- Nº 2339 (2018/09/27)

Lei «Uber» abre as portas à destruição do sector do táxi

Nacional

PROTESTO O PCP pediu a revogação da lei que regulamenta as plataformas electrónicas de transportes de passageiros. Para ontem, 26, estava anunciada uma manifestação de taxistas em frente a Assembleia da República (AR).

Sob o lema «Todos agora ou ninguém no futuro», a luta dos taxistas, iniciada a 19 de Setembro, pretende suspender a entrada em vigor, a 1 de Novembro, da lei – aprovada na AR a 12 de Julho por PS, PSD e PAN – que regula as plataformas electrónicas de transporte que operam em Portugal (Uber, Cabify, Taxify e Chauffer Privé). A 31 de Julho, o Presidente da República promulgou o diploma depois de o ter vetado a 29 de Abril.

Desde o primeiro dia, estes profissionais assentaram praça em Lisboa (desde a Avenida da Liberdade até ao Campo Grande), no Porto (Avenida dos Aliados) e em Faro (junto ao Aeroporto), e dali não saíram.

«Somos táxi» lê-se nas bandeiras fixadas nas viaturas. Para além da questão dos preços, exigem a fixação de contingentes (limites de viaturas por município) para as plataformas, tal como acontece com os táxis.

Na segunda-feira, 24, depois de um desfile dos Restauradores ao Terreiro do Paço com várias centenas de pessoas, a Federação Portuguesa do Táxi (FPT) e a Associação Nacional de Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL) entregaram uma carta no gabinete do primeiro-ministro a pedir a sua intervenção neste processo. O encontro com um assessor de António Costa foi «uma manobra de diversão», considerou Carlos Ramos, presidente da FPT.

Horas antes, o presidente da Câmara Municipal do Seixal comprometeu-se a levar à Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) a questão dos taxistas, até porque, entre as competências dos municípios, que são responsáveis pelo sistema de transporte no seu território, está «fixar o número de táxis e a sua organização». De acordo com o autarca, é necessária uma lei que enquadre os veículos das plataformas, «de modo semelhante ao que acontece com o sector do táxi». Só assim, considerou, se pode «organizar, planear o sistema de transporte» camarário.

No sábado, as associações de taxistas foram recebidas pelo chefe da Casa Civil da Presidência da República.

Solidariedade
No dia 19, ao protesto de Lisboa juntou-se uma delegação de taxistas espanhóis, porque «a luta é de todos». Consigo trouxeram o exemplo do que conquistaram. Com um protesto semelhante ao dos portugueses – durante uma semana nas principais cidades – conseguiram pressionar o seu governo a fazer mudanças na legislação: um rácio de uma licença usada pelas plataformas para 30 táxis. Se as promessas dos governantes espanhóis não forem cumpridas voltam à greve.

A Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas manifestou, também, solidariedade com a luta dos taxistas, por considerar que é «justa e nela estar também a defesa de milhares de micro e pequenas empresas».

Medina «faz-se de morto» em Lisboa

Nas cidades onde decorreram concentrações só a Câmara Municipal de Lisboa não recebeu os taxistas. «O presidente da Câmara de Lisboa, onde existe a maior praça de táxis do País, não é capaz de vir ter connosco», lamentou, no dia 24, Carlos Ramos, presidente da FPT, considerando importante que Fernando Medina pudesse dar a sua opinião em relação ao futuro do táxi.

O presidente da ANTRAL, Florêncio Almeida, acusou o autarca de ter «muitas culpas no cartório» em relação à actual situação no sector do táxi.

PCP quer revogar uma lei injusta

A 21 de Setembro – dois dias depois de terem recebido os representantes da Federação Portuguesa do Táxi e da Associação Nacional de Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros – o PCP entregou um projecto de lei que visa a revogação da lei n.º 45/2018 de 1 de Agosto: «Regime jurídico da actividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma electrónica (TVDE)».

«Antes da entrada em vigor de uma lei injusta que vem criar este regime de privilégio para as multinacionais, o que é preciso é revogar a lei. É esse o desafio que deixamos do ponto de vista político e legislativo», afirmou, ainda na AR, o deputado comunista Bruno Dias.

Para o PCP, se o parlamento discutir e votar rapidamente aquele projecto de lei, «essa é a forma de resolver a questão de forma mais rápida» sem que se «arraste um processo de discussão jurídica e constitucional».

Impunidade
O documento apresentado refere que «nos últimos quatro anos, tem-se assistido à tentativa de um conjunto de multinacionais de se apropriarem da actividade de transporte individual remunerado de passageiros, com a destruição do sector a quem essa função está atribuída, o táxi».

«Essas multinacionais têm actuado à margem da lei, com uma impunidade quase absoluta, enquanto no poder político os seus aliados tentavam criar as condições para as legalizar», acentua o texto, onde se acusa «uns e outros» de «tentaram apoiar» as pretensões das grandes empresas «numa pretensa modernidade, assente na utilização de novas tecnologias por parte das plataformas angariadoras de clientes».

«Hoje é já amplamente reconhecido que as verdadeiras diferenças entre o sector do táxi e o modelo das TVDE é a existência ou não de contingentes, é a existência ou não de preços tabelados, é a existência ou não de um conjunto de requisitos mínimos – de segurança, formação – para o exercício da actividade», aponta o projecto de lei dos comunistas.

O PCP recorda ainda que foi o Governo, com o PS, PSD e CDS, que aprovou a lei 45/2018, tendo-se avançado com um conjunto de compromissos para a modernização do sector do táxi que ainda não saíram do papel.

Apelo
Nesse mesmo dia, uma delegação do Partido, com Bruno Dias e João Ferreira, vereador na Câmara Municipal de Lisboa e deputado no Parlamento Europeu, foi até à Praça dos Restauradores. Florêncio Almeida, presidente da ANTRAL, considerou que aquele documento «é muito importante» para os taxistas e que o PCP «realmente cumpriu com a sua palavra». Carlos Ramos, presidente da FPT, apelou aos partidos para que «sejam capazes» de «aprovar a proposta que o PCP vai sujeitar a votos». Ao longo das intervenções os taxistas iam gritando «nem um passo atrás» e «somos táxi».