Programa eleitoral do PCP concretiza a alternativa patriótica e de esquerda

PROJECTO Na reportagem sobre a apresentação pública do Programa Eleitoral do PCP para as Eleições Legislativas de 6 de Outubro, publicada na última edição, demos a conhecer a estrutura do documento e algumas das principais propostas que inclui. Hoje, iniciamos uma análise mais pormenorizada do Programa, pelo Capítulo I.

Não há verdadeira alternativa sem ruptura com a política de direita

O Programa Eleitoral do PCP foi caracterizado pelo Secretário-geral do PCP, na sessão realizada no dia 16, como um programa «patriótico e de esquerda» por materializar os eixos centrais da proposta política do Partido. Esta política, lê-se logo na abertura do capítulo, é «baseada na Constituição da República Portuguesa» e visa assegurar a «construção de um País desenvolvido, de progresso e igualdade».

A concretização deste Programa, lembra-se no próprio texto, «é realizável com a força e a luta dos trabalhadores e do povo português. Com o alargamento da influência social, política e eleitoral do PCP e da CDU. Com a mobilização dos recursos nacionais, com a afirmação do direito do País a um desenvolvimento soberano».

Este caminho que o PCP aponta, sublinha-se, exige a ruptura com a «política de acumulação monopolista de sucessivos governo PS, PSD e CDS» e as «políticas e orientações da União Económica e Monetária, do Tratado Orçamental, da Governação Económica da União Europeia». Se são muitos os que invocam os «elevados custos do enfrentamento e confronto com as políticas impostas pela União Europeia e o euro», o Partido realça como questão fundamental precisamente o oposto, ou seja, «os custos de não arrepiar caminho» e de manter a política de direita, o declínio económico e social, a estagnação.

Assumindo como objectivo central a «defesa dos trabalhadores, do povo e do País», o PCP garante estar nas mãos dos «trabalhadores e do povo, de um governo patriótico e de esquerda, ancorado num amplo apoio e forte movimentação popular, afirmar o direito do País a um desenvolvimento soberano». Mais votos e mais deputados da CDU no próximo dia 6 de Outubro é um passo decisivo neste sentido.

 

Cinco questões fundamentais

O Programa Eleitoral do PCP aponta cinco grandes questões a que urge dar resposta.

Sustentabilidade demográfica e pleno emprego

Para travar a baixa natalidade, agravada no período da troika com a emigração massiva de jovens, urge assegurar o direito a emprego estável e valorizado, com remunerações em convergência com a média da Zona Euro; garantir direitos de maternidade e paternidade e melhores condições de habitação e de vida; dar combate à precariedade e à desregulação dos horários de trabalho; e criar incentivos à formação e qualificação dos jovens.

Redução das desigualdades, eliminação da pobreza, correcção de assimetrias

Alterar a distribuição dos rendimentos directos em favor do trabalho exige que se assuma a valorização geral dos salários como «emergência nacional»: o aumento do salário mínimo para 850 euros, a subida significativa do salário médio e a fixação de um calendário de cinco anos para a convergência com a média salarial da UE são propostas concretas dos comunistas nesta matéria. Impõe-se ainda «um significativo reforço da redistribuição dos rendimentos indirectos, via Segurança Social e Orçamento do Estado», nomeadamente através de novos aumentos das pensões e de outros apoios sociais para um efectivo combate à pobreza. A regionalização é uma condição necessária para corrigir assimetrias regionais.

Fortalecimento quantitativo e qualitativo do tecido empresarial

Tendo como objectivo central o crescimento económico e a defesa da produção nacional, importa promover a produtividade e a progressão nas cadeias de valor, o que se alcança com mais investimento empresarial em Investigação, Desenvolvimento e Inovação, mas também através da dinamização do mercado interno, do necessário apoio às micro, pequenas e médias empresas e de um decidido combate aos «abusos dos grupos monopolistas» e à «predação do sector financeiro». Estratégico é garantir o controlo público e dinamização das empresas estratégicas, restringindo o seu domínio pelo capital estrangeiro.

Um aparelho de Estado para o século XXI

O PCP propõe travar o desmantelamento de infra-estruturas científicas e tecnológicas públicas e o depauperamento de recursos humanos e materiais, reconstruindo e reconfigurando o Estado nos seus centros de competência e saber e nos serviços públicos essenciais (SNS, Escola Pública, Segurança Social), recuperando áreas liquidadas, concessionadas ou entregues a parcerias público-privado.

Um elevado nível de investimento público

O País precisa de uma política orçamental liberta das imposições e constrangimentos da União Europeia, que possibilite um elevado investimento público em infra-estruturas e equipamentos do Estado, o desenvolvimento qualificado dos serviços públicos essenciais, - da Saúde à Educação, da Segurança Social aos transportes, da segurança pública e protecção civil ao sistema público de Investigação e Desenvolvimento –, na justiça e nas Forças Armadas.


A ruptura necessária, a alternativa que se exige

e as condições para a assegurar

No Programa Eleitoral do PCP reafirma-se, e com total clareza, uma ideia que muitos procuram obscurecer: a de que não haverá uma verdadeira alternativa de desenvolvimento, progresso e justiça social sem romper com questões nucleares da política de direita.

São eixos desta ruptura: a renegociação da dívida pública, o que implica assumir simultaneamente a possibilidade de recuperar a soberania monetária, através da libertação da submissão ao euro, e o controlo público sobre a banca; a rejeição dos limites e critérios impostos pelo euro e a UE; a recusa das chamadas «reformas estruturais»; e a rejeição da subordinação do País e da sua economia aos interesses do grande patronato e do capital monopolista.

Clarificado que está aquilo com que é necessário romper e como o fazer, importa saber como sustentar essas opções. Ora, como se afirma – e demonstra – no próprio Programa, «a política alternativa que o PCP propõe tem uma «base material sólida capaz de a viabilizar», assente em quatro opções concretas:

1. O crescimento económico, com mais produção nacional, mais emprego valorizado e maior produtividade, é a questão fundamental. Nestes últimos quatro anos, provou-se como por via do crescimento, mesmo débil, se conseguiu aumentar as receitas fiscais, diminuir a despesa e fazer crescer os ganhos da Segurança Social. Tal só foi possível pela devolução de rendimentos verificada e seus impactos na dinamização do mercado interno. De facto, a variação de apenas um por cento do PIB em termos reais conduziria a mais cerca de 105 mil postos de trabalho, o que por sua vez representaria mais 780 milhões de euros de receitas da Segurança Social e mais perto de 1150 milhões de receita fiscal.

2. Uma política de justiça fiscal assente na «justa e progressiva tributação dos rendimentos de elevado valor» e no desagravamento da tributação dos rendimentos mais baixos, na redução do peso relativo dos impostos indirectos e no combate à fuga, evasão e elisão fiscais e aos chamados paraísos fiscais, aliados à afirmação da soberania nacional também nesta questão, é igualmente determinante. Os últimos quatro anos dão, também a este respeito, importantes lições: mesmo reduzindo os impostos sobre os trabalhadores e as famílias e sem tocar no essencial dos interesses dos poderosos, foi possível aumentar consideravelmente a receita global.

3. Decisiva é, também, uma despesa pública com critério e rigor. Para o PCP, a par da renegociação da dívida é fundamental adoptar outras medidas, como a gestão criteriosa da despesa pública, através do combate ao desperdício e à corrupção, o fim da «externalização» de serviços, de PPP ou de contratos swap, e o aumento da eficiência dos investimentos públicos.

4. E, finalmente, propõe-se travar a «exportação» de rendimento nacional, restringir «rendas» e lucros de monopólio, promover a poupança dos portugueses e reduzir a emigração. Relativamente à primeira destas questões, o PCP defende a implementação de políticas que travem a «perda de rendimento nacional para o estrangeiro, sob a forma de dividendos e juros». Só entre 2016 e 2018, o saldo de transferências financeiras entre Portugal e a UE foi desfavorável ao País em cerca de 14 mil milhões de euros. Ou seja, saiu de Portugal em juros, dividendos e lucros mais do dobro do que entrou.

Para garantir que aquele objectivo pode ser concretizado, quer pela reversão da titularidade das empresas estratégicas privatizadas quer pelo incentivo ao reinvestimento em Portugal.

Quanto às «rendas» – superlucros obtidos pelas situações de monopólio decorrentes das privatizações –, são praticadas sobretudo na energia, nos combustíveis, nas telecomunicações, na banca e nos seguros, na grande distribuição e em diversas indústrias. O PCP defende que, até que o Estado assuma o controlo público sobre estes sectores e empresas, sejam ajustados preços, devolvidas rendas excessivas apuradas e regularizadas e reguladas relações contratuais à margem das leis com micro, pequenas e médias empresas.

No que concerne à promoção da poupança, o Partido começa por sublinhar que «num país em que mais de 40% das famílias ganham menos de 10 mil euros anuais não há margem para poupar». Pelo contrário, esta situação empurra muitos para o consumo a crédito. A este respeito, o PCP defende a promoção da compra de dívida pública com juros atractivos; a concessão de incentivos fiscais para atrair emigrantes e retomar os depósitos bancários; e a adopção de medidas que travem a proliferação de comissões bancárias; a alteração do paradigma do sistema financeiro, «cada vez menos intermediário na captação de poupanças para investimento e consumo, cada vez mais especulador financeiro».