«Acordo de Havana é uma oportunidade»
ENTREVISTAUm dirigente da Marcha Patriótica, Cristian Raul Delgado, participou da 42.ª Festa do Avante! e falou do Acordo de Havana entre o governo e as FARC e os avanços da esquerda colombiana.
A direita colombiana é a ponta de lança do imperialismo dos EUA
A Marcha Patriótica, criada na Colômbia em 2012, é hoje uma coordenação social e política de estruturas, integrada por organizações camponesas, estudantis, indígenas, de mulheres e de jovens.
Avante! – Qual a situação na Colômbia após as eleições legislativas e presidenciais deste ano?
Cristian Raul Delgado (CRD) – O governo do presidente Iván Duque está a aprofundar a política de direita e neoliberal na Colômbia. Por um lado, ignora o Acordo de Havana, promovendo uma série de reformas e impulsionando debates públicos em que desrespeita o acordo de paz assinado entre o governo colombiano e as FARC [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia/Exército do Povo, movimento guerrilheiro que se transformou no partido político Força Alternativa Revolucionária do Comum], por outro lado, vem desenvolvendo um pacote legislativo contra a saúde e a educação públicas e prepara uma reforma da Lei de Vítimas que defende a espoliação de terras que foram ocupadas durante o conflito armado interno. Tem ainda uma proposta legislativa sobre a questão agrária que ignora os avanços sobre o reconhecimento dos direitos dos camponeses e aprofunda as desigualdades no acesso à terra, procurando fortalecer o latifúndio. É, pois, um pacote de medidas que visa o aprofundamento do neoliberalismo na Colômbia.
Também nos preocupam declarações de responsáveis governamentais no sentido de «regulamentar» os protestos sociais. De igual modo, estamos apreensivos com as intenções do governo em relação ao problema das drogas. Assim como na Colômbia e com gestos governamentais em relação a algumas organizações, como a FARC, porque as declarações públicas não correspondem às práticas adoptadas e não são cumpridas as correspondentes medidas legislativas. Por exemplo, estava agendada no parlamento a apresentação de um balanço do diálogo de paz em curso entre o governo e o Exército de Libertação Nacional (ELN), mas passou o prazo previsto e não houve balanço.
E quanto à violência da extrema-direita contra líderes sociais?
CRD – A violência aumentou desde a posse do novo presidente, em Agosto último, e continuam a ser assassinados dirigentes sociais e defensores dos direitos humanos na Colômbia. Quero realçar que estão a assassinar mais de um líder e defensor dos direitos humanos por dia. Em 2018 já assassinaram 134 companheiros e companheiras e, também neste ano, mataram 47 ex-combatentes das FARC em processo de reintegração.
Não são só os homicídios, intensificaram-se também as ameaças e os atentados por parte de sicários armados contra líderes sociais e defensores dos direitos humanos e ex-combatentes das FARC. E a isto junta-se também a expulsão forçada de camponesas e camponesas das suas terras, em zonas controladas completamente por grupos de para-militares, perante a passividade do Estado colombiano.
Como se perspectiva a luta para fazer cumprir as medidas previstas no Acordo de Havana?
CRD – Nós entendemos o Acordo de Havana como uma oportunidade. É uma oportunidade que os ex-combatentes das FARC dão ao povo colombiano. Temos um governo de ultra-direita, que ganhou as eleições, mas esse acordo permitiu e potenciou a unidade popular na Colômbia. No quadro do acordo, houve um plebiscito que foi uma ocasião histórica, já que mais de seis milhões de pessoas votaram apoiando o acordo de paz. Isto, num país em que a esquerda democrática só tinha conseguido até então dois milhões de votos. Posteriormente, realizaram-se as eleições presidenciais e construiu-se a unidade, com uma confluência social de organizações camponesas, indígenas e outras, uma unidade com a participação dos partidos políticos, a qual se articulou em torno de quatro eixos fundamentais. O primeiro é a solução política do conflito interno apoiando o Acordo de Havana e o diálogo com o ELN; o segundo é a defesa dos direitos humanos e a denúncia das suas violações; o terceiro tem a ver com o aprofundamento da democracia; e o quarto é a luta frontal contra a corrupção.
Esta unidade permitiu que muitos colombianos sem partido se tenham vinculado à nossa proposta, contribuindo para que o candidato presidencial Gustavo Petro tenha conquistado mais de oito milhões de votos, uma votação histórica. Mais recentemente, realizou-se uma consulta sobre a corrupção, em que as forças unitárias alcançaram 11 milhões de votos.
Há, pois, um avanço nos processos unitários, há uma esperança que permite ver uma possibilidade. A par disto, há manifestações de resistência e luta nas ruas, de diferentes sectores que denunciam as políticas do regime e apoiam o acordo de paz.
Sobre as bases militares dos EUA na Colômbia, qual o sentimento popular no país?
CRD – Há, claro, uma rejeição popular em todas as suas dimensões das bases militares norte-americanas e da intervenção estado-unidense, até porque ela é parte da violência na Colômbia. Tem havido denúncias de como os militares norte-americanos violam crianças, engravidam mulheres, destroem habitações, torturam pessoas no nosso país e tudo isto com a maior impunidade. Há uma cooperação militar histórica entre o governo dos EUA e o governo da Colômbia, que uma parte da sociedade denuncia e rejeita.
A direita colombiana – quem está no poder, de facto, por detrás de Iván Duque, é o antigo presidente Álvaro Uribe – é a ponta de lança do imperialismo norte-americano na América Latina. Houve uma declaração recente do ex-presidente Juan Manuel Santos a apoiar a ultra-direita venezuelana, afirmando que seria legal derrubar militarmente o legítimo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Do nosso ponto de vista, o imperialismo está a endurecer a sua «guerra branda» contra a Venezuela.