Efeitos da política de direita na saúde sexual e reprodutiva da mulher
SAÚDE O SNS tem de garantir a universalidade dos direitos sexuais e reprodutivos em igualdade para todas as mulheres em todo o ciclo de vida, na prevenção, no diagnóstico e no tratamento.
Só o Serviço Nacional de Saúde pode garantir a universalidade e equidade na prestação de cuidados de saúde
LUSA
No plano internacional, os direitos sexuais e reprodutivos foram consagrados, em 1995, com a Declaração e Plataforma de Acção de Pequim, adoptada pela IV Conferência Mundial sobre a Mulher da ONU. Esta consagração permitiu considerar a saúde sexual e reprodutiva como um barómetro do desenvolvimento humano com impacto no indivíduo, na família e na sociedade como um todo.
O PCP tem dado o seu contributo, ao longo dos anos, para o aprofundamento do enquadramento legal relativo aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres ao longo do seu ciclo de vida. O efectivo acesso das mulheres a estes direitos exige uma resposta integral nos cuidados de saúde, quanto ao planeamento familiar, ao acompanhamento na gravidez, do parto e pós-parto, na gravidez de risco e prematuridade, ao recém-nascido e às doenças sexualmente transmissíveis.
A efectivação dos direitos das mulheres, na lei e na vida, exige que todas tenham acesso à saúde. Uma exigência que só pode ser cumprida pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), por isso a sua defesa tem estado patente, designadamente, na forte presença das mulheres nas Comissões de Utentes, na Plataforma Lisboa em Defesa do SNS e nas reivindicações do Movimento Democrático de Mulheres, com expressão viva e determinada na Manifestação Nacional de Mulheres de Março passado.
Desinvestimento crónico do SNS
e promiscuidade com o sector privado
Em Portugal, ainda há muito caminho a percorrer, porque a ofensiva dos governos do PS e do PSD/CDS-PP contra o SNS tem sido longa e profunda, através do seu desinvestimento e estrangulamento e com medidas para abrir portas a negócios de milhões do sector privado, com efeitos também na efectivação dos direitos das mulheres.
Em 2004, o Grupo Mello, um dos maiores grupos económicos da área da saúde, considerava que a «saúde era o negócio do século XXI». Por isso defendia a privatização de metade do SNS. Com o actual Governo do PS, pouco mudou no que são as causas estruturantes que afectam o SNS, continuando os orçamentos a não contemplarem a reposição dos cortes profundos do passado e com escandalosos recursos a serem canalizados para o sector privado.
Num país cada vez mais envelhecido, os partidos da política de direita aparecem de vez em quando «muito preocupados» com a promoção da natalidade, mas vão implementantando medidas, também na área da saúde, que criam mais dificuldades às famílias. O PS, em 2006, encerrou 10 maternidades no interior do País – de Bragança até Elvas –, dificultando a acessibilidade das grávidas. Chegou a acontecer, por vezes, haver partos nas ambulâncias…
No ano de 2012, o governo PSD-CDS decidiu encerrar a Maternidade Alfredo da Costa (MAC). As mulheres, com outros segmentos da população e com os trabalhadores da saúde, lutaram contra esta decisão. O PCP agiu com a sua solidariedade à luta e pela via institucional, tendo apresentado na Assembleia da República um projecto de resolução, em Abril de 2013, para a «suspensão imediata do desmantelamento da MAC».
Valeu a pena esta luta, pois a MAC, embora sujeita a um processo de desagregação, continua a ser a maior unidade assistencial de Medicina Perinatal e de Saúde da Mulher.
A luta não pode ter tréguas, dado que o actual Governo não só não tem intenções de projectar novas maternidades como quer encerrar a MAC, aquando da abertura do novo hospital em Lisboa.
Em Coimbra vai nascer uma nova maternidade, mas resultará de uma fusão das duas já existentes, Bissaya Barreto e Daniel de Matos, não sendo certo que, em termos médicos, haja benefícios para as mulheres e para as crianças.
Um outro exemplo de inacção, ou mesmo incúria, do actual Governo é o que se passa na ala pediátrica do Hospital S. João, no Porto, onde as condições são totalmente indignas quer para as crianças quer para familiares e profissionais.
No que respeita ao planeamento familiar, é justo também lembrar que o PCP travou uma longa e difícil luta até conseguir, em 1984, que a AR aprovasse legislação que garantiu esse direito às mulheres e a consagração como uma valência médica em todos os centros de saúde.
É preciso continuar a exigir o cumprimento da legislação, pois existem ainda carências nos cuidados primários que nem sempre garantem o acesso às consultas e aos meios de contracepção, havendo, por vezes, ruptura nos seus stocks. A situação das mulheres deficientes é ainda mais grave, havendo grande lacunas no que respeita à particular atenção no acompanhamento ao nível da sexualidade e de acesso à contracepção.
Investimento na medicina preventiva
não é despesa, é progresso
O PCP sempre defendeu – apresentando propostas nesse sentido em todas as legislaturas – um forte investimento na medicina preventiva, dado o seu impacto positivo nas contas do SNS e na qualidade de vida das populações. O Plano Nacional de Vacinação contempla a vacina que previne o cancro do colo do útero e o País tem das melhores taxas de cobertura da Europa no âmbito dos rastreios do cancro da mama e do colo do útero – 80 e 87 por cento, respectivamente (dados de 2016, do relatório do Ministério da Saúde).
No entanto, as taxas de adesão são apenas de 61,05 e 72 por cento, respectivamente, e no caso da Grande Lisboa os rastreios continuam ainda longe de satisfazer as necessidades: apenas um terço dos centros de saúde da Região de Lisboa e Vale do Tejo faz rastreios ao cancro da mama e segundo o último Relatório de Monitorização e Avaliação dos Rastreios Oncológicos em Portugal, a taxa de despistagem dos tumores da mama era ainda menor (27 por cento) entre os agrupamentos de centros de saúde (ACES) e unidades locais de saúde.
Mas quando se detecta um tumor maligno é necessário tratar depressa, o que muitas vezes não acontece. É disso exemplo as listas de espera para cirurgia. Ainda muito recentemente, no final de Abril, foram divulgadas notícias sobre a existência de mais de 400 mulheres que tiveram cancro da mama há menos de cinco anos – período crítico de reincidência – estarem à espera há mais de 12 meses para fazer uma mamografia ou uma ecografia no IPO de Lisboa. Mais uma vez, a solução encontrada foi o recurso ao sector privado.
Na prevenção e tratamento do cancro do colo do útero, a citologia é muito importante, sendo que no Algarve a obtenção dos resultados demoram tempos sem fim, sem que haja soluções à vista para que os serviços de Anatomia Patológica do Algarve do SNS garantam às mulheres um direito essencial na protecção e promoção da saúde.
Não basta elaborar programas, são urgentes medidas para que todas as mulheres tenham acesso equitativo, na região da Grande Lisboa, aos programas de rastreio do cancro da mama e do colo do útero e, em todo o País, a programas de sensibilização e divulgação para a melhoria das taxas de adesão e ao acesso, em tempo útil, a um serviço hospitalar com capacidade de diagnosticar e tratar todas as doentes, sem discriminação geográfica.
Os tratamentos das doenças cancerosas deixam muitas vezes consequências, por exemplo ao nível da fertilidade e da actividade sexual, com disfunções ou atrofia vaginais, não havendo resposta no que respeita às técnicas de preservação da fertilidade, no acesso a novos tratamentos ou a consultas da especialidade, como no caso de oncosexologia e a aulas de ginástica adaptada gratuitas. As mulheres, com a Revolução de Abril, conquistaram a consagração constitucional da maternidade como valor social eminente e a lei da despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez.
A conquista do direito à IVG foi um avanço civilizacional
O direito inalienável de decisão da mulher sobre uma gravidez indesejada tem tido um impacto positivo na vida das mulheres, sobretudo nas suas camadas mais vulneráveis, ao contribuir no combate às desigualdades económicas e sociais, garantindo saúde, condições de segurança e de dignidade.
Portugal tem sido reconhecido como um exemplo de boas práticas, só possível porque há um SNS. Porém, a política de direita de sucessivos governos não tem potenciado como devia a capacidade de resposta no acesso à IVG, subsistindo desigualdades e assimetrias regionais no aconselhamento para a utilização do contraceptivo mais adequado e na adesão à terapêutica para o planeamento familiar. Continua a aumentar o encaminhamento para a iniciativa privada por parte dos cuidados de saúde primários: cerca de 75 por cento das IVG realizadas no sector privado são encaminhadas pelo SNS.
É disso exemplo o fecho da consulta da IVG, no início do ano, no Hospital Santa Maria, em Lisboa, por falta de enfermeiros especialistas. O Governo não está a abrir concursos, atempadamente, o que está a afectar os serviços de ginecologia e obstetrícia, sendo as utentes também, nestes casos, encaminhadas para o sector privado.
É necessário garantir plena acessibilidade em todo o País à IVG, a liberdade de escolha da mulher ao método contraceptivo, campanhas regulares de informação e sensibilização das mulheres, designadamente para as imigrantes, sobre os direitos na saúde sexual e reprodutiva e formação contínua dos técnicos na área do planeamento familiar.
Cuidados de medicina de reprodução públicos sem resposta
Num país em que há um índice de natalidade muito baixo e onde as mulheres são mães cada vez mais tarde, há uma notória escassez de resposta dos cuidados de medicina de reprodução públicos, sendo que no Sul nem sequer existe nenhum centro de tratamento. Verifica-se, assim, o incremento da privatização dos cuidados de saúde, tornando os princípios constitucionais de igualdade e equidade longe de estarem cumpridos.
O SNS tem de garantir a universalidade destes direitos em igualdade para todas as mulheres em todo o ciclo de vida, nos domínios dos rastreios, diagnóstico e tratamento, com:
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reforço da oferta de cuidados de saúde reprodutiva, assegurando formas mais flexíveis de intervenção junto de grupos populacionais, como são os jovens, as mulheres imigrantes e as mais carenciadas;
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programas para curto e médio prazo, de formação de médicos ginecologistas/obstetras e enfermeiros especialistas;
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acesso universal a tratamentos e medicamentos inovadores.
Na defesa do SNS, para actuar sobre os enormes problemas que o afectam, é também fundamental garantir a participação democrática dos utentes e das suas organizações.
A saúde é indissociável da efectivação da igualdade e, por isso, é urgente romper com este ciclo de desmembramento do SNS e privatização da saúde, algo que só uma política patriótica e de esquerda pode garantir.