30

Na sede do jornal El Nacional, num cenário previamente preparado, Juan Guaidó e um grupo de apoiantes simulam uma sessão da assembleia que o ratifica como presidente e assume não reconhecer a Junta Directiva eleita na Assembleia Nacional.

15h45

O vice-presidente dos EUA Mike Pence felicita Guaidó pela sua «reeleição», tal como fizera a 23 de Janeiro do ano anterior aquando da sua «autoproclamação». Acompanham-no alguns países do «Grupo de Lima».

18h15

Tem início a operação mediática internacional visando impor a tese de «golpe» contra Juan Guaidó.

Segunda-feira, 6 de Janeiro

11h00

O novo presidente da Assembleia Nacional, Luís Parra, em declarações à comunicação social, convoca a primeira sessão parlamentar do ano para dia 7, às 10h00.

13h20

Perante representantes da comunicação social, nos escritórios de uma empresa privada, Juan Guaidó apela aos deputados que o apoiam para que apareçam na sessão do dia seguinte e imponham a sua «eleição» como presidente.

Terça-feira, 7 de Janeiro

10h00-11h00

Inicia-se a primeira sessão da Assembleia Nacional presidida por Luís Parra, com a presença de 86 deputados, que decorre com normalidade. É discutida e aprovada a criação de uma comissão para promover a reinstitucionalização da AN, chefiada pelo próprio Luís Parra. Com a aprovação deste ponto, a sessão termina e os deputados começam a retirar-se.

11h00

Juan Guaidó e um grupo de parlamentares que o apoiam chegam à AN e começam a entrar no edifício. Perante mais uma tentativa de forçar a entrada a pessoas não autorizadas, insulta e ameaça os agentes de segurança e chega a agredir um deles. A cena é captada por vários órgãos de comunicação social, mas as grandes agências insistem na versão do impedimento.

Depois das 11h00

Deputados apoiantes de Guaidó, com este na liderança, entram agressivamente na Assembleia e tentam agredir o seu presidente. Minutos depois, forçam a entrada no hemiciclo, que se encontra vazio. É aqui que se autoproclama presidente interino da Venezuela, acompanhado por pouco mais de 30 deputados, longe dos 100 que garante que o apoiam.

14h40

O Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, faz uma declaração expressando o apoio a Juan Guaidó como presidente da Venezuela. É de imediato secundado por outros governos. A mesma farsa de 2019, agora com forma de tragicomédia.