- Nº 2366 (2019/04/4)

Transparências

Opinião

A comunicação social pôs-se ao serviço da «campanha dos familiares em cargos públicos» e trata sumariamente assuntos mais significativos.

Olhando as duas páginas dedicadas ao assunto pelo Público de sábado (nada mau), temos o caso das «alterações de última hora» propostas pelo PSD que invertem as pretendidas restrições ao trabalho extra-parlamentar.

Amiudemos.

Durante três anos, a Comissão de Transparência na AR trabalhou nas restrições às actividades extra-parlamentares dos deputados e chegou-se agora à especialidade onde, à última hora, o PSD apresentou emendas que alteram o que havia sido consensualizado, nomeadamente no que concerne às actividades de deputados na advocacia, nas sociedades de advogados ou no sector financeiro.

A proposta de última hora do PSD faz com que os deputados estejam proibidos de «emitir pareceres ou exercer o patrocínio judiciário» nos processos a favor ou contra o Estado, mas logo a seguir permite que esses mesmos «deputados/advogados» se mantenham ligados a sociedades de advogados que façam essas operações, que lhes estão vedadas.

Outra «alteração de última hora» do PSD centrou-se no texto do art,º 21, já aprovado indiciariamente, e que proibia os deputados de «prestar serviços ou manter relações de trabalho subordinado com instituições, empresas ou sociedades de crédito, seguradoras e financeiras». O PSD propôs «uma excepção»: os economistas, gestores ou advogados que prestassem esses serviços antes de serem eleitos deputados... podiam continuar a fazê-lo.

Ouve-se e não se acredita: é como vestir os lobos de ovelhas e pô-los a guardar os rebanhos, salvo seja.

Para argumentar a favor destas «emendas», o deputado do PSD Álvaro Baptista declarou que «o desempenho de funções públicas não deve prejudicar quem vem de outras actividades».

Mas o problema não está em quem vem, mas em «quem continua» noutras actividades, apesar de eleito deputado, o que é uma aberração de «serviço público».

Quanto a António Monteiro, do CDS, ladainhou que os advogados em cargos políticos «sabem que estes se sobrepõem ao interesse particular».

Ai sabem? E quem os obriga a cumprir com «aquilo que sabem»?

Ou seja – como dizia o deputado comunista António Filipe – o que se propõe «é diferente do que foi aprovado indiciariamente, é a remoção do impedimento» de os deputados se aproveitarem do cargo público para benefício privado.

Nada disto passaria, se o PS não se preparasse para viabilizar estas «emendas» do PSD.

Para quem se empenhou, como o PS, em criar esta Comissão de Transparência, é escandaloso que, no final, deixe passar não a transparência, mas o agravamento da opacidade do trabalho dos deputados.

Para quem se diz, como o PS, «republicano e socialista», este é (mais) um mau serviço à República.


Henrique Custódio