Transportes mais baratos impõem mais e melhores transportes públicos
ECONOMIA O alagamento do passe social intermodal e a redução do seu preço, efectivados em Abril deste ano, têm um grande alcance social e económico, ao mesmo tempo que tornam ainda mais urgente o substancial reforço do investimento no sistema de transportes públicos, há muito reclamado pelo PCP e pela CDU.
Em dois meses e meio o sistema de transporte público ganhou 100 mil novos utentes
Dois meses e meio após ter entrado em vigor, o alargamento dos passes está a ter as consequências positivas que se previa: aumento significativo do orçamento disponível das famílias e, até ao momento, um acréscimo de mais 100 mil utilizadores no sistema de transportes públicos, um número que deverá aumentar assim que sejam implementadas as restantes medidas previstas, como o «passe família», o desconto de 50 por cento para os reformados na Área Metropolitana do Porto ou a extensão dos novos passes aos locais e carreiras onde ainda não vigoram, ou se inicie o novo ano lectivo.
Concretizada que está, no essencial, esta importante medida (ver caixa), a pressão está agora do lado da oferta. E a cada dia que passa – com particular visibilidade desde a entrada em vigor dos novos passes – são mais evidentes as insuficiências que persistem e se agravam na generalidade dos operadores, fruto das privatizações, do desmantelamento de grandes empresas (como a Rodoviária Nacional e a CP), do desinvestimento: poucas carreiras, trabalhadores em número insuficiente, deficiente manutenção, avarias frequentes, degradação de veículos e estações. Em consequência de tudo isto, é raro o dia em que não se verificam atrasos ou supressões de carreiras, sejam elas ferroviárias, rodoviárias ou fluviais. O problema é geral e geral tem de ser, também, a solução.
Nesse sentido, na apresentação de algumas das linhas essenciais do programa eleitoral do PCP, no início da semana passada, Jerónimo de Sousa apontou como prioridade da próxima legislatura a elaboração e implementação de um «programa extraordinário de investimento no sector dos transportes públicos», de modo a dar resposta imediata à «carência de oferta há muito verificada». Segundo os princípios gerais anunciados (o programa eleitoral só será divulgado em Julho), esse investimento deverá ser canalizado para a contratação imediata dos «trabalhadores em falta nas áreas das oficinas de reparação e manutenção e da operação» e para a aquisição de material circulante, desde logo para os serviços urbanos e suburbanos.
Investimentos urgentes
As carências não se limitam às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, longe disso, mas são aí particularmente sentidas. No distrito de Lisboa, a CDU tem em curso uma campanha de esclarecimento intitulada «O alargamento do passe já conseguimos! Avançar é preciso: mais comboios, mais barcos, mais autocarros, mais trabalhadores é possível!», onde resume as reivindicações essenciais para alcançar o objectivo de massificar o uso do transporte público na Área Metropolitana: à cabeça está o «aumento da oferta em quantidade, qualidade e fiabilidade».
Para tal, esclarece-se no folheto que suporta a campanha, é preciso desde já «contratar os trabalhadores em falta nas empresas de transporte». E, acrescenta-se, faltam «em todo o lado»: nas estações, nos barcos, nos comboios. No caso da CP, foi o próprio Governo a admitir que entre 20 a 30 por cento da frota «está regularmente encostada por falta de manutenção». Outra medida que «pode e deve ser tomada imediatamente» é, para a CDU, o alargamento da oferta rodoviária em alguns percursos mais concorridos.
Para os comunistas e seus aliados, é fundamental ainda a realização de importantes investimentos no distrito, entre os quais destacam: 1) modernização da linha ferroviária de Cascais, compatibilizando-a com a restante rede da CP;
2) aquisição de comboios para a CP Lisboa, substituindo a frota de Cascais e alargando o número de comboios nas restantes linhas (Sintra, Azambuja, Cintura e Sado);
3) conclusão da electrificação e alargamento da Linha do Oeste, dotando-a do número de comboios necessários a uma maior e mais regular oferta;
4) fim do esbanjamento público de recursos na má opção pela Linha Circular do Metropolitano e canalização desse investimento para a ligação a Alcântara, levando o Metro à Zona Ocidental da cidade de Lisboa;
5) ligação do Metropolitano de Lisboa à cidade de Loures, colocando um transporte pesado de passageiros no único eixo onde ele não existe;
6) requalificação da Linha da Azambuja a partir do Oriente, construindo uma oferta ferroviária digna de uma linha urbana;
7) construção da linha de Eléctrico Rápido entre Algés, Reboleira, Odivelas e Sacavém;
8) concretizar as decisões do Orçamento do Estado de 2019 de aquisição de barcos e novos comboios para o Metropolitano.
Sobre a disponibilidade financeira para estes e outros investimentos, a CDU publica um quadro comparativo com outras despesas públicas, que reproduzimos nestas páginas.
Ilegalidades e respostas
No dia 16, a Direcção da Organização Regional do do Porto do PCP (DORP) emitiu uma nota na qual avança com a proposta de implementação de um «programa de investimento no sector dos transportes» da região, com o qual se pretende enfrentar os «problemas e insuficiências existentes nos transportes públicos da Área Metropolitana». Também aqui, a entrada em vigor do passe único «evidenciou os problemas e insuficiências» existentes e, tal como em Lisboa, a solução para a sobrelotação das composições «não passa pela retirada de cadeiras» anunciada pelo Metro do Porto, à semelhança do que fizeram na capital o Metropolitano de Lisboa e a Fertagus.
Para o PCP, um programa extraordinário de investimento no sector dos transportes públicos, como o que propõe, teria de ter como objectivo «dar resposta imediata à superação da carência de oferta» e corresponder às «necessidades de uso de transporte público». O aumento da oferta quer-se «robusto» e aplicado, sobretudo, nos comboios suburbanos e no metro, «desde logo com a contratação imediata de trabalhadores em falta nas áreas das oficinas de reparação e manutenção e na área da operação». Impõe-se ainda o lançamento de concursos para aquisição de material circulante, acrescentam os comunistas do distrito do Porto.
Ao invés do necessário investimento nas empresas públicas e da valorização destas, é o oposto que tem sido prática corrente. Ao desinvestimento em material circulante e trabalhadores soma-se o favorecimento indevido a operadores privados. Foi isto que denunciou a DORP, numa nota emitida no dia 7 deste mês, em que dá conta do desvio de centenas de milhares de euros da STCP para empresas privadas por «serviços que ilegalmente realizaram».
Muito embora a lei garanta à STCP o «direito exclusivo da exploração de qualquer tipo de transporte público colectivo» de que fosse titular a antiga empresa que lhe deu origem, os operadores privados têm feito serviços nas suas zonas exclusivas, chegando inclusivamente a alterar horários e percursos de modo a se sobreporem à STCP. Esta ilegalidade não é de hoje e foi inclusivamente confirmada por uma acção de fiscalização.
O PCP defende o apuramento de responsabilidades por estas ilegalidades e lembra que há «muitas zonas e muitos períodos do dia com carência de transportes públicos», pelo que os operadores com condições para alargar a oferta «devem canalizar os seus meios e capacidades para resolver as carências da população, em vez de promoverem a sobreposição à oferta que a STCP já assegura».
Progressiva gratuitidade é objectivo do PCP
As alterações nos passes sociais, resultantes da luta das populações e da persistência e iniciativa do PCP (que desde 1997 vinha defendendo o que agora foi aprovado), estão praticamente concretizadas e as suas consequências positivas fazem-se já sentir, com particular acuidade no rendimento das famílias: com os passes concelhio (30 euros) e metropolitano (40 euros), registaram-se reduções de custo que chegaram a atingir 100 euros mensais por utente. Se a isto se somar o «passe família», nunca superior a 80 euros por agregado, os descontos para maiores de 65 anos ou a gratuitidade para crianças até aos 12 anos, o seu impacto é ainda mais significativo.
O objectivo do PCP é, na matéria dos custos para os utentes com o transporte público, a sua progressiva gratuitidade, o que implica o reforço dos meios financeiros afectos do Programa de Apoio à Redução Tarifária.
Mais difíceis de medir com objectividade, mas certamente consideráveis, são também os efeitos no aumento da mobilidade das populações, que deixaram de estar «presas» a um operador ou carreira específicos, podendo deslocar-se no interior das áreas metropolitanas ou comunidades intermunicipais sem custos adicionais: no caso de Lisboa, por exemplo, o passe abrange todas as carreiras e operadores dos 18 concelhos da Área Metropolitana. Incomensuráveis, pelo menos a curto prazo, serão igualmente os efeitos positivos da medida no desenvolvimento económico e na defesa do ambiente, pelo que abre de perspectivas de redução considerável do números de veículos particulares em circulação.
Há, porém, muito ainda por fazer para que esta medida se faça sentir em todo o País de forma homogénea: há carreiras e locais não abrangidos pelos novos passes, disparidades entre as duas áreas metropolitanas medidas consagradas que permanecem por aplicar, como são os casos, entre outros, do «passe sub-12» no Porto, previsto para Setembro, ou o já referido «passe família». Algumas Comunidades Intermunicipais não aplicam as reduções tarifárias e ou fazem-no de forma insuficiente, enquanto muitos dos movimentos pendulares entre as áreas metropolitanas e zonas limítrofes também não se encontram abrangidos.
O PCP tem propostas concretas para todas estas questões e já as apresentou (em alguns casos mais do que uma vez) na Assembleia da República. Numa perspectiva mais geral, ligada com as questões relativas à oferta, coloca-se ainda a necessidade de, em muitas regiões do País, criar de raiz (ou quase) serviços de transporte público, hoje inexistentes.