Outra Europa reclama a ruptura com a UE do capital

SEMINÁRIO A União Europeia do grande capital não é reformável em favor dos trabalhadores e dos povos, afirmou-se num seminário promovido pelos deputados do PCP no Parlamento Europeu (PE) em colaboração com o GUE-NGL.

As políticas da UE são contrárias aos interesses dos trabalhadores e dos povos da Europa

A iniciativa que decorreu durante toda a tarde de sexta-feira, 22, numa unidade hoteleira no centro de Lisboa, sob o lema «A Europa e a União Europeia – Evolução e constrangimentos ao desenvolvimento soberano e ao progresso social. A resposta necessária», contou com dez intervenções.

Para além dos deputados e recandidatos ao PE João Ferreira (ver caixa) e João Pimenta Lopes, usaram da palavra os candidatos na lista da CDU Mariana Silva, do Partido Ecologista «Os Verdes», e João Geraldes, da Associação Intervenção Democrática, os representantes do AKEL do Chipre, Vera Polycarpou, dos partidos comunistas de Espanha e Francês, Manuel Pineda e Lydia Samarbakhsh, respectivamente, e do Partido do Trabalho da Bélgica, Line Witte. Intervieram, também, o deputado do PCP no PE Miguel Viegas e Ângelo Alves, da Comissão Política.

Perante uma plateia onde se encontravam vários candidatos às eleições do próximo dia 26 de Maio pela CDU, além de militantes comunistas e ecologistas e outros democratas sem partido convidados a participar, coube a Ângelo Alves fazer o enquadramento da sessão. Notou, nesse âmbito, que numa UE onde «as contradições inerentes à sua natureza de classe não cessam de se aprofundar com sérias repercussões na vida dos trabalhadores e dos povos», os últimos cinco anos estão marcados «pela insistência nos mesmos caminhos que estiveram na origem da crise.

«A imagem – mil vezes propagandeada – da UE da coesão social, da solidariedade, da convergência económica, do primado da democracia, da liberdade, da paz e do respeito absoluto pelos direitos humanos foi estilhaçada pela realidade de um processo que revelou aquilo que é verdadeiramente: um projecto de domínio económico e político, de natureza imperialista, contrário aos interesses dos trabalhadores e dos povos da Europa».

Ora, é «esta contradição entre a natureza e políticas da UE e os direitos e aspirações dos povos que está no cerne da crescente contestação popular, da instabilidade política e das crescentes contradições entre sectores do grande capital e entre potências», acrescentou, rejeitando o falso dilema entre aprofundamento do actual rumo e crescimento da extrema-direita, e qualificando de «falácias» a tentativa de conciliação de «políticas da UE e do euro com políticas de progresso e desenvolvimento soberano» e «uma refundação democrática e progressista». Concluindo, o dirigente do PCP defendeu que uma outra Europa «tem de pôr em causa a actual estrutura de poder supranacional e portanto operar uma ruptura com o actual processo de integração capitalista» e que a construção de uma alternativa patriótica e de esquerda em Portugal é o melhor e mais seguro contributo para a construção de uma outra Europa.

Nem verde, nem de coesão

nem de desenvolvimento

De falsas bandeiras e embustes falaram igualmente Mariana Silva, Miguel Viegas e João Pimenta Lopes. A dirigente do PEV, para quem «as propostas e soluções para o desenvolvimento de uma Europa mais justa, igualitária e respeitadora dos valores de cada povo e da sustentabilidade ambiental» residem «no espaço da CDU», acusou a UE de «levantar falsamente a bandeira do ambiente» mas destruir a agricultura e o mundo rural, essenciais para o equilíbrio ecológico e para a preservação da biodiversidade.

Miguel Viegas, por seu lado, traçando um sintético mas contundente percurso das opções europeias e seus ditames na nossa economia, quis «temperar alguma da euforia com que o Governo vai tentar contagiar os eleitores». É que o crescimento económico corrente em Portugal não só é conjuntural – decorrendo de factores externos como o direccionamento do turismo para Portugal e a injecção de capital na banca privada por parte do Banco Central Europeu, o qual não chega à economia real mas baixa as taxas de juro –, como resulta do desafogo do mercado interno que deriva da devolução de rendimentos impulsionada pelo PCP e pelos seus aliados, como é ainda manifestamente insuficiente para a dimensão dos problemas estruturais acumulados fruto de décadas de política de direita seguidista de todas as orientações e respectivos instrumentos e mecanismos da UE, explicou.

Já João Pimenta Lopes acusou a UE de travestir «o projecto de integração capitalista da roupagem que em cada momento melhor iluda os povos para prosseguir o caminho do aprofundamento da sua estrutura e, com ele, aumentar a exploração dos trabalhadores e comprometer a soberania dos povos». Que assim é prova-o a exacerbação de supostas ameaças externas e internas (os ditos populismos, a saída do Reino Unido, as migrações, a Rússia, a China, etc.)», aos «supostos princípios fundadores da UE» – da solidariedade, democracia, igualdade, coesão e paz, os quais «não passam de verbos de encher», como fica demonstrado pela «resposta à crise humanitária dos refugiados», pela «democracia espezinhada a cada assalto à soberania dos povos», em «cada chantagem e ameaça de sanções», nas «desigualdades» que «persistem a níveis dramáticos» ou nas acções de ingerência e beligerantes levadas a cabo contra os povos da ex-Jugoslávia, da Ucrânia, do Iraque, Afeganistão, Síria ou Líbia.

«A prática, critério da verdade, demonstra que quer no passado como no presente, as políticas da UE contrariam a proclamação de intenções ou a enumeração de princípios». Assim nos tentam iludir lá, da mesma forma nos tentam iludir cá», disse, acusando a proposta de «contrato social» apresentada no manifesto eleitoral do PS de «estar ferida das mesmas contradições».

Aprofundar a cooperação

O diagnóstico, a identificação e denúncia das consequências para a imensa maioria dos cidadãos pertencentes às camadas sociais não-monopolistas dos países-membros da UE, e bem assim o carácter de classe que sempre presidiu à integração europeia sob a bandeira azul com as estrelas amarelas, é terreno comum, partilhado pela maioria dos partidos e forças revolucionárias e progressistas da Europa. Tal denotou-se nas intervenções dos representantes strangeiros no seminário.

«A UE é um projecto que desde o início coloca a liberdade das multinacionais no centro dos seus propósitos, sendo, assim, um constrangimento ao progresso social. Cada Tratado avançou na imposição de mais austeridade e iniquidade; cada acordo comercial é elaborado pelas multinacionais e a seu favor», salientou Line Witte, do PT da Bélgica.

«O carácter antisocial, autoritário e patriarcal do modelo de construção europeia levou-nos à actual configuração da UE como instrumento do neoliberalismo e do imperialismo», realçou Manuel Pineda, do PCE.

«Os povos viram as suas condições de vida piorarem a cada avanço da UE», e se nestes meses o Reino Unido e o brexit estão «no centro de uma crise existencial da construção neoliberal europeia», em França «as políticas de Emmanuel Macron significam o estrito cumprimento das chamadas reformas estruturais», as quais significam «regressão social e democrática impulsionadas pela “governança” actual da UE», frisou Lydia Samarbakshs, do PCF.

Isto já depois de Vera Polycarpou, do Akel de Chipre, ter lembrado que, por aqueles dias, tal como em Portugal, «também no Chipre os professores estão em luta em defesa da Educação». O que quer dizer que a regra geral é a UE impor a degradação das funções sociais e serviços públicos essenciais para promover privatizações, acerca das quais o «executivo cipriota fala insistentemente», precisou.

O exemplo oferecido pela cipriota e outros trazidos pelos representantes belga, espanhol e francês conduziram-nos à abordagem da resposta necessária, o que de resto, era convocado na consigna do seminário. Com diferenças inevitáveis, no fundamental registou-se concordância no facto de que a UE não é reformável.

Pelo que «as nossas propostas têm de conformar uma alternativa que demonstre que é possível outro modelo de integração europeia: horizontal, solidária ao serviço da maioria social», considerou Manuel Pineda; a «ruptura com a UE neoliberal» exige colocar em causa «tratados e instrumentos» para dar lugar a uma «união dos povos e nações livres, soberanos e associados», referiu Lydia Samarbakshs; sendo «a UE um grande negócio impossível de reformar», cabe-nos «impulsionar o movimento de contestação popular e em defesa de uma outra Europa», como disse Line Witte, e, simultaneamente, aduziu por sua vez Vera Polycarpou, «cooperar muito estreitamente» para «dar as respostas de luta face a tendências e políticas que se observam em todos os Estados-membro».

Quem também não esqueceu a urgência de estreitar laços e reforçar a acção comum e convergente entre «forças progressistas da Europa» foi João Geraldes, que em nome da Intervenção Democrática saudou o PCP por ter tido a iniciativa de promover um apelo comum mobilizando comunistas, progressistas, anticapitalistas, antineoliberais de esquerda e ecologistas para a luta eleitoral para o PE. Uma vez que, disse ainda, tal pode ser «um contributo de grande importância para alcançarmos o grande objectivo de reforço do número de eleitos pelas diferentes forças progressistas, condição indispensável à alteração das políticas que vêm sendo prosseguidas em claro prejuízo da qualidade de vida de milhões de cidadãos europeus de diferentes nacionalidades».

 

«A solução não é vergar aos constrangimentos»

Intervindo no encerramento do seminário, João Ferreira começou por lembrar que «o lema do nosso seminário encerra, em si mesmo, um relevante posicionamento político. O reconhecimento de que a UE não é a Europa», mas «um processo de integração, económica e política, de estados», o qual, não sendo «o primeiro que ocorre na Europa, provavelmente não será o último e, se assim for, ainda bem».

Considerando que «a grande questão é qual o conteúdo de classe da integração, a sua orientação política e que interesses defende», e, por isso, denunciando a UE enquanto «promotor de uma globalização capitalista desenfreada, com as suas nefastas consequências sobre a vida dos trabalhadores e dos povos» que «significou para países como Portugal, crescente dependência económica e subordinação política», João Ferreira concluiu que «se uma política alternativa, de carácter progressista e soberano, se confronta no seu desenvolvimento e implementação com obstáculos e constrangimentos impostos pela UE, a conclusão a tirar é a de que esses obstáculos e constrangimentos deverão, de uma forma ou de outra, ser removidos».

«A solução não é, não pode ser, vergar aos constrangimentos. Mormente sabendo dos pesados custos que tal acarreta, de resto bem visíveis», insistiu o cabeça-de-lista da CDU ao PE, para quem «problemas estruturais exigem soluções estruturais».

Nesse sentido, defendeu que o nosso país «precisa de uma moeda adaptada à sua realidade, quebrar o ciclo do endividamento e dirigir recursos do serviço da dívida para o investimento, recuperar o controlo público sobre empresas e sectores estratégicos da economia, defender a produção nacional, valorizar o trabalho e os trabalhadores e melhorar a qualidade e abrangência dos serviços públicos».

«O servo que trabalha mais, não enriquece, enriquece o seu senhor. Porque o fundamental é a sua situação de dependência. Sem quebrar a dependência, sem eliminar a condição de servidão, o seu trabalho, o seu esforço, não o beneficia a ele, beneficia outros», reiterou o primeiro candidato da coligação PCP-PEV, que recusando falsas dicotomias e «idealismos, inócuos ou perniciosos», defendeu que são factores de peso «na construção de um projecto alternativo de integração-cooperação na Europa» a «luta dos povos em cada país» passando «necessariamente pela rejeição das imposições da UE e das políticas de retrocesso social e civilizacional», pela «afirmação soberana do direito ao desenvolvimento económico e social, com a firme recusa das pressões e chantagens exercidas a partir de instituições supranacionais», pela «alteração da correlação de forças, nos planos social, político e institucional, em vários países» e pelo «reforço da cooperação entre forças progressistas e de esquerda na Europa, baseada numa clara posição de ruptura com o processo de integração capitalista europeu».