O mercado interno e a dinamização da economia: afinal o PCP tinha razão

ECONOMIA Como é sabido, aquelas vertentes económicas que suportam e alimentam o Produto Interno Bruto/ PIB, muitas das vezes também designados por «motores» do PIB, são, na perspetiva da procura (pois que sem procura não há economia, não há empresas não há emprego) e, de forma simplificada, o consumo interno, particularmente o das famílias, o investimento e as exportações.

A dinamização do mercado interno é fundamental para o desenvolvimento económico do País

lusa


Usando agora uma linguagem mais técnica, teremos portanto os seguintes agregados da procura, base do PIB, a saber, as despesas de consumo final das Administrações Públicas, as despesas de consumo final das Famílias, a Formação Bruta de Capital Fixo/ FBCF (no essencial investimento) e as exportações. Em sentido inverso, como que «desalimentando» o PIB, temos as importações.

Não constituindo um mal em si mesmo, ou um mal absoluto, pois que naturalmente nenhuma economia é completamente autárcica, ainda mais nestes tempos de globalização, as importações podem tornar-se numa variável negativa ou mesmo muito negativa, seja pelo seu nível – componente quantitativa –, seja pelo seu conteúdo – que tipo de bens e serviços importamos e qual o seu reflexo no exercício da soberania nacional, designadamente em termos dos saldos, positivos ou negativos, da balança de bens e serviços.

Ainda que, no que concerne à componente quantitativa, e também como é bem conhecido, sobretudo mais importante do que o seu valor absoluto é o seu valor relativo face às exportações (com ambos os agregados obviamente expressos em valor). Tal relação é normalmente traduzida pela chamada taxa de cobertura das importações pelas exportações (expressa em %). Assim, quanto mais elevada é esta relação melhor se encontra a economia nacional relativamente às suas relações económicas externas. Voltaremos a esta questão um pouco mais à frente.

Economia e posicionamentos de classe

Sob o ponto de vista dos interesses de classe, em cada momento e circunstância, para as diferentes classes os distintos motores da economia não são neutros, antes pelo contrário. Recordemos, a este propósito, os posicionamentos nos anos mais recentes de algumas forças sociais e políticas sobre o papel e peso relativo na dinamização da economia, dos diferentes agregados que atrás discriminamos.

Assim, a direita política e a maioria das associações patronais defendem como o alfa e o ómega da economia as exportações, desvalorizando os outros agregados que suportam o PIB na óptica da despesa, particularmente o consumo interno, dominantemente o consumo das famílias. E isto porque, subjacente ao consumo das famílias, está sempre presente a massa salarial dos trabalhadores (entendidos aqui, muito naturalmente, de uma forma abrangente, a todos os níveis e escalões).

A este propósito, é paradigmática a posição assumida pela CIP sobre esta matéria, por exemplo aquando da apresentação das suas propostas para o OE 2019, em que, embora de forma ambígua, hipervaloriza as exportações e desvaloriza o consumo interno, enquanto dinamizadores do PIB.

Já o Governo minoritário do PS, sobretudo, mas não exclusivamente, por razões associadas à gestão do défice orçamental, tem desvalorizado de forma dramática o investimento, particularmente o investimento público, mas também, de facto, o próprio consumo interno, embora no discurso político o valorize; já as exportações também são valorizadas pelo Governo.

Num posicionamento completamente diferente, o PCP tem desde sempre dado enorme importância ao consumo interno (desde logo por razões sociais, mas também enquanto importante dinamizador da economia), mas simultaneamente também ao investimento e às exportações. E isto porque uma economia socialmente justa, equilibrada e que responda ao máximo às exigências do efectivo exercício da soberania nacional, deve encontrar permanentemente, no quadro das condições históricas concretas do seu desenvolvimento, os equilíbrios entre os diversos componentes do PIB, pois que todos eles, embora por razões muito diversas, dada a sua profunda complementaridade, por razões económicas, sociais, financeiras e políticas, são obviamente muito importantes.

Desde logo, o aumento do consumo das famílias, particularmente as dos estractos mais desfavorecidos e de frações das classes médias, consequência de mais e melhor emprego, cujo ajuda a dinamizar, como todos sabemos, praticamente todos os sectores produtivos e de serviços não associados à exportação, tendo relativamente a estes sectores não exportadores (mais de 70 % do volume de vendas e do emprego) um papel singular.

Como bem sabemos, não é este o discurso da direita, mas não só. Relativamente ao investimento, ele é absolutamente vital, seja desde logo para assegurar a existência de adequados meios de produção, bem como garantir a sua manutenção e modernização, com vista à obtenção de um quadro de reprodução alargada. Por outro lado, o investimento público em infra-estruturas de carácter estratégico é também absolutamente vital no quadro da modernização e dinamização da economia e da sociedade em geral – comunicações e transportes (particularmente no modo ferroviário), produção energética, telecomunicações, ensino, saúde, etc.

Finalmente as exportações. Contrariamente ao que a propaganda insidiosa contra o PCP propala, o PCP não é nem nunca foi contra as exportações, antes pelo contrário. Sempre defendemos mais e cada vez mais valorizadas exportações, particularmente de bens, mas sem minimamente desvalorizar os serviços, com vista a equilibrar a balança comercial, e até, se possível, torná-la superavitária.

Contudo, todas estas vertentes do PIB estão marcadas pela ainda muito actual necessidade de recorrermos a importações intensivas e preocupantes.

O problema das importações

Recordemos que, pelo menos desde a década de 50 do século passado até à adesão à CEE, em 1986, as importações pesavam na economia cerca de 15% do PIB. Após a adesão, tal dependência do exterior começou a situar-se sempre acima dos 20 a 25% e tem havido mesmo anos em que se aproximou dos 30%.

A este propósito, recorde-se como muito recentemente a um aumento do consumo interno por parte de algumas camadas, particularmente de bens de consumo duradouro (por exemplo, em 2018, importaram-se 9241 milhões de euros em viaturas), mas não só, tem correspondido uma aceleração das importações superior ao das exportações, mesmo mantendo-se estas a um muito bom nível. Isto, como bem sabemos, deve-se às fragilidades estruturais da economia portuguesa (os chamados défices estruturais), fruto da aplicação sistemática de políticas contrárias ao interesse nacional.

Excetuando a importação de máquinas e equipamentos, dominantemente a base do investimento na indústria transformadora – aspecto que deveremos considerar numa perspectiva de médio prazo como positiva e que tem tido um peso crescente nos últimos anos, mantendo-se em torno dos 17% do total da importação de bens –, é completamente inadmissível o nível de importação, por exemplo, de produtos agro-alimentares (em torno dos 15%) e que se vêm aproximando dos 11 mil milhões de euros anuais, ou de têxteis, vestuário e seus acessórios e calçado (cerca de 8%), ou mesmo de produtos químicos (sempre superior a 16%).

Nas importações só devemos ressalvar a rubrica petróleo e gás natural, combustíveis fósseis (nos últimos anos correspondendo a cerca de 12% do total das importações de bens). Devido a alguma dinamização nos últimos anos da indústria transformadora nacional, como já atrás referimos, e muito embora a produção de bens de equipamento tenha vindo a ter um bom, quase mesmo excelente, comportamento nos últimos anos (significativamente superior aos bens de consumo e aos bens intermédios), mas contudo ainda muito insuficientes para suprir as necessidades do País.

Por exemplo, somente entre 2013 e 2015 (últimos dados disponíveis), o conteúdo importado da FBCF aumentou quatro pontos percentuais.

Afinal o PCP sempre tem razão

O INE publica periodicamente uma informação sobre a economia portuguesa designada por «Matrizes Simétricas Input-Output» (abordagem de Leontief). O sistema de matrizes Input-Output permite analisar as interações entre as diversas actividades económicas internas e destas com o exterior, em termos de transações de bens e serviços.

No essencial, o sistema revela como cada ramo homogéneo de actividade é simultaneamente fornecedor e cliente. Como fornecedor, disponibiliza o seu produto para consumo de outros ramos e para a economia final. Como cliente, adquire produtos de outros ramos, efectua importações e adquire serviços de factores produtivos.

A última publicação do INE sobre esta matéria, de 30 de Novembro de 2018, e respeitante ao ano de 2015, disponibiliza interessantes elementos que permitem retirar importantes conclusões económicas, mas sobretudo políticas e ideológicas: a saber, que por cada euro de despesa nos agregados da procura final, gerava em 2015 os impactos seguintes no PIB e nas importações:

  • despesa do Consumo Final das Administrações Públicas: 10 cêntimos de importações e 90 cêntimos de PIB;

  • despesa do Consumo Final das Famílias: 23 cêntimos de importações e 77 cêntimos de PIB;

  • Formação Bruta de Capital Fixo: 36 cêntimos de importações e 64 cêntimos de PIB;

  • exportações: 44 cêntimos de importações e 56 cêntimos de PIB.

Não é preciso ser-se economista para concluir que estes tão simples dados deixam transparecer o óbvio, ou seja, que o consumo das Famílias (particularmente este, pelo seu muito maior peso relativo) e o consumo das Administrações Públicas contribuem de forma muito significativa para o PIB (respectivamente 90 e 77% por cada euro gasto), enquanto as exportações, nas actuais condições do nosso perfil produtivo, só contribuem para o PIB com 72% da contribuição do consumo das famílias e quase metade da contribuição para as importações.

É ainda importante realçar que tais valores e tais diferenças dizem respeito ao ano de 2015, portanto antes da descompressão salarial e nas pensões, fruto dos resultados das eleições de 2015 e da posição ímpar do PCP.

Afinal, o PCP tinha e tem absoluta razão quando defendia e defende a importância económica do mercado interno, para além da indiscutível necessidade de uma mais justa repartição da riqueza, designadamente através da melhoria sustentada dos salários.