Notícias da serpente

Correia da Fonseca

Sem co­men­tá­rios com­ple­men­tares, a te­le­visão in­formou-nos de que o AfD, o par­tido de ex­trema-di­reita, venceu as re­centes elei­ções em dois es­tados da Ale­manha. A mais ele­mentar lu­cidez obriga a que se re­ceba a no­tícia com atenção e sus­cita a me­mória de uma outra eleição alemã, a que levou Hi­tler ao poder. Dir-se-á que os tempos são ou­tros, que é outra a Eu­ropa e que a tra­gédia eu­ro­peia de 39-45 é ir­re­pe­tível, mas esta vi­tória de uma ex­trema-di­reita alemã que não se mostra isenta de al­guma nos­talgia pela «gran­deza» ger­mâ­nica nos anos nazis re­co­menda atenção e al­guma mo­bi­li­zação. Pelos vistos, os ovos da ser­pente que Ingmar Bergman de­nun­ciou num seu fa­moso filme não fi­caram es­té­reis e aliás não era de es­perar que o fi­cassem: até acon­teceu al­guma ajuda para que deles saísse des­cen­dência: logo após a der­rota nazi em 45, o grande cui­dado dos ven­ce­dores oci­den­tais não foi uma des­na­zi­fi­cação ri­go­rosa da Ale­manha, mas antes uma ime­diata ob­sessão an­ti­co­mu­nista. Acon­teceu mesmo que nazis de ter­ceiro plano ou sim­ples­mente ale­mães com al­gumas sim­pa­tias pela gran­deza da ven­cida Ale­manha nazi foram man­tidos em postos ad­mi­nis­tra­tivos re­le­vantes. Entre ou­tros pos­sí­veis mo­tivos, adi­vinha-se fa­cil­mente um: eram só­lidos mi­li­tantes de um an­ti­co­mu­nismo que se de­se­java mo­bi­li­zado e eficaz.

Um ade­quado clima

A jor­na­lista Fran­çoise Gi­roud, fun­da­dora e di­rec­tora do «Ex­press», se­ma­nário nada co­mu­nista, es­creveu um dia que «o an­ti­co­mu­nismo é o es­pelho em que os na­zi­fas­cistas se olham e se acham belos». É de es­perar que a ex­trema-di­reita alemã que agora surge ro­busta, bem como ou­tras ex­tremas-di­reitas que vemos a apa­recer por vá­rios lu­gares da Eu­ropa, se sirvam de um an­ti­co­mu­nismo in­tenso e mi­li­tante para se le­gi­ti­marem «de­mo­cra­ti­ca­mente»: o an­ti­co­mu­nismo não apenas pro­cla­mado mas também pra­ti­cado tão vi­o­len­ta­mente quanto pos­sível é como um pas­sa­porte para o poder formal ou apenas so­ci­al­mente efec­tivo. Em ver­dade, ele é o ter­reno per­feito para o cul­tivo do na­zi­fas­cismo de qual­quer grau. Neste quadro, en­tende-se como plau­sível que para o as­cen­dente par­tido AfD (a sigla é cons­ti­tuída pelas ini­ciais das pa­la­vras que em por­tu­guês serão «Al­ter­na­tiva para a Ale­manha») o an­ti­co­mu­nismo pro­cla­mado, even­tu­al­mente vo­ci­fe­rado à boa velha ma­neira, seja um ade­quado clima para o de­sen­vol­vi­mento dos ovos da velha ser­pente. No termo desse ca­minho, não se sabe o que po­derá estar. Mas é certo que não es­tará nada de bom.




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