Efeito

Correia da Fonseca

Ano após ano, acto eleitoral após acto eleitoral, surgem palavras de consternação perante a elevada taxa de abstenções que vem atingindo um número acima dos 40%. Os mais velhos, os que ainda são do tempo em que eleições autênticas eram um desejo antigo de consecução sempre adiada, encaram com alguma amargura esse sinal de indiferença perante uma conquista duramente conseguida. Mas o facto é que a tendência abstencionista vem a confirmar-se em eleições sucessivas, quer o dia das eleições esteja lindo (e então a tentação das praias ou de longos passeios torna-se suspeita de suscitar tantas abstenções) quer o dia seja de chuva e/ou frio (e o sentido do dever cívico não será então bastante forte para injectar coragem no eleitor mais timorato perante o mau tempo). Assim, aconteceu que no passado domingo o dia esteve agradável em todo ou quase todo o país e, contudo, a taxa de abstenção voltou a situar-se acima dos 40%, o que até pode ter surpreendido alguns, suscitado desapontamento noutros, e provocado um sentimento de amargura nos que se lembram de quantos sofreram para que um dia pudéssemos ter eleições «livres e justas».

«O tiro»

Ainda assim, porém, talvez possamos avançar para uma explicação deste fenómeno da abstenção tendencialmente inquietante: é a de que os «média», e destacadamente a televisão, nos sugerem dia após dia que a generalidade dos candidatos ao acto eleitoral não merece o nosso voto e o incómodo de sairmos de casa para alinhar em filas extensas e demoradas. De facto, raro será o dia em que a TV não vem dizer-nos, clara e directamente ou não, que «os políticos», isto é, os que se propõem beneficiar do nosso voto, são tendencialmente corruptos e impostores, indivíduos sempre suspeitos das piores características e, portanto, indignos de confiança. Não poucas vezes, a hostilidade expressa ou implícita contra «os políticos» assume intensidade comparável ao rancor salazarista aos democratas de diversas colorações. Em verdade, no discurso televisivo o «tiro aos políticos» é uma modalidade regular, e é dessa prática que inevitavelmente decorrem tendenciais desprezo ou aversão dos cidadãos eleitores pelos candidatos às eleições, futuros «políticos» dos diversos graus. Perante este quadro, a elevada taxa de abstenção não pode surpreender: é um efeito de um quotidiano estímulo ao nosso desapreço pelos candidatos passados, actuais ou futuros, e bem se compreende que muitos eleitores não aceitem o convite para que se vote em tal gente. De onde não seja surpreendente a elevada taxa de abstenção: é um efeito decerto com diversas causas, e a continuada acção dos «média» bem pode ser um deles.