Mais e Melhores transportes públicos. Uma necessidade a que urge responder

Gonçalo Tomé

MO­BI­LI­DADE Ocu­pamo-nos aqui de um sector es­tra­té­gico e es­tru­tu­rante para o País e da res­posta ne­ces­sária que o mesmo exige para as­se­gurar mais e me­lhores trans­portes pú­blicos, para avançar no plano am­bi­ental, eco­nó­mico e na ga­rantia do di­reito à mo­bi­li­dade. Uma luta de ontem e de hoje.

Os passes mais ba­ratos e abran­gentes foram uma luta de duas dé­cadas do PCP


Dos avanços al­can­çados nos úl­timos anos – Alar­ga­mento com re­dução ta­ri­fária

O alar­ga­mento do passe so­cial in­ter­modal a todas as car­reiras, de todos ope­ra­dores, de toda a Área Me­tro­po­li­tana de Lisboa (AML), e a sig­ni­fi­ca­tiva re­dução dos preços nos trans­portes pú­blicos que im­pul­si­onou, foi um ob­jec­tivo pelo qual o PCP se bateu du­rante mais de duas dé­cadas, foi um avanço com um sig­ni­fi­cado ine­gável na vida das po­pu­la­ções, no seu di­reito à mo­bi­li­dade, com preços mais ba­ratos e aces­sí­veis, tra­du­zindo-se num alar­ga­mento da mo­bi­li­dade e numa re­cu­pe­ração mensal de ren­di­mentos muito im­por­tante, em par­ti­cular para mi­lhares e mi­lhares de tra­ba­lha­dores. A apli­cação de si­milar me­dida para a re­gião me­tro­po­li­tana do Porto, con­cre­ti­zada no An­dante, e a cri­ação do PART (Pro­grama de Apoio à Re­dução Ta­ri­fária) para o todo na­ci­onal, con­tri­buiu ainda mais para o sig­ni­fi­cado deste im­por­tante avanço.

Foi luta de dé­cadas feita re­a­li­dade. Vi­tória cons­truída pela in­ter­venção e luta do PCP, e pela in­subs­ti­tuível acção dos utentes e dos tra­ba­lha­dores.

Em par­ti­cular nas áreas me­tro­po­li­tanas de Lisboa e Porto, esta me­dida as­sume um al­cance e uma di­mensão his­tó­ricos, com ga­nhos con­cretos para o País em termos es­tru­tu­rais, am­bi­en­tais, eco­nó­micos, na gestão dos seus re­cursos, in­cluindo re­cursos fi­nan­ceiros – na pro­moção do trans­porte pú­blico e di­mi­nuição do uso do trans­porte in­di­vi­dual, di­mi­nuindo as emis­sões de gases po­lu­entes, o con­ges­ti­o­na­mento ur­bano, a de­pen­dência ener­gé­tica –, tor­nando evi­dente a opor­tu­ni­dade e os be­ne­fí­cios que po­de­riam ter re­sul­tado para o País caso esta me­dida ti­vesse avan­çado logo em 1997, quando o PCP a propôs.

O au­mento da atrac­ti­bi­li­dade ao sis­tema é sig­ni­fi­ca­tivo, tor­nada evi­dente desde o pri­meiro mo­mento pelo seu im­pacto no pu­bli­ci­tado au­mento dos tí­tulos ven­didos, quer do Na­ve­gante na re­gião de Lisboa (768 mil passes em Ou­tubro de 2019, mais 25% que no ano an­te­rior), quer no An­dante na re­gião do Porto (199 mil passes em Ou­tubro de 2019, também cerca de 25% mais que o ano an­te­rior), as­se­gu­rando mais mo­bi­li­dade por me­nores custos a mi­lhares de ci­da­dãos. São cen­tenas de mi­lhares de novos utentes re­gu­lares que o sis­tema de trans­portes pú­blicos passou a in­te­grar. To­davia, os avanços têm sido mais tí­midos nou­tras re­giões, quer por in­su­fi­ci­ência do pró­prio PART, quer por di­fi­cul­dades ob­jec­tivas (e há muito de­nun­ci­adas pelo PCP) cri­adas pelo «mo­delo» das Co­mu­ni­dades In­ter­Mu­ni­ci­pais (CIM).

O PCP tem vindo a in­tervir e a lutar para criar con­di­ções con­cretas para au­mentar a verba do Or­ça­mento de Es­tado des­ti­nada à re­dução ta­ri­fária, de modo a as­se­gurar que o alar­ga­mento da in­ter­mo­da­li­dade e a re­dução dos preços nos trans­portes se possa tornar re­a­li­dade por todo o País, apon­tando aos 30 e 40 euros como preços má­ximos para os passes men­sais in­ter­mo­dais dentro de, res­pec­ti­va­mente, cada con­celho e cada CIM. E de modo a su­perar o facto das li­ga­ções pen­du­lares inter-re­gi­o­nais es­tarem afas­tadas do PART, com con­sequên­cias par­ti­cu­lar­mente sen­tidas e graves nas li­ga­ções às Áreas Me­tro­po­li­tanas de CIM vi­zi­nhas.

Pa­ra­le­la­mente, o PCP tem in­sis­tido na ne­ces­si­dade do Or­ça­mento do Es­tado para 2020 anu­a­lizar a verba re­la­tiva ao PART, e que seja as­se­gu­rado o fu­turo desta me­dida através da con­sig­nação aos trans­portes pú­blicos de uma parte dos im­postos já hoje ar­re­ca­dados, aca­bando com o risco deste im­por­tante avanço deixar de ter fi­nan­ci­a­mento or­ça­mental e o seu fu­turo de­pender do lan­ça­mento de novos im­postos sobre as po­pu­la­ções. Uma pro­posta do PCP já re­a­pre­sen­tada nesta le­gis­la­tura através do PJL 9/​XIV.

Das in­su­fi­ci­ên­cias do sis­tema e da oferta de trans­porte pú­blico

Cen­tenas e cen­tenas de utentes juntam-se na pla­ta­forma da es­tação de Agualva-Cacém aguar­dando im­pa­ci­en­te­mente o com­boio que não passou e que tarda em passar. A cada mi­nuto que passa são cada vez mais utentes e me­nores as pos­si­bi­li­dades de todos en­trarem no com­boio que, em prin­cípio, pas­sará. Bem que po­deria ser esta a forma de ini­ciar o re­lato e a des­crição da aven­tura diária dos utentes da linha de Sintra de­pois de verem su­pri­midos mais de 100 com­boios num mês. No en­tanto, o pro­blema da oferta na margem norte da AML alastra-se à Linha de Cas­cais da Azam­buja. Faltam os barcos e os mes­tres na So­flusa e na Trans­tejo. Faltam com­boios no Metro de Lisboa. Faltam tra­ba­lha­dores na EMEF para re­parar a frota da CP pa­rada por falta de ma­nu­tenção. As in­su­fi­ci­ên­cias são ge­rais e gri­tantes.

O Go­verno não pode con­ti­nuar a ig­norar os su­ces­sivos alertas do PCP, dos tra­ba­lha­dores e das suas or­ga­ni­za­ções. O go­verno não pode con­ti­nuar a fingir que re­solve pro­blemas mul­ti­pli­cando-se em anún­cios, pro­messas, con­cursos e pro­gramas, en­quanto tudo se agrava por falta das mais ele­men­tares me­didas con­cretas.

Não é o au­mento de utentes que está a de­gradar a oferta de trans­portes. É a falta de tra­ba­lha­dores e de ma­te­rial cir­cu­lante, é a de­gra­dação da in­fra­es­tru­tura e o adi­a­mento su­ces­sivo de in­ves­ti­mentos es­tra­té­gicos. É, numa pers­pec­tiva mais ampla, a sub­missão do go­verno à di­ta­dura do dé­fice e às ori­en­ta­ções li­be­ra­li­zantes da UE.

Agora, são ne­ces­sá­rias me­didas ur­gentes, que res­pondam no curto prazo ao au­mento da pro­cura ele­vando a oferta. Mas é igual­mente ne­ces­sário tomar de uma vez as me­didas es­tra­té­gicas que per­mitam re­solver pro­blemas es­tru­tu­rais agra­vados nos úl­timos anos.

No quadro das me­didas ur­gentes, para a fer­rovia, por exemplo, o Go­verno pre­cisa de con­cre­tizar o que anun­ciou em Junho deste ano: con­tratar os tra­ba­lha­dores em falta na EMEF, re­parar e pôr a cir­cular o ma­te­rial cir­cu­lante en­cos­tado. Aliás, a con­tra­tação dos tra­ba­lha­dores em falta é a me­dida que mais efeitos po­si­tivos ime­di­atos terá em todos os modos de trans­porte.

As res­tantes me­didas, sendo fun­da­men­tais e es­tra­té­gicas, tar­darão al­guns anos a pro­duzir efeitos. Mas é ur­gente co­meçar a con­tagem de­cres­cente. Se não ti­vesse sido can­ce­lado o con­curso de Cas­cais em 2010, agora a linha já es­taria mo­der­ni­zada e com com­boios novos. Se o país não compra um com­boio desde 2003, desde o en­cer­ra­mento da So­re­fame, qual o es­panto pela de­gra­dação da ca­pa­ci­dade de res­posta fer­ro­viária?

Assim, é pre­ciso con­cre­tizar um Plano Na­ci­onal para o Ma­te­rial Cir­cu­lante, lan­çando desde já os con­cursos ne­ces­sá­rios e ga­ran­tindo uma cres­cente in­cor­po­ração na­ci­onal. O PCP apre­sentou as li­nhas mes­tras deste plano, a As­sem­bleia da Re­pú­blica aprovou-o em Junho de 2018, mas o Go­verno pouco mais fez que anun­ciar a cri­ação de um «cluster» para «o com­boio por­tu­guês», e o lan­ça­mento de um con­curso apenas para o ser­viço re­gi­onal e abaixo das ne­ces­si­dades ope­ra­ci­o­nais ac­tuais (que se pers­pec­tiva que cresçam).

É pre­ciso con­cre­tizar o in­ves­ti­mento na In­fra­es­tru­tura, con­cre­ti­zando os in­ves­ti­mentos pre­vistos no 20_20, e aca­bando com as su­ces­sivas der­ra­pa­gens que per­mitem poupar no in­ves­ti­mento aquilo que de­pois se des­per­diça nas PPP.

E, por úl­timo mas não menos im­por­tante, é pre­ciso acabar com o pro­cesso de li­be­ra­li­zação do sector, acabar com um pro­cesso que PS/​PSD/​CDS têm con­du­zido, que de­sor­ga­nizou a pro­dução para criar opor­tu­ni­dades de ne­gócio para o grande ca­pital, e que, a ser le­vado ao seu co­ro­lário, co­lo­caria mais um sector es­tra­té­gico nas mãos das mul­ti­na­ci­o­nais.

Das pro­fundas al­te­ra­ções no sector ro­do­viário: opor­tu­ni­dades e riscos

Fruto do Re­gu­la­mento Co­mu­ni­tário 1370/​2007, as ac­tuais con­ces­sões ro­do­viá­rias de trans­porte de pas­sa­geiros ca­ducam já em De­zembro de 2019. Todas as Au­to­ri­dades de Trans­porte (fruto do Re­gime Ju­rí­dico, no trans­porte ro­do­viário de pas­sa­geiros, são as Câ­maras Mu­ni­ci­pais, as CIM e as Áreas Me­tro­po­li­tanas) devem ini­ciar o pro­cesso de con­tra­tu­a­li­zação da ope­ração com base nas re­gras do ci­tado Re­gu­la­mento. A mai­oria fa-lo-á na mo­ra­tória a esse prazo que de­corre nos pró­ximos 2 anos. O ob­jec­tivo deste pro­cesso é a li­be­ra­li­zação, com todos os riscos con­se­quentes para os utentes e os tra­ba­lha­dores. Com todos os riscos de mon­tagem de novas ope­ra­ções de so­bre­fi­nan­ci­a­mento de ope­ra­dores pri­vados. Mas su­bli­nhámos há já dois anos que o pro­cesso abre, em si­mul­tâneo, opor­tu­ni­dades para rever a oferta ro­do­viária e res­ponder às prin­ci­pais ne­ces­si­dades de mo­bi­li­dade das po­pu­la­ções em cada mu­ni­cípio.

Por exemplo, na AML, com o con­tri­buto de­ci­sivo dos eleitos da CDU, está em curso um pro­cesso que trará maior par­ti­ci­pação pú­blica, que sal­va­guar­dará os di­reitos la­bo­rais e per­mi­tirá alargar o ser­viço pú­blico e au­mentar sig­ni­fi­ca­ti­va­mente a oferta ro­do­viária em todos os con­ce­lhos, com mais car­reiras e mais ho­rá­rios (as pro­postas apro­vadas apontam para mais de 40% de cres­ci­mento da oferta em toda a AML).

Da ini­ci­a­tiva e di­na­mi­zação da luta por «Mais e Me­lhores Trans­portes Pú­blicos»

É tendo em conta o ac­tual es­tado de coisas que o PCP propõe: 1) criar um quadro legal que desde já per­mita as­se­gurar que a re­dução ta­ri­fária, tal como foi al­can­çada nos termos do ac­tual PART e a ser ga­ran­tida pelo Es­tado, não seja vo­tada em cada ano em função dos de­bates or­ça­men­tais, mas que antes seja es­ta­be­le­cida de uma forma plena e es­tável em força de Lei, dando pri­o­ri­dade à pro­moção do trans­porte pú­blico, em de­tri­mento dos pa­ga­mentos di­retos às PPP ro­do­viá­rias;

2) Re­forçar a verba a ins­crever no OE de forma a ga­rantir o fi­nan­ci­a­mento da re­dução ta­ri­fária em todo o ter­ri­tório na­ci­onal de forma equi­ta­tiva;

3) Re­solver o pro­blema das li­ga­ções inter-re­gi­o­nais e da cor­res­pon­dente re­dução ta­ri­fária;

4) Ace­lerar a con­cre­ti­zação e re­forçar as verbas a in­vestir nas in­fra­es­tru­turas e no ma­te­rial cir­cu­lante (com mais com­boios, mais barcos, mais au­to­carros);

5) con­tratar os tra­ba­lha­dores ne­ces­sá­rios para di­versas áreas ope­ra­ci­o­nais do sector, bem como va­lo­rizar as con­di­ções de tra­balho;

6) con­cre­tizar as me­didas ur­gentes para au­mento da oferta.

Sobra uma cer­teza: o PCP não he­si­tará desde já em pros­se­guir a in­ter­venção para ga­rantir a re­posta ur­gente que o ser­viço de trans­portes pú­blicos no Pais re­clama. Será tanto mais pos­sível a con­cre­ti­zação desse ob­jec­tivo quanto mais di­nâ­mica e per­sis­tente for a luta dos utentes e das po­pu­la­ções na de­fesa do seu di­reito à mo­bi­li­dade.

Em modo de epí­logo: fica-nos a con­vicção de que ganha assim um valor e atu­a­li­dade re­for­çados o ob­je­tivo de me­lhorar e re­forçar a oferta pú­blica em todos os modos de trans­portes, em todo o País, para no fu­turo se avançar no sen­tido da gra­tui­ti­dade do trans­porte pú­blico, na abran­gência desta gra­tui­ti­dade a todo o ter­ri­tório na­ci­onal.