Um confronto evidente

João Ferreira

A evolução da integração capitalista europeia determinou um confronto evidente e crescente com a Constituição da República Portuguesa (CRP). Um dos domínios em que tal realidade é patente é o das relações internacionais.

Apesar de subvertida em processos de revisão constitucional, que, por exemplo, lhe introduziram uma disposição que admite a transferência para a UE dos «poderes necessários à construção e aprofundamento da UE», tendo em vista, entre outros aspectos, a «definição e execução de uma política externa, de segurança e de defesa comuns», o artigo 7.ª da CRP (relativo às relações internacionais) continua a preconizar orientações tão relevantes como «a não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados», ou «a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares».

Não poderia, com efeito, ser mais evidente o confronto entre estes princípios e a UE, que se constituiu como pilar europeu da NATO, que se lança numa corrida aos armamentos, que espezinha o direito internacional e os direitos humanos, usados de forma cínica e demagógica para justificar as agressões em que a UE se tem envolvido: no Iraque, na Líbia, na Síria. Agora também na Venezuela. Não poderia também ser mais evidente o confronto entre os princípios contidos na CRP e a acção de sucessivos governos – PS, PSD e CDS – submissos às potências e aos interesses que dominam a UE.

Não foi preciso muito tempo para que a UE se pusesse ao lado de Trump e de Bolsonaro na promoção e apoio ao golpe de Estado em execução na Venezuela. Sem surpresas, sem esconder a sua tremenda hipocrisia, a UE encosta-se ao fantoche escolhido por Trump para dinamizar o golpe: o auto-proclamado «presidente» Juan Guaidó. O Parlamento Europeu e vários governos de países europeus, entre os quais o português, acabam de o reconhecer como «presidente interino» da Venezuela. O mesmo parlamento e os mesmos governos que apoiaram as agressões à Líbia e à Síria, que legitimaram umas eleições fraudulentas nas Honduras, que vêm impondo sanções contra a Venezuela, que limitam o acesso do país a bens, incluindo de primeira necessidade, com penosas consequências sobre o povo venezuelano.

O calibre do fantoche de Trump pode ser aquilatado pelo pedido por este feito para o incremento das sanções e para uma intervenção militar estrangeira contra o seu país, contra o seu próprio povo.

A atitude do Parlamento Europeu não constitui propriamente surpresa. Já em 2017, o Parlamento resolvera distinguir com o prémio Sakharov personagens envolvidos no golpe de Estado de 2002, em acções violentas de desestabilização, em articulação com grupos paramilitares e organizações de extrema-direita, para além do envolvimento em esquemas de corrupção e de financiamento ilegal de partidos e organizações pouco recomendáveis. Ou seja, tudo bons representantes dos princípios e valores dos quais o Parlamento Europeu se afirma porta-estandarte.

Mas se o histórico da instituição não torna a decisão recente surpreendente, também não a torna menos grave. Como grave é a decisão do governo português – uma afronta à CRP, ao direito internacional e à Carta das Nações Unidas. Uma posição contrária à assumida pela grande maioria dos Estados-Membros das Nações Unidas, que não respaldaram o golpe de Estado comandado por Trump. Uma posição pela qual responderá, em face das consequências que venha a comportar, desde logo para a comunidade portuguesa na Venezuela.




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