- Nº 2362 (2019/03/7)

Que estranha forma de greve

Opinião

A greve é um conceito claro e objectivo. Os trabalhadores, os que vendem a sua força de trabalho, deixam de o fazer, de forma consciente e colectiva, por um determinado período de tempo. É uma arma que possuem para defender e conquistar direitos. Uma arma poderosa, que requer organização, consciência, unidade e força para a implementar. A greve evidencia, talvez mais do que qualquer outra forma de luta, o papel central do trabalho e dos trabalhadores nas sociedades. Sem trabalho não há produção de bens materiais, não há prestação de serviços, não há criação de riqueza. Sem trabalho, ou melhor, sem a exploração da força de trabalho, também não há capital.

O direito à greve é uma importante conquista de Abril. Fizeram-se muitas greves durante o período fascista e até antes, mas sempre com a Lei do lado de quem explora. O reconhecimento do direito à greve, como assegura a Constituição, é uma forma de tornar mais equilibrada uma relação profundamente desigual. E os ataques ao direito à greve, incluindo no plano ideológico, são uma constante na vida dos nossos dias.

Desses ataques haveria muito para dizer. O catálogo é vasto, incluindo por via da sua instrumentalização contra os próprios direitos dos trabalhadores como assistimos recentemente na chamada greve cirúrgica (de alguns enfermeiros) numa operação que, como se adivinhava, abriu espaço a diversos ataques a esse direito fundamental.

Mas também há quem procure esvaziar o seu conteúdo, deslocando-o do terreno das relações laborais (e das suas implicações políticas) para outros planos, bastante mais subjectivos e vazios de conteúdo de classe. É o caso da chamada Greve Feminista ou da Greve Climática que estão «agendadas» para este mês de Março. Acções marcadas por entidades difusas, que nada têm a ver com o mundo do trabalho, seguindo uma agenda internacional sem rosto, acarinhadas e promovidas (como aliás se confirmará) por muitos dos que abominam a luta dos trabalhadores.

A greve é uma arma. Demasiado importante, demasiado preciosa, demasiado central, para que possa ser transformada num mero instrumento ao serviço de interesses que, em muitos casos, são estranhos aos interesses dos trabalhadores.


Vasco Cardoso