- Nº 2379 (2019/07/4)

PCP em defesa dos pequenos proprietários contra a gula da concentração fundiária

Assembleia da República

ESBULHO PCP e PEV votaram contra o diploma que alarga a todo o território o sistema do cadastro simplificado. Há o risco de pequenos proprietários e emigrantes serem esbulhados das suas terras, advertem.

Aprovado dia 28 por PS, BE e PAN, com a abstenção de PSD e CDS, o texto foi apresentado pela comissão de ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação e substitui a proposta de lei do Governo que mantém em vigor e generaliza a referida aplicação do sistema de informação cadastral simplificado, depois da experiência piloto ao longo de um ano que envolveu 10 municípios do interior.

Propostas apresentadas pelo PCP em plenário de aditamento ao texto de substituição, tendo em vista a suspensão do diploma por um período de dez anos, foram chumbadas por PS, com a abstenção de PSD, CDS e PAN.

Alvo de contestação no diploma por parte da bancada comunista é sobretudo o ponto referente à aplicação do decreto-lei 15/2019, que estabelece o «registo provisório de aquisição a favor do Estado» de terrenos a que foi atribuída a designação de «sem dono conhecido», a sua gestão atribuída à Empresa de Gestão e Desenvolvimento Florestal, e a possibilidade de «registo de aquisição definitivo a favor do Estado, e integração no património privado do Estado, após o período de 15 anos».

Para o PCP, o processo de cadastro associado àquele decreto-lei «conduzirá à concentração da propriedade fundiária». A posição foi reiterada sexta-feira passada, ainda antes da votação em plenário, por João Oliveira, que justificou assim a contestação que o texto suscitou na sua bancada e que o levou a sublinhar que «não será com o voto do PCP que os pequenos proprietários, os idosos, os emigrantes vão ficar sem as suas terras para que elas sejam entregues aos grandes proprietários».

Cata-vento

A questão não é nem nunca foi o cadastro rústico - «é essencial para se conhecer o território e ninguém como o PCP se tem batido ao longo dos anos por ele», frisou -, não pode é «servir para esconder o que está por detrás da tragédia dos incêndios ocorridos em 2017 nem ser usado para esbulhar os pequenos proprietários e concentrar a terra nos grandes proprietários», afirmou o presidente da formação comunista.

Foi essa razão, aliás, que levara já o PCP a propor no grupo de trabalho a referida suspensão por 10 anos, do decreto-lei das «terras sem dono conhecido», iniciativa que foi inicialmente viabilizada com o apoio do PSD mas que veio a sofrer depois um revés em comissão face à cambalhota que este acabou por dar, pressionado pelo PS, e que o levou a entender-se com este para viabilizar (através da abstenção) a proposta governamental (ver caixa).

«Este debate poderia ter sido evitado se o PSD não tivesse sido novamente metido no bolso do PS, votando na comissão o contrário daquilo que tinha votado no grupo de trabalho», declarou João Oliveira, em registo muito crítico.

«Chegou-se aqui porque o Governo PS decidiu associar este decreto-lei a um processo que não é cadastro e que põe em causa o futuro e a segurança jurídica do registo de propriedades», lamentou, por sua vez, o deputado comunista João Dias, que atribuiu iguais responsabilidades pelo desfecho deste processo legislativo ao PSD, a quem acusou de, «qual cata-vento, dar o dito por não dito».

A gula da concentração fundiária

Apesar de estar há ano e meio em curso a experiência piloto para registo de terrenos «sem dono», a verdade é que nenhum titular foi identificado. Esse foi, de resto, o motivo que levou o PCP a propor a suspensão do decreto-lei por dez anos, visando, por essa via, defender os pequenos proprietários e pô-los a salvo da «gula da concentração fundiária».

Sem rodeios, foi essa a expressão usada por João Dias, que lembrou que o «Código Civil já estabelece que o que não tem dono é propriedade do Estado eque no caso de se encontrar algo nestas condições deve solicitar-se ao tribunal que o declare».

Daí que, na sua óptica, «facilitar este processo transformando-o num mero registo administrativo só pode indicar a avidez para apanhar a terra a idosos e emigrantes que não sejam capazes de proceder ao seu registo».

O flique-flaque do PSD

O deputado António Costa Silva (PSD), na tentativa de responder às críticas da bancada comunista, evocou, a despropósito, o período da Reforma Agrária. «Era só o que faltava um deputado comunista do Alentejo, que sabe bem o que foi a ocupação das terras, vir falar da propriedade privada», bradou.

Se julgou que a tirada lhe tinha saído bem, cedo se percebeu que só arranjara lenha para se queimar. É que a resposta não se fez esperar e foi dada pela voz do líder parlamentar do PCP, que interpretou a intervenção do deputado laranja como paradigmática da posição do PSD nesta matéria. «Quando foi preciso acabar com o latifúndio para dar de comer e emprego aos trabalhadores agrícolas que trabalhavam a terra e viviam na miséria, o PSD pôs-se do lado dos latifundiários, contra os trabalhadores agrícolas», lembrou João Oliveira, para logo rematar: «Hoje, que é preciso defender os pequenos proprietários contra o esbulho de terras para as entregar aos grandes proprietários, novamente o PSD coloca-se do lado da grande propriedade, do lado do latifúndio».