O capitalismo

Gustavo Carneiro

1. O capitalismo veio ao mundo «a escorrer sangue e imundície por todos os poros», afirmou Karl Marx n’ O Capital, obra magna na qual desvenda a origem, natureza e funcionamento do sistema económico ainda hoje dominante. Longe do carácter idílico com que o tentavam – e tentam – pintar, o capitalismo afirmou-se através da expropriação violenta de camponeses e pequenos artífices, do prolongamento até ao limite da jornada de trabalho, do desumano trabalho feminino e infantil, da pilhagem de escravização das populações das colónias. Antes, em 1845, já Engels publicara A Situação da Classe Operária Inglesa, revelando um quadro de miséria, doença e promiscuidade generalizadas. Os homens libertados da servidão tinham então toda a liberdade para se vender aos industriais.

2. Entre 1914 e 1918 milhões de pessoas, na maioria operários e camponeses, morreram nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial para servir os interesses coloniais dos «seus» capitalistas. Com o fim do conflito terminou também a solidariedade nacional, antes apregoada pela burguesia: na generalidade dos países, os poderosos movimentos populares que reclamavam direitos e dignidade foram afogados em sangue, na ponta das baionetas e sob as botas cardadas do fascismo.

3. A crise de 1929 afectou todo o mundo capitalista: milhões de desempregados famintos vagueiam pelas ruas dos Estados Unidos e da Europa ao mesmo tempo que os excedentes produtivos eram destruídos para equilibrar os mercados. No epicentro da crise alastravam as hoovervilles, autênticas cidades de barracas, tendas e habitações precárias onde sobreviviam muitos dos que perderam a sua própria habitação.

4. No vasto Império Britânico, o trabalho escravo, os massacres de populações e os campos de concentração eram realidades diárias. Durante a década de 1920, como deputado ou ministro das Colónias, Winston Churchill defendeu a supremacia branca sobre os povos atrasados e o esmagamento pela força de todos quantos rejeitassem ou combatessem o domínio britânico. As revoltas curdas, por exemplo, foram reprimidas com recurso a gás venenoso.

5. Actualmente, os 26 maiores multimilionários possuem tanta riqueza como a metade mais pobre da população mundial, correspondente a 3,8 mil milhões de seres humanos. Um por cento da fortuna estimada do dono da Amazon, Jeff Bezos, que encabeça a lista dos mais ricos, representa todo o orçamento etíope para a Saúde.

Estes são cinco de muitos exemplos que revelam a natureza do capitalismo, que importa ter presentes quando, na violenta luta que travamos no plano ideológico, nos procuram convencer da sua intrínseca bondade e justiça e o querem apresentar como estádio último do desenvolvimento social.




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