A Venezuela não está só, o imperialismo não passará!

EN­TRE­VISTA Al­bano Nunes, membro da Co­missão Cen­tral de Con­trolo, re­pre­sentou o PCP na As­sem­bleia In­ter­na­ci­onal dos Povos, em so­li­da­ri­e­dade com a Re­vo­lução Bo­li­va­riana e contra o im­pe­ri­a­lismo, que se re­a­lizou em Ca­racas de 24 a 27 de Fe­ve­reiro. À che­gada da Ve­ne­zuela con­cedeu uma en­tre­vista ao Avante!.

A es­ma­ga­dora mai­oria do povo ve­ne­zu­e­lano re­jeita a agressão im­pe­ri­a­lista

Acabas de vi­sitar a Ve­ne­zuela num mo­mento par­ti­cu­lar­mente pe­ri­goso da ofen­siva gol­pista. Como se de­sen­vol­veram os acon­te­ci­mentos?

Creio que foram dias de­ci­sivos na luta do povo ve­ne­zu­e­lano contra a agressão im­pe­ri­a­lista. Foi no dia 23 de Fe­ve­reiro que se vi­veram os mo­mentos mais pe­ri­gosos, com a mons­truosa pro­vo­cação mon­tada na fron­teira com a Colômbia a pre­texto da «ajuda hu­ma­ni­tária». O ob­jec­tivo era forçar a en­trada dos bandos mer­ce­ná­rios de Guaidó e criar em ter­ri­tório ve­ne­zu­e­lano um en­clave contra-re­vo­lu­ci­o­nário. Mas a fir­meza da Força Ar­mada Na­ci­onal Bo­li­va­riana (FANB) e a mo­bi­li­zação po­pular na ponte Simón Bo­lívar in­fli­giram aos gol­pistas uma der­rota que pas­sará à his­tória.

A co­mu­ni­cação so­cial no­ti­ciou grande vi­o­lência e de­su­ma­ni­dade por parte das Forças Ar­madas, como o in­cêndio de ca­miões trans­por­tando ali­mentos e me­di­ca­mentos...

Isso é com­ple­ta­mente falso, são men­tiras de um guião fa­bri­cado em Washington, des­ti­nado a jus­ti­ficar a agressão. Com o apoio do go­verno co­lom­biano, os gol­pistas mo­bi­li­zaram para a fron­teira grupos de mer­ce­ná­rios dos dois países que tudo fi­zeram para pro­vocar mortes que, como aliás che­garam a anun­ciar, pu­dessem usar como ban­deiras na guerra ide­o­ló­gica de de­mo­ni­zação do pre­si­dente Ma­duro e do go­verno bo­li­va­riano.

Cer­ta­mente por erro de cál­culo, a pró­pria te­le­visão co­lom­biana se en­car­regou de tirar o ta­pete à fal­si­fi­cação, ao trans­mitir ima­gens dos pro­vo­ca­dores fa­bri­cando cocktails molotov e ar­re­mes­sando pe­dras contra as forças que de­fen­diam a fron­teira da Ve­ne­zuela. Ao con­trário do que foi di­fun­dido, os dois ca­miões que ten­tavam furar a bar­reira foram in­cen­di­ados no lado co­lom­biano pelos pró­prios gol­pistas. Só a de­ter­mi­nação e se­re­ni­dade das Forças Ar­madas e dos po­pu­lares ve­ne­zu­e­lanos im­pe­diram o banho de sangue a que o im­pe­ri­a­lismo e seus la­caios as­pi­ravam.

Quero ainda acres­centar que o «apelo» do fan­toche Guaidó, para que, no dia 23, «um mi­lhão de ve­ne­zu­e­lanos» ocor­ressem à fron­teira para re­ceber a «ajuda hu­ma­ni­tária» e que por toda a parte hou­vesse con­cen­tra­ções junto aos quar­téis, cons­ti­tuiu um mo­nu­mental fi­asco. A der­rota foi de tal ordem que até entre os pa­trões norte-ame­ri­canos da ope­ração se­di­ciosa sur­giram cri­ticas à sua cri­a­tura.

Qual o papel do go­verno da Colômbia nestes acon­te­ci­mentos?

De total apoio à ope­ração gol­pista, de tal modo que o go­verno da Ve­ne­zuela se viu na obri­gação de cortar ime­di­a­ta­mente as re­la­ções di­plo­má­ticas com o país. O go­verno da Colômbia, fiel aliado do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano, é um dos mais re­ac­ci­o­ná­rios e vi­o­lentos da Amé­rica La­tina. Os acordos de Paz de Ha­vana ne­go­ci­ados entre as FARC-EP e o go­verno an­te­rior não estão a ser cum­pridos e desde a sua as­si­na­tura foram as­sas­si­nados 92 ex-guer­ri­lheiros, con­ti­nuam presos perto de mil mem­bros das FARC e 700 di­ri­gentes sin­di­cais, do mo­vi­mento cam­ponês e de ou­tras or­ga­ni­za­ções so­ciais foram mortos.

Sobre isto, que é par­ti­cu­lar­mente es­cla­re­cedor quanto às res­pon­sa­bi­li­dades da Colômbia na agressão à Ve­ne­zuela, a co­mu­ni­cação so­cial nada diz. Como nada diz sobre as bases mi­li­tares norte-ame­ri­canas neste país nem das tropas que os EUA para aqui des­lo­caram no quadro das ame­aças de agressão mi­litar à Ve­ne­zuela.

A co­mu­ni­cação so­cial fala em «crise hu­ma­ni­tária», diz que há muita gente a morrer à fome ou por falta de as­sis­tência mé­dica e os gol­pistas che­garam a jus­ti­ficar a ur­gência da sua «ajuda» para salvar a vida de mais de 300 mil cri­anças. Que te foi pos­sível ob­servar a este res­peito?

Há, sem dú­vida, di­fi­cul­dades e es­tran­gu­la­mentos. O PIB caiu muito nos úl­timos anos, no fun­da­mental em re­sul­tado da queda do preço de pe­tróleo, que tendo su­bido a 100 dó­lares por barril desceu para cerca de 20. Isto é brutal para um país cujas re­ceitas de­pendem em mais de 80 por cento do pe­tróleo e que ainda não con­se­guiu mo­di­ficar, como Chávez se pro­punha fazer, a es­tru­tura pro­du­tiva do país. A in­flação ga­lo­pante é uma re­a­li­dade du­rís­sima. São vi­sí­veis as pri­va­ções e di­fi­cul­dades na vida quo­ti­diana.

Mas falar de «crise hu­ma­ni­tária» é uma des­ca­rada men­tira que apenas visa dar co­ber­tura à in­ge­rência nos as­suntos in­ternos da Ve­ne­zuela. E a imagem de um país a des­fazer-se em cacos é pura ficção pro­pa­gan­dís­tica, só pos­sível pelo férreo con­trolo dos fluxos de in­for­mação pelo im­pe­ri­a­lismo. Mas sem es­ca­mo­tear in­su­fi­ci­ên­cias e erros que as pró­prias forças po­lí­ticas que apoiam o pro­cesso bo­li­va­riano re­co­nhecem, quero deixar bem vin­cado que a maior res­pon­sa­bi­li­dade cabe às san­ções eco­nó­micas e fi­nan­ceiras im­postas pelo im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano à Ve­ne­zuela e ao con­fisco ilegal de bens e re­cursos fi­nan­ceiros ofi­ci­al­mente cal­cu­lado em mais de 30 mil mi­lhões de dó­lares.

Os pró­prios ope­ra­ci­o­nais da ofen­siva gol­pista, como o vice-pre­si­dente dos EUA Mike Pence, o Se­cre­tário de Es­tado Mike Pompeo, o se­nador fas­cista da Flo­rida Marco Rubio ou o si­nistro «re­pre­sen­tante es­pe­cial dos EUA para a Ve­ne­zuela», El­liott Abrams, não es­condem que o ob­jecto das san­ções é es­fo­mear o povo ve­ne­zu­e­lano para o voltar contra o seu pre­si­dente le­gí­timo e o pro­cesso bo­li­va­riano. O que só por si des­mas­cara a cí­nica cam­panha sobre «ajuda hu­ma­ni­tária».

Como está o povo ve­ne­zu­e­lano a res­ponder à agressão de que está a ser ví­tima?

Com co­ragem e de­ter­mi­nação. O apelo à in­ter­venção es­tran­geira por parte de Guaidó, além de cons­ti­tuir uma de­mons­tração de fra­queza da opo­sição, é vista pela es­ma­ga­dora mai­oria do povo da Ve­ne­zuela (in­cluindo de sec­tores des­con­tentes com a si­tu­ação) como uma traição ina­cei­tável. Os sen­ti­mentos pa­trió­ticos e anti-im­pe­ri­a­listas são muito fortes, o que foi par­ti­cu­lar­mente vi­sível nas grandes ma­ni­fes­ta­ções com que, por toda a parte, o povo ve­ne­zu­e­lano res­pondeu no dia 23 de Fe­ve­reiro à pe­ri­gosa pro­vo­cação que es­tava a ter lugar nas fron­teiras do país, sob a pa­lavra de ordem Trump, hands off Ve­ne­zuela! [Trump, tira as mãos da Ve­ne­zuela].

Des­filei na ma­ni­fes­tação de Ca­racas, que foi re­al­mente muito grande e com­ba­tiva. O pre­si­dente Ni­colás Ma­duro fez aí um dis­curso de grande fir­meza no com­bate a toda e qual­quer ten­ta­tiva de agressão à Ve­ne­zuela, ao mesmo tempo que con­firmou a dis­po­ni­bi­li­dade para o diá­logo com vista a en­con­trar uma so­lução po­lí­tica pa­cí­fica para o con­flito, no quadro da Cons­ti­tuição. O 30.º ani­ver­sário do Ca­ra­cazo, re­volta po­pular de 27 de Fe­ve­reiro de 1989 contra o go­verno de Carlos An­drés Peréz, su­fo­cada por uma re­pressão vi­o­len­tís­sima que pro­vocou mais de três mil mortos, deu também lugar a grandes ma­ni­fes­ta­ções contra a ameaça im­pe­ri­a­lista.

E as pres­sões e ame­aças exer­cidas pelos gol­pistas sobre os mi­li­tares estão a ter algum su­cesso?

Não, para já não. As de­ser­ções que até agora se ve­ri­fi­caram, muito pro­pa­gan­de­adas, são con­tudo ir­re­le­vantes. As provas de pa­tri­o­tismo e le­al­dade aos va­lores bo­li­va­ri­anos por parte das FANB são muito claras e ins­piram con­fi­ança. Além disso, é im­por­tante ter pre­sente a união cí­vico-mi­litar que ca­rac­te­riza o pro­cesso bo­li­va­riano, com a exis­tência da Mi­lícia Bo­li­va­riana, uma força de 1,3 mi­lhões de vo­lun­tá­rios (que se propõe au­mentar até dois mi­lhões) or­ga­ni­zada e trei­nada para de­fender palmo a palmo o ter­ri­tório na­ci­onal. A ideia de que uma in­vasão tor­naria a Ve­ne­zuela num «novo Vi­et­name» é para levar a sério.

Falei com vá­rios destes mi­li­ci­anos e mi­li­ci­anas e aí en­con­trei um sen­ti­mento pro­fun­da­mente anti-im­pe­ri­a­lista e uma de­ter­mi­nação com­ba­tiva que me ins­piram grande con­fi­ança quanto à pos­si­bi­li­dade de en­frentar e der­rotar uma even­tual aven­tura mi­litar im­pe­ri­a­lista.

Como se ex­plica que os EUA se em­pe­nhem de modo tão des­ca­rado nesta in­ter­venção contra a Ve­ne­zuela, vi­o­lando tão os­ten­si­va­mente o di­reito in­ter­na­ci­onal, e con­se­guindo ar­rastar atrás de si países da UE?

Os EUA pre­tendem apro­priar-se das grandes ri­quezas da Ve­ne­zuela: do pe­tróleo, de que este país possui as mai­ores re­servas co­nhe­cidas do mundo, mas também do ouro e di­versos mi­ne­rais, entre os quais me­tais raros in­dis­pen­sá­veis às novas tec­no­lo­gias, e ou­tras ri­quezas na­tu­rais. Isso é claro como a água.

Mas o im­pe­ri­a­lismo visa mais longe e em maior pro­fun­di­dade. Visa não apenas o afas­ta­mento de um pre­si­dente le­gí­timo eleito com 67,8% dos votos, mas a der­rota do pró­prio pro­cesso bo­li­va­riano e a li­qui­dação do seu exemplo de pro­gresso e so­be­rania que se es­pa­lhou pela Amé­rica La­tina num pro­cesso de in­te­gração so­li­dária e so­be­rana em tudo con­trária aos in­te­resses norte-ame­ri­canos. Esta é a questão fun­da­mental.

Com o golpe «ins­ti­tu­ci­onal» fas­ci­zante no Brasil, e após 20 anos de ten­ta­tivas frus­tradas, que pas­saram por ten­ta­tivas de golpe de Es­tado e de as­sas­si­nato, os EUA viram fi­nal­mente cri­adas con­di­ções para atacar fron­tal­mente a Ve­ne­zuela bo­li­va­riana. Mas como os pró­prios in­so­len­te­mente con­fessam, não pensam ficar por aqui. Querem vergar também a Bo­lívia e a Ni­ca­rágua e chegar fi­nal­mente a Cuba, que, com a imensa su­pe­ri­o­ri­dade da sua re­vo­lução so­ci­a­lista, tem sido exemplo e es­tí­mulo à luta li­ber­ta­dora dos povos da Amé­rica La­tina e Ca­raíbas e de todo o mundo.

É por isso que a so­li­da­ri­e­dade in­ter­na­ci­o­na­lista para com o povo da Ve­ne­zuela, a re­vo­lução bo­li­va­riana e o pre­si­dente Ni­colás Ma­duro é tão im­por­tante. Nas ruas de Ca­racas ouvi com co­moção o grito No Pas­sarán!. Também em Por­tugal temos de con­ti­nuar a fazer tudo para que «não passem», para que a agressão à Ve­ne­zuela seja der­ro­tada, lu­tando para que o go­verno por­tu­guês seja for­çado a res­peitar a Cons­ti­tuição e a aban­donar a sua ver­go­nhosa po­sição de sub­ser­vi­ência em re­lação ao im­pe­ri­a­lismo e de­nun­ci­ando o se­gui­dismo da UE em re­lação aos EUA.

A po­sição do go­verno por­tu­guês é con­trária aos in­te­resses na­ci­o­nais, in­cluindo os da es­ma­ga­dora mai­oria da co­mu­ni­dade por­tu­guesa na Ve­ne­zuela, que re­jeita e é ví­tima da vi­o­lência gol­pista e do blo­queio eco­nó­mico pro­mo­vido pelos EUA.

Mas ao con­trário do que pre­tende a pro­pa­ganda im­pe­ri­a­lista, a Ve­ne­zuela não está in­ter­na­ci­o­nal­mente iso­lada...

Não, longe disso. A po­sição so­li­dária de grandes países como a Rússia, a China ou a Índia, de frontal opo­sição à in­ge­rência nos as­suntos in­ternos da Ve­ne­zuela, é co­nhe­cida. Menos co­nhe­cidas são as su­ces­sivas der­rotas que o guião agres­sivo dos EUA tem so­frido, no­me­a­da­mente a nível da pró­pria OEA, do re­ac­ci­o­nário Grupo de Lima ou no Con­selho de Se­gu­rança da ONU. Im­por­tante sig­ni­fi­cado tem a po­sição do Mé­xico, após a eleição do pre­si­dente Lopéz Obrador, e o seu papel, em con­junto com o Uru­guai, na pro­cura de diá­logo entre o go­verno e a opo­sição, com o acordo do pre­si­dente Ma­duro. E à po­sição so­li­dária de Cuba, Bo­lívia e Ni­ca­rágua junta-se a dos países das Ca­raíbas reu­nidos no Ca­ricom, apesar das pres­sões e ame­aças do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano.

Mesmo países que, in­jus­ta­mente, con­testam a le­gi­ti­mi­dade do pre­si­dente ve­ne­zu­e­lano, ex­pressam ati­tudes de clara re­jeição da in­ter­venção mi­litar que os EUA pre­param.

Para ter­minar, que men­sagem queres trans­mitir aos nossos lei­tores?

So­li­da­ri­e­dade e con­fi­ança! So­li­da­ri­e­dade de prin­cípio, ine­rente à na­tu­reza pa­trió­tica e in­ter­na­ci­o­na­lista do nosso Par­tido, e porque na Ve­ne­zuela se joga também muito do nosso pró­prio fu­turo. Ao lado dos nossos com­pa­nheiros ve­ne­zu­e­lanos do PSUV, do PCV e de­mais forças que apoiam o pro­cesso bo­li­va­riano e estão na pri­meira linha do com­bate anti-im­pe­ri­a­lista, es­tamos si­mul­ta­ne­a­mente a lutar por um Por­tugal com fu­turo e contra a de­riva mi­li­ta­rista e fas­ci­zante que en­sombra a Eu­ropa.

Con­fi­ança no pa­tro­tismo e de­ter­mi­nação anti-im­pe­ri­a­lista do povo ve­ne­zu­e­lano e no seu apego às con­quistas po­lí­ticas, so­ciais e cul­tu­rais al­can­çadas desde 1999 pelo pro­cesso re­vo­lu­ci­o­nário bo­li­va­riano, um pro­cesso pro­fun­da­mente de­mo­crá­tico que em 20 anos re­a­lizou 25 elei­ções, tendo as forças bo­li­va­ri­anas ven­cido 23 e em que a par­ti­ci­pação po­pular é uma va­liosa re­a­li­dade.

O nosso dever é dar firme com­bate à vi­o­lenta cam­panha contra a Ve­ne­zuela, de­nun­ciar os crimes do im­pe­ri­a­lismo e da re­acção fas­cista ve­ne­zu­e­lana, re­forçar a so­li­da­ri­e­dade com a justa luta do povo da Ve­ne­zuela em de­fender o di­reito ao seu pró­prio ca­minho de de­sen­vol­vi­mento.