Os solidários

Correia da Fonseca

Para preencher o horário esvaziado pelas férias do «Prós e Contras», a RTP escolheu, pelo menos na passada segunda-feira, um programinha intitulado «Notícias do meu País» centrado nas memórias, nostalgias e percursos de portugueses que um dia abalaram daqui para longes terras. Assim, falou-nos de Tomé, que vive na capital do Vietnam, e de Teresa, que há longo tempo está em Havana, onde sobretudo se aplica a cuidar de crianças e que de facto foi como que a figura dominante do programa. Não por acaso, naturalmente; é que Teresa, que mais adequado será designar por Irmã Teresa, professou há já um bom punhado de anos, e em seu torno se estabeleceu um coro sem dúvida justificadíssimo de aplausos e gratidão pelas suas acções e pelos seus sentimentos. Nascida numa aldeia do norte do país, partiu um dia para o mundo, digamos assim, e é unanimemente reconhecido que ao longo do seu percurso sempre se colocou ao serviço dos outros, em constante prova de solidariedade e de sacrifício pessoal. Por isso vive cercada de gratidão, por isso teve agora lugar de honra neste programa da RTP.

Eles e os outros

No que se refere à Irmã Teresa, que de facto se afigura a presença dominante no programa, e a avaliar pelo que nos foi contado, não foram de modo algum excessivos os louvores e aplausos que lhe foram dirigidos: o sacrifício em favor dos outros, o empenhamento na solidariedade quotidiana, a permanente subalternização de interesses próprios quando não a sua inteira eliminação, constituem um conjunto de regras e valores que, com perdão da expressão grosseira, não andam por aí aos pontapés e nem sequer estão tacitamente inscritos nas regras que dominam as actuais sociedades ditas desenvolvidas, isto é, de formatação capitalista. Acrescente-se, que não é de mais: antes pelo contrário. De onde, já se vê, o acrescido mérito da Irmã Teresa. Porém, com obediência a um preceito de objectividade que convém não desrespeitar, é preciso dizer que pelo menos alguns aspectos caracterizadores da virtude global da Irmã Teresa estão também presentes, ainda que mais discretos e menos generalizadamente reconhecidos, noutras criaturas: nos comunistas. Não é preciso evocar as circunstâncias terríveis da clandestinidade em diversos tempos e lugares para reforçar a afirmação: bem se sabe que mesmo em clima pacífico e formalmente democrático os comunistas são muitas vezes olhados de través, discriminados, prejudicados nos percursos profissionais, surdamente hostilizados. E, contudo, os comunistas não desistem de ser solidários, fraternos, construtores de uma sociedade diferente e melhor justamente porque solidária nas suas raízes. Temos, assim, que pelo menos alguns dos louvores no programa justificadamente dirigidos à Irmã Teresa assentam lindamente numa espécie de “retrato-robot” do comunista. Não é pouca coisa. Mas é justo.




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