Se fores a São Francisco

António Santos

A greve de nove se­manas, em sete ci­dades dos EUA, que en­volveu 23 ho­téis da multi-na­ci­onal Mar­riott In­ter­na­ti­onal, a maior do mundo no sector, chegou hoje ao fim com uma es­tron­dosa vi­tória dos 7700 tra­ba­lha­dores que pa­ra­li­saram até um em­prego bastar para viver. O novo acordo co­lec­tivo, que in­clui um au­mento sa­la­rial que em al­gumas ci­dades como São Fran­cisco as­cende a 40 por cento, foi ra­ti­fi­cado ontem em as­sem­bleia por 99,6 por cento dos tra­ba­lha­dores.

Apesar de, no ano pas­sado, a Mar­riott ter su­pe­rado 1,37 mil mi­lhões de dó­lares em lu­cros, tendo já pre­sença em 130 países, os sa­lá­rios eram tão baixos que a mai­oria dos tra­ba­lha­dores tinha de equi­li­brar dois, e nal­guns casos três e quatro, em­pregos. É o caso de Ro­berta Patel, de­le­gada sin­dical da Unite Here Local 2 e tra­ba­lha­dora de lim­pezas da Mar­riott Mar­quis, no co­ração de São Fran­cisco: «Che­guei a ter três ao mesmo tempo. Fazia o Mar­quis das seis às duas du­rante a se­mana, tinha o Com­fort Ke­e­pers [apoio do­mi­ci­liário a idosos] das quatro às sete e, ao fim-de-se­mana fazia lim­pezas em casas de par­ti­cu­lares. Na es­cola do meu filho havia o boato de que eu es­tava presa. Na prá­tica, o re­sul­tado era o mesmo», ex­plicou-me por via te­le­fó­nica.

A mesma luta

Ro­berta não es­tava presa mas chegou a ser de­tida. Em Ou­tubro, ela e mi­lhares de co­legas em greve pro­ta­go­ni­zaram uma ma­ni­fes­tação que en­tupiu a prin­cipal ave­nida de São Fran­cisco. «De­ti­veram quase cem pes­soas. Acu­saram-nos a todos de “dis­túr­bios pú­blicos” e o juiz ame­açou-nos com penas de prisão se nos vol­tás­semos a ma­ni­festar. Umas se­manas de­pois es­tá­vamos à frente dele outra vez: fui de­tida pela mesma razão. E teria sido de­tida uma ter­ceira vez, se fosse pre­ciso», as­se­vera.

Mas não foi pre­ciso: o novo con­trato co­lec­tivo, que vem subs­ti­tuir o que havia ca­du­cado em Se­tembro, au­menta a re­mu­ne­ração de Ro­berta em 4 dó­lares por hora ao longo dos pró­ximos quatro anos, es­ta­be­lece uma pensão de 50 dó­lares por cada ano de casa, reduz a carga de tra­balho dos tra­ba­lha­dores de lim­pezas no âm­bito do pro­grama «Make A Green Choice» (faça uma es­colha verde, na tra­dução do in­glês), que per­mite ao cli­ente não optar por lim­pezas des­ne­ces­sá­rias, e cria a obri­gação das tra­ba­lha­doras le­varem con­sigo um «botão de pâ­nico» como de­fesa contra o as­sédio se­xual e a vi­o­lência.

«É bom poder voltar ao tra­balho porque pre­ciso do meu ven­ci­mento. Mas ainda é me­lhor voltar ao tra­balho com di­reito a estar com o meu filho: nin­guém devia ter de pre­cisar de mais do que um em­prego para viver», con­clui.

A vi­tória his­tó­rica dos tra­ba­lha­dores da Mar­riott ins­pira já novas lutas no sector. Na Hyatt, a tí­tulo de exemplo, está em dis­cussão a con­vo­cação de uma greve na­ci­onal com rei­vin­di­ca­ções se­me­lhantes. Mas, como Ro­berta faz questão de as­si­nalar, as li­ções têm uma es­cala global: «Aí em Por­tugal não há Mar­riott? Quanto pagam aos tra­ba­lha­dores pelo ser­viço de quarto? Saibam aí que eu ganho 23 dó­lares por hora pelo mesmo tra­balho. Só temos de ter também a mesma luta».




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