Agir já no caminho-de-ferro
INADIÁVEL O Governo deve seguir a resolução aprovada na AR há dois meses, garantir investimentos e pôr termo a protelamentos ou cativações, para evitar a ruptura no transporte ferroviário.
Directivas da UE não ilibam governos do PS, do PSD e do CDS
A «profunda degradação e iminente ruptura» no transporte ferroviário «tem causas e responsáveis, há muito identificados pelo PCP», começou por assinalar João Ferreira, membro do Comité Central do Partido, numa conferência de imprensa, segunda-feira, dia 13, no centro de trabalho da Rua Soeiro Pereira Gomes, em Lisboa.
«Há largos anos que no essencial as políticas para o sector ferroviário nacional são guiadas e articuladas com um conjunto de políticas da União Europeia, agrupadas em grandes “pacotes legislativos”», recordou o deputado do PCP no Parlamento Europeu.
No entanto, «este facto não iliba, antes pelo contrário, os partidos (PS, PSD e CDS) que na União Europeia defenderam e aprovaram essas políticas e as concretizaram em Portugal» e que «a cada momento contaram com a denúncia e a apresentação de alternativas, por parte do PCP, e com a luta dos trabalhadores ferroviários».
O Partido «continuará a intervir para assegurar a concretização de uma política de investimentos articulada com a dinamização do aparelho produtivo nacional». No actual momento, «impõe-se dar concretização à Resolução sobre “Plano Nacional para o material circulante ferroviário”, aprovada pela Assembleia da República em 15 de Junho, por iniciativa do PCP, garantindo os investimentos correspondentes e pondo termo a protelamentos ou cativações que vêm adiando respostas inadiáveis».
«Sucesso» custou desastre
Os sucessivos «pacotes ferroviários» da UE foram desarticulando, em Portugal e na maioria dos países europeus, a resposta que era assegurada, com elevados padrões de serviço e de segurança, por empresas públicas de âmbito nacional. O objectivo foi «destruir instrumentos de soberania e entregar o controlo ao grande capital e às multinacionais».
O «sucesso» desses pacotes legislativos significou o desastre para a ferrovia nacional, para o direito da população à mobilidade e para os direitos dos trabalhadores.
João Ferreira realçou que este desastre «não é obra do acaso ou de incompetências», «é o preço a pagar pelo sucesso do grande capital», como se vê na evolução de duas empresas alemãs:
– a Siemens eliminou ou comprou o essencial das empresas fabricantes, incluindo a francesa Alstom, e hoje domina o mercado europeu;
– a DB (Deutsche Bahn) tornou-se um dos maiores operadores ferroviários do mundo, domina o transporte de mercadorias na Europa e tem presença significativa na gestão da infra-estrutura e no transporte de passageiros em vários países, incluindo Portugal.
Os passos que a UE quer impor, com o IV Pacote Ferroviário e a tentativa de em 2019 aprofundar a liberalização, «ajudam a explicar a situação de ruptura». As multinacionais «pretendem apropriar-se dos sectores rentáveis da CP (directamente ou usando a Barraqueiro como testa-de-ferro), nomeadamente o Longo Curso e os Urbanos de Lisboa e Porto, e deixar entregue ao Estado apenas os sectores mais deficitários, como é o caso do Regional», acusou João Ferreira.
Ao mesmo tempo, «aqueles que em Portugal colaboram para atingir estes objectivos tudo têm feito para degradar a actual oferta de transporte», procurando assim «reduzir a resistência à sua entrega à exploração capitalista».
Na actual degradação da ferrovia nacional também têm papel importante as imposições orçamentais comunitárias e a sua implementação, particularmente desde 2010. Um exemplo, citado por João Ferreira, é a insistência da UE na «perversa redução» do número de trabalhadores das empresas públicas.
Neste aspecto, «o governo PSD/CDS reduziu centenas de trabalhadores na EMEF» e o actual Governo, «apesar de sucessivas promessas de novas contratações, tem prosseguido esse caminho».
Pressa na separação
No primeiro pacote legislativo ferroviário, a UE preconizou a separação das empresas únicas em operadores de transporte e gestores da infra-estrutura. Esta é uma medida que a Alemanha ainda hoje não concretizou. Em Portugal (às mãos de PS, PSD e CDS e com a oposição do PCP), em vez da separação contabilística então exigida, foi logo retirada à CP a gestão da via e criada a REFER. Mais tarde, a fusão da REFER com a Estradas de Portugal veio agravar os problemas.
O resultado, para lá de ineficiências e desperdícios, é um crescente desfasamento entre os investimentos na infra-estrutura e as necessidades do operador.
Igualmente «a situação da EMEF ultrapassa as barreiras das directivas europeias» e «resulta de opções que PS, PSD e CDS adoptaram». Separar da empresa-mãe as oficinas é uma medida «nunca concretizada noutros operadores europeus». Foi tomada «para tentar quebrar a unidade dos ferroviários» e «está a ter o resultado inevitável: a CP tem hoje o parque de material circulante no pior estado de conservação das últimas décadas».