Horários de inferno na distribuição

LUTA Na entrada principal do Centro Vasco da Gama, em Lisboa, foram expostas as duras condições laborais impostas na grande distribuição comercial, com foco especial nos horários de trabalho.

Os grandes grupos exploram os trabalhadores até à medula

A iniciativa do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP/CGTP-IN) decorreu no final da manhã de quinta-feira, dia 12.

Dirigentes sindicais e outros trabalhadores começaram por alinhar-se ao longo da rua, para ambos os lados da entrada de um dos emblemáticos estabelecimentos do Grupo Sonae. Ao centro, uma grande faixa clamava por «horários dignos». Os demais motivos deste protesto foram dados a conhecer em outras faixas, bandeiras, cartazes, palavras de ordem e num folheto distribuído aos transeuntes (e lido várias vezes com amplificação sonora).

Para uma «tribuna pública», que se prolongou por quase uma hora, foi depois criado um «anfiteatro», com duas filas de faixas a permitirem o acesso ao centro comercial. De viva voz, foram relatados exemplos de tenacidade individual e intervenção sindical na resistência, com sucesso, às pressões patronais que procuram negar direitos conquistados com a luta e reconhecidos na lei e no contrato colectivo.

A propósito do período festivo que se está a iniciar e que propicia públicas exaltações em torno dos temas da solidariedade e da família, inclusive por parte das empresas deste sector, na maior parte das intervenções foi abordada a forma como esses valores são contrariados todos os dias, com as condições de trabalho impostas nos supermercados, hipermercados e redes de lojas especializadas.

Desenvolvendo o lema «Por horários dignos, pelo direito a trabalhar e ter vida pessoal e familiar!», foi dada grande atenção à negação de horário flexível para acompanhamento de filhos menores, o que é ainda mais grave num sector onde «grandes empresas, com lucros de milhões de euros, exploram os trabalhadores até à medula, com horários de trabalho longuíssimos, todos os dias do ano», como disse Isabel Camarinha, presidente da Direcção Nacional do CESP.

«Os trabalhadores também têm família, o ano todo, não só no Natal», protestou Célia Portela, da União dos Sindicatos de Lisboa, assinalando que as mães vivem diariamente «a angústia dos horários dos infantários, dos horários dos transportes e dos horários do trabalho».

Pouco antes, logo no início da «tribuna», a situação fora assim caracterizada:

«Em lojas DIA (Minipreço), quando é pedido horário flexível, respondem afirmativamente, evitando a intervenção da CITE [Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego], mas depois atribuem um horário exactamente ao contrário do requerido, como forma de pressão para desistirem desse direito. Regra geral, o Grupo Sonae e o LIDL arrogam-se o direito de não atribuírem horário flexível, mesmo perante casos em que um casal trabalha no mesmo regime de turnos. No Grupo Inditex (lojas Zara, Massimo Dutti, Stradivarius) é sempre recusada a atribuição de horário flexível, sugerindo a redução da carga horária, com consequente redução do salário.»

Com «a violência dos horários de trabalho», a recusa de horário flexível para acompanhamento dos filhos menores coloca mães e pais perante a escolha entre manterem o posto de trabalho ou serem acusados de abandono das crianças, como se referia no folheto e foi explicado na tribuna – onde se anunciou a presença de uma delegação do PCP, em expressão de solidariedade com os objectivos da iniciativa.

 

Propostas do Governo
suscitam alerta da
CGTP-IN

«Aqui trabalha-se muito e ganha-se pouco, aqui há muitos lucros e uma injusta distribuição da riqueza, aqui há exploração, há desigualdades», protestou o Secretário-geral da CGTP-IN. Arménio Carlos, intervindo no final da «tribuna» junto ao Centro Vasco da Gama, defendeu que «os interesses económicos das empresas não podem continuar a esmagar direitos fundamentais dos trabalhadores e das trabalhadoras: o direito a um salário digno; o direito a um horário regulado, que assegure a conciliação com a vida pessoal e familiar; o direito a acompanhar os filhos; o direito, ao fim e ao cabo, a trabalharem e a serem felizes».

«Hoje a lei protege melhor as crianças», mas o facto é que, para essa protecção ser efectiva, «é necessário assegurar que as empresas respeitam os pedidos de horário flexível das mães trabalhadoras e dos pais trabalhadores». Arménio Carlos sublinhou que «não se pode aceitar que as empresas que falam em responsabilidade social sejam as mesmas que impedem que pais e mães usufruam de um direito que é legal».

Apresentada pelo Governo uma proposta para um acordo sobre a conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar, «estamos disponíveis para discutir, mas não estamos disponíveis para fazer da discussão um pretexto para porem em causa direitos fundamentais das mães e pais trabalhadores e das crianças».

Sem responder às «questões estruturais» (segurança no emprego, melhores salários, regulação dos horários), o Governo sugere «criar condições para que as creches funcionem 24 horas por dia ou, até, abrir creches dentro dos interfaces de transportes».

Para a CGTP-IN, «propostas destas desumanizam a relação de trabalho e desumanizam a relação da sociedade com as próprias crianças».

O Governo vem dizer que as mães trabalhadoras até podem trabalhar em part-time, quatro horas em vez de oito, ao que Arménio Carlos interrogou: «quem pagava as outras quatro horas» e «quem pode viver com 300 ou 400 euros por mês».

SOS para a CITE

Ao ser solicitada a pronunciar-se, como é sua competência, sobre casos de desrespeito da lei, a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), na «esmagadora maioria» dos pareceres, «dá razão aos trabalhadores». «Mas não podemos ficar descansados», avisou o dirigente da Intersindical Nacional, porque «há uma perspectiva de redução do número de técnicos especializados da CITE para tratar destas situações». A confederação exige «que o Governo não esvazie a CITE e, pelo contrário, lhe dê condições para, em tempo oportuno, continuar a corresponder às solicitações dos sindicatos e dos trabalhadores».

 

Há resposta

Interrogando «como é possível discutir a articulação entre a vida profissional e familiar, sem discutir a redução do horário de trabalho e sem impor a “tolerância zero” a estas práticas de violação de direitos?», o sindicato reafirmou a urgência de serem satisfeitas as reivindicações que tem apresentado e que têm mobilizado os trabalhadores para a luta:

– combater a desregulação dos horários de trabalho,
– revogar «bancos» de horas, adaptabilidades e horários concentrados,
– garantir 35 horas semanais para todos os trabalhadores, sem perda de remuneração,
– reforçar os direitos dos trabalhadores por turnos,
– garantir o respeito total pelos direitos de maternidade e paternidade.

Isabel Camarinha criticou severamente a posição da associação patronal (APED) nas negociações do contrato colectivo de trabalho (CCT). «Pagam salários baixíssimos, ao nível do salário mínimo nacional», e «ainda querem integrar no CCT um “banco” de horas individual, que foi retirado do Código do Trabalho, e querem reduzir o valor do trabalho extraordinário». «Nós não aceitamos e vamos continuar a luta», «vamos exigir 90 euros de aumento para todos em 2020, porque é uma necessidade para a dignificação dos trabalhadores, para o País e a economia, para valorizar o nosso trabalho de todos os dias», assegurou a dirigente.

 

Na primeira pessoa

• «Trabalho por turnos, com adaptabilidades e «banco» de horas, sem fins-de-semana, com horas extra, com horários de trabalho que são alterados quase diariamente sem consentimento. Não, não trabalho num hospital, nem num lar, nem nas forças de segurança. Trabalho num supermercado. Há necessidade?» – Ana Paula, trabalhadora do Pingo Doce

• «Os pedidos de horário flexível por parte de mães ou pais para apoio a filhos menores são soberbamente rejeitados pela maioria dos empregadores.» – Lucília, trabalhadora numa IPSS do distrito de Braga

• «Até disseram que, quando entrei para a empresa, não era mãe e, agora, não podia prejudicar os meus colegas.» – Míriam, trabalhadora do Pingo Doce

• «Independentemente de as empresas levantarem grandes obstáculos, temos conseguido grandes vitórias, com o trabalho do sindicato e a força dos trabalhadores.» – Glória, trabalhadora do Auchan em Castelo Branco

• «A ACT mostra-se benevolente para com os fortes, os grandes grupos económicos, em detrimento dos trabalhadores e dos seus direitos.» – Elsa, trabalhadora do E'Leclerc em Viana do Castelo

• «Eles alegam que não têm pessoas para darem este horário e eu respondo que a culpa não é nossa, podem contratar mais funcionários.» – Mafalda, trabalhadora da Zara (Grupo Inditex)

• «A empresa não aceitou muito bem o pedido de horário flexível. Com a ajuda do CESP, foi aceite e tem estado a ser cumprido.» – Carla, trabalhadora do Minipreço (DIA) na zona de Coimbra

• «Somos mulheres, somos mães e temos orgulho nisso. Vamos continuar na luta.» – Célia, trabalhadora do El Corte Inglés

 

O direito está na lei

O direito a horário flexível de trabalhadores com responsabilidades familiares é regulado pelo artigo 56.º do Código do Trabalho, que diz, no seu primeiro ponto:

«O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos».

 



Mais artigos de: Em Foco

Cinco dias de luta por uma Escola de Abril

PROTESTO Sob o lema «Até quando?», os estudantes do Ensino Básico e Secundário de todo o País realizaram, de 9 a 13 de Dezembro, uma grande jornada de luta em defesa das suas escolas e por uma Escola Pública, gratuita, democrática e de qualidade para todos.