Concerto Em louvor do Homem

Concerto Sexta-feira, 7 de Setembro às 22h00 no Palco 25 de Abril

Em louvor do Homem

A Música Sinfónica na Celebração do II Centenário do Nascimento de Karl Marx

Programa

Aaron Copland
Fanfarra para o Homem Comum

Leonard Bernstein
Danças Sinfónicas de West Side Story

Felix Mendelssohn
Abertura de A Midsummer Night’s Dream

Piotr Tchaikovsky
Francesca da Rimini
Fantasia sinfónica segundo Dante op. 32

Ludwig van Beethoven
Sinfonia n.º 9 Coral op. 125
(4.º andamento: Finale-Presto)

Orquestra
Sinfonietta de Lisboa

Coro Sinfónico
“Lisboa Cantat”

A Música Sinfónica na Celebração do II Centenário do Nascimento de Karl Marx

O programa da noite sinfónica da Festa do Avante! deste ano assinala o II Centenário do nascimento de Karl Marx, propósito ilustrativo fácil de formular mas difícil de conseguir visto não haver na sua biografia referências explícitas nesse âmbito, embora seja possível encontrar na sua obra uma ou outra referência à arte ou mesmo à música. São referências pontuais, embora importantes para a elucidação do seu pensamento teórico mais geral, nomeadamente, nos Manuscritos Económico-Filosóficos de 1844:

«(...) Tal como só a música desperta o sentido musical do Homem, (…) somente pela riqueza objectivamente desdobrada da essência humana é em parte produzida, em parte desenvolvida, a riqueza da sensibilidade humana subjectiva – um ouvido musical, um olho para a beleza da forma, somente em suma sentidos capazes de fruição humana, sentidos que se confirmam como forças essenciais humanas. (…) portanto, objectivação da essência humana, tanto do ponto de vista teórico como do prático, é precisa tanto para fazer humanos os sentidos do Homem, como para criar sentido humano correspondente a toda a riqueza do ser humano e natural.» (1)

Não podemos definir uma «música marxista». Por vezes procuramos a valorização do critério social, da forma como a música se integra na dinâmica mais viva do tempo em que é produzida. São considerados, sobretudo, os valores extra-musicais, como o texto, quando associados à matéria sonora especificamente musical, que permitem uma aproximação entre a esfera artística e a ideológica (considerando aqui a ideologia num sentido restrito, de tendência, do tomar partido).

Também temos o sentido programático dado à composição musical e reflectido no seu título e, igualmente, a combinação destes dois planos extra-musicais. Neste último, podemos assinalar a obra de um autor desconhecido do grande público, o compositor checo Erwin Schulhoff, nascido em Praga em 1894 e falecido em 1942 num campo de concentração na Alemanha nazi. Foi autor de um Oratório intitulado O Manifesto Comunista, com texto do Manifesto do Partido Comunista, elaborado em 1848 por Marx e Engels. O Oratório começa com a frase «Ein Gespenst geht um in Europa» [Anda um espectro pela Europa]. Porém, a música – nomeadamente a música sinfónica – pode ser trazida à efeméride dos 200 anos passados sobre o nascimento de Marx por via de outros critérios, talvez não tão explícitos, mas não menos interessantes e válidos. Assim, teremos Marx evocado numa sucessão de obras que se dirigem ao grande público e àquele que acorre ao concerto sinfónico que terá na próxima Festa do Avante! a sua 26.ª edição.

 

Aaron Copland (1900-1990)
«Fanfarra para o Homem Comum»

Como abertura, será apresentada uma obra da autoria do compositor norte-americano Aaron Copland. Tal como Schulhoff, Copland provém de uma família de origem judaica e, como o compositor checo atrás referido, considerado «simpatizante de ideais comunistas», de tal forma que foi perseguido na fase de maior repressão sobre a intelectualidade progressista norte-americana e que leva o nome da sinistra figura do senador Joseph McCarthy: o macartismo.

Aaron Copland nasce no ano de 1900, em Brooklin, na cidade de Nova Iorque, onde irá falecer aos 90 anos de idade. Na década de 1920 vai para Paris, onde estuda com Nadia Boulanger. Em Paris convive, entre outros, com Ernst Hemingway, Ezra Pound, Marcel Proust, Paul Valéry, Jean-Paul Sartre, Pablo Picasso e Marc Chagall. Em 1947 recebe o Prémio Pulitzer de Música, pela sua afamada composição Appalachian Spring. Na mesma época compõe Fanfarra para o Homem Comum, que abrirá o programa do concerto de 6.ª feira, no palco principal da Festa do Avante!.

A nível literário, Copland é autor de um livro intitulado Como Ouvir e Entender a Música. Nessa obra sintetiza: a música tem um significado? Sim! Podemos em palavras dizer que significado é esse? Não!: Copland refere-se ao conteúdo intrinsecamente musical. Também entre nós a questão da relação entre a forma e o conteúdo foi objecto de aprofundamento, que Álvaro Cunhal procurou elucidar na sua obra A Arte, o Artista e a Sociedade.

 

Leonard Bernstein (1918-1990)
Danças Sinfónicas de West Side Story

Copland assume, na sua produção literária, preocupações que veremos em outro seu compatriota, Leonard Bernstein, cujo centenário do nascimento se celebra também este ano. Pianista, compositor e maestro norte-americano nascido em 1918 e falecido em 1990, Bernstein, tornou-se conhecido do grande público através da série de programas televisivos Concertos para Jovens (produzidos entre 1954 e 1989 e em parte transmitidos, na época, pela RTP) e das suas composições Candide (opereta baseada na sátira Cândido ou o Optimismo, escrita em 1759 por Voltaire, sob a impressão do terramoto que assolou Lisboa em 1755) e West Side Story.

É deste musical, com argumento da autoria de Arthur Laurents, inspirado em Romeu e Julieta de Shakespeare, que será extraída a segunda obra do programa, a qual evoca os conflitos étnicos vividos em Upper West Side, bairro de Nova Iorque, na década de 1950. O drama acompanha a rivalidade de dois gangs, os Jets e os Sharks (estes oriundos de Porto Rico). A música irá reflectir o fio condutor do drama nos vários números que compõem as Danças Sinfónicas de West Side Story (Prólogo; Somewhere; Scherzo; Mambo; Cha-Cha; Meeting Scene; Cool; Rumble e Finale).

De certa forma, vemos em West Side Story retratados os conflitos sociais que, no seio da classe trabalhadora, têm nos EUA uma forte carga étnica. O imaginário desses conflitos reproduz as contradições sociais lidas através do prisma literário ao longo da História, tendo como eixo o relacionamento amoroso, com recurso à tipificação estabelecida desde o séc. XVI por William Shakespeare.

E será novamente deste autor a referência à terceira obra do programa e, com ela, um elo a Marx: a Abertura Sonho de uma Noite de Verão, de Felix Mendelssohn-Bartholdy.

 

Felix Mendelssohn-Bartholdy (1809-1847)
Abertura de “Sonho de Uma Noite de Verão”, op. 21

Embora apresentada apenas na sua componente sinfónica, Sonho de uma Noite de Verão de Mendelssohn tem por base a peça homónima de Shakespeare. E, encontraremos uma referência a ela em Marx, na Crítica à Filosofia do Direito de Hegel, texto datado de 1843, na passagem em que Marx analisa o problema da mediação do poder e o papel desempenhado pela sociedade civil.

Diz Marx: «um homem que se encontra entre dois litigantes e, então, um destes, por sua vez, coloca-se entre o intermediário e o outro litigante. (…) Tal como o leão no Sonho de Uma Noite de Verão, que exclama:“Eu sou um leão e não sou um leão, eu sou Marmelo”. Assim, cada extremo é, aqui, ora o leão da oposição, ora o Marmelo da mediação. Quando um extremo grita: “agora eu sou o meio”, os outros dois não podem tocar nele, mas apenas golpear aquele que, antes, era o extremo. Trata-se de uma sociedade belicosa em seu âmago» (2).

Nesta contraditória função de mediação, que nos lembra na política doméstica a dita «alternância democrática», a sociedade capitalista que se ergue por via da mecanização industrial não deixou de apreciar o fausto lustroso da aristocracia decadente, algo que podemos apreciar na Abertura Sonho de uma Noite de Verão, de Mendelssohn.

 

Piotr Ilytch Tchaikovsky(1840-1893)
«Francesca da Rimini» Fantasia Sinfónica segundo Dante, op. 32

É também da vida da aristocracia, desta feita, do medievo, que será extraído o tema da obra seguinte, de Tchaikovsky. O poema sinfónico «Francesca da Rimini» evoca a história de Francesca de Rimini (ou de Polenta), nobre medieval que viveu em Itália entre 1255 e 1285. Foi imortalizada por Dante Alighieri, escritor dela contemporâneo, no Canto V de A Divina Comédia, obra que Marx cita na conclusão do prefácio à 1.ª edição de O Capital: «Todo o juízo da crítica científica é para mim bem-vindo. Face aos pré-juízos da chamada opinião pública, a quem nunca fiz concessões, vale para mim, tal como anteriormente, a divisa do grande Florentino: Segui il tuo corso, e lascia dir le genti!» [Segue o teu caminho e deixa falar o Mundo]» (3).

As referências pontuais que colhemos no texto marxiano, suscitadas pelas obras alinhadas no programa do concerto sinfónico da Festa do Avante! deste ano, permitem-nos compreendê-las enquanto evocação do grande filósofo do séc. XIX, fundador do comunismo científico. Todavia, essa compreensão requer o reconhecimento da natureza dialéctica que se observa entre a obra musical, o momento histórico em que foi criada, os significados a ela atribuídos e o sentido que é dado pelo seu uso social, momento em que adquire o seu valor simbólico actual.

 

Ludwig van Beethoven(1770-1827)
Sinfonia n.º 9 em Ré menor, op. 125
4º. andamento – Finale

A celebração do sentido de humanidade que caracteriza o processo de transformação revolucionária das sociedades ao longo da História fica plenamente representada pela obra que finaliza o programa: o 4.º andamento da Nona Sinfonia de Beethoven. Três grandes compositores alemães — Haydn, Mozart e Beethoven — que foram, de certa forma contemporâneos (Haydn, pela vida longeva, sobreviveu a Mozart e pôde conhecer o trajecto de Beethoven) permitem-nos, pela tipificação que encarnam, perceber a transformação operada na situação social do músico e do sentido social da própria música. Haydn ao serviço do príncipe Nicolaus Eszterházy, Mozart como o exemplo do músico que se autonomiza face à corte, levando a sua arte às necessidades da burguesia em ascensão e Beethoven, que impõe o génio criador sem se alhear das grandes transformações históricas do seu tempo, a Revolução Francesa e a traição napoleónica aos ideais de Liberdade, Igualdade, Fraternidade — Beethoven inicialmente dedica a sua 3ª sinfonia Eroica a Napoleão. Quando este se torna Imperador, Beethoven altera a dedicatória (para «sinfonia heróica, composta para celebrar a memória de um grande homem»).

Na Nona Sinfonia, Beethoven procura a forma de contemplar musicalmente versos de Schiller, universalmente conhecidos e associados à música de Beethoven, no Hino à Alegria. Aquando da edição da Festa do Avante! de 2001, momento em que a Nona Sinfonia de Beethoven foi interpretada na íntegra, indicava-se nas notas então publicadas ser «do conhecimento público, na época de Schiller e de Beethoven, que o primeiro tinha escrito primitivamente uma Ode à Liberdade, e que depois, receando a censura, tinha substituído a palavra Freiheit [liberdade] pela palavra Freude [alegria]» (4). Sublinhava-se muito justamente, naquela ocasião, ser o 4.º andamento da Sinfonia Coral um Hino à Humanidade.

Alexandre Branco Weffort (ABW)

(1) Karl Marx, Manuscritos Económico-Filosóficos de 1844, Biblioteca do Marxismo-Leninismo, n.º 26, Edições Avante!, Lisboa, 1993, págs. 98/99.

(2) Karl Marx (2010 [1843]), Crítica à filosofia do direito de Hegel, Boitempo, São Paulo, p. 104.

(3) Karl Marx(1867), O Capital, vol I, Prefácio à primeira edição, Edições Progresso-Editorial Avante!, Moscovo-Lisboa, 1990, p. 11.

(4) Em https://www.pcp.pt/actpol/temas/favante/festa2001/artistas/nona-sinfonia.html

 

Notas sobre o repertório

Aaron Copland (1900-1990)
«Fanfarra para o Homem Comum»

A Fanfarra para o Homem Comum foi dedicada por Aaron Copland aos milhares de trabalhadores que deram suporte à produção em período de guerra – foi composta em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial – e àqueles que deram a vida nos campos de batalha.

Obra para conjunto de metais (trompas, trompetes, trombones e tuba) e de percussão (tímpanos, gongo e bombo), foi composta para a Orquestra Sinfónica de Cincinnati, por solicitação do seu maestro à altura, Eugene Goosens, para a temporada de concertos de 1942-43. Goosens procurava seguir a experiência feita durante a Primeira Grande Guerra, quando havia encomendado a compositores britânicos a composição de fanfarras para a abertura de concertos sinfónicos.

Assim, em 1942, encomenda um total de 18 fanfarras. Àquela que foi criada por Copland foi sugerido inicialmente o título Fanfarra para os Soldados, ou marinheiros ou aviadores. O título Fanfarra para o Homem Comum está associado à ideia do Século XX como sendo o Século do Homem Comum, proclamada em 1942 por Henry Wallace (então vice-presidente norte americano). Em 1943, Copland teria dito procurar homenagear o homem comum, em tempo de impostos.

O tema será posteriormente utilizado por Copland no quarto andamento da sua terceira sinfonia, onde recebe um tratamento mais desenvolto, seja pela instrumentação empregue, seja pelo desenvolvimento dado no plano tonal.

 ABW

 

Felix Mendelssohn-Bartholdy (1809-1847)
Abertura de Sonho de Uma Noite de Verão, op. 21

Esta obra- prima foi escrita num escasso mês por um adolescente de 16 anos.

Verdadeiro prodígio na música e no piano, mas também na filosofia, nos desportos, na pintura e na cultura geral, Mendelssohn conviveu com os grandes filósofos da sua época – quer com as suas ideias, quer com as próprias personalidades –, sendo aluno de Hegel, que entretanto sucedera a Fichte na Universidade, e pertencendo, ainda adolescente, ao escassíssimo rol de interlocutores filosóficos aceites por Goethe, quando este passava por Hamburgo. Aluno desde criança dos melhores professores de música da época, todos eles próximos de Bach, Haydn, Mozart e Beethoven, Mendelssohn foi o primeiro compositor da chamada geração de 1810 (com Chopin, Schumann e Liszt), alicerçando consigo um sólido conhecimento clássico na abordagem pioneira do Romantismo.

Apesar da sua obra para piano poder acusar aqui e ali alguma «facilidade» do seu génio e dispersão por variadas actividades, a obra orquestral é muito sólida e personalizada, sendo a abertura aqui comentada uma das peças mais conhecidas do repertório sinfónico.

Na idade de 16 anos, Mendelssohn dominava mal a língua inglesa, tendo tomado contacto com a imortal comédia de Shakespeare através da tradução alemã. Entramos no reino encantado de Oberon, através de seis acordes mágicos, tocados pelo naipe dos sopros, pelas madeiras. Imediatamente os violinos introduzem-nos no ambiente feérico da história: um desastrado fauno, Puck, vai trocar as vítimas dos filtros mágicos de amor lançados sobre cada personagem, a mando de Oberon, o rei da floresta mágica onde se embrenharam os casais desavindos –, criando um complicado imbróglio de pares trocados. No final todos recuperam o seu par desejado, concluindo-se que tudo não passou de um Sonho numa Noite de Verão.

Um andamento rápido conduz-nos num esquema clássico bi-temático, entrecortado por motivos secundários. Fazem-se ouvir as fanfarras de Teseu, o burlesco zurrar de Bottom, transformado em burro, ou o rugido do leão.

Esta abertura é um prodígio de agilidade e leveza das cordas, combinadas com os timbres da restante orquestra num murmúrio irisado permanente do próprio génio precoce de Mendelssohn, tão bem adaptado ao ambiente feérico do argumento.

Fausto Neves (FN)

 

Leonard Bernstein (1918-1990)
Danças sinfónicas de «West Side Story»

O musical West Side Story, de onde é extraída a Suite de Danças Sinfónicas, tem origem numa proposta de Jerome Robbins a Leonard Bernstein e Arthur Laurents de colaboração numa adaptação contemporânea de Romeu e Julieta deWilliam Shakespeare.

Nessa proposta de adaptação moderna, feita em 1947, procurou-se inicialmente dar ênfase à conflitualidade social sob o enfoque religioso, de um anti-semitismo católico na comunidade de origem irlandesa, perante uma jovem de origem judaica, sobrevivente do Holocausto.

A orientação da narrativa para os conflitos entre gangs juvenis fixou-se num universo mais próximo à experiência de Laurents, surgindo um novo sujeito: a comunidade migrante originária de Porto Rico.

Assim, a jovem judia transformou-se na porto-riquenha Maria, versão moderna da Julieta de Shakespeare, numa renovada trama de aprisionamento do relacionamento amoroso nas conflitualidades sociais, agora com ênfase nos preconceitos de origem racial, em vez de religioso.

A Suite de Danças Sinfónicas inicia-se com um Prólogo, onde é explorada a rivalidade entre os gangs Sharks e Jets, até à intervenção policial, simbolizada no apito que indica o final desse momento. Segue-se a canção Somewhere, em movimento lento (adagio), numa idealização idílica da superação das rivalidades entre os gangs opositores (Maria, a jovem porto-riquenha apaixona-se por Tony, irmão do líder do gang rival).

O Scherzo, com a indicação de vivace e leggiero, dá seguimento ao quadro em que se desenvolve a vida de cada comunidade, imagem que é quebrada pela realidade do conflito patente em Mambo, dança de origem cubana, em tempo meno presto.

O encontro de Maria e Tony será simbolizado pela dança Cha-cha, num tempo andantino con grazia, ao qual se segue Meeting Scene e Cool Fugue, movimento em que se sublinha a impulsiva hostilidade dos gangs juvenis. Rumble apresenta o clímax da batalha, com a morte dos dois líderes opositores, Riff e Bernardo. No Finale, Maria cantará o seu amor num movimento de retorno à atmosfera idílica de Somewhere.

ABW

 

Piotr Ilytch Tchaikovsky (1840-1893)
«Francesca da Rimini»
Fantasia Sinfónica segundo Dante, op. 32

Tendo feito a sua opção vocacional tardiamente, sob a orientação e apoio dos irmãos Rubinstein (Anton e Nikolai), Tchaikovsky ao estrear o poema-sinfónico Francesca da Rimini (1877) estava ainda no início da sua curta carreira de compositor. Experimentara já argumentos de Shakespeare nas obras Romeu e Julieta e A Tempestade, mas foi ao poeta Dante Alighieri (1265-1321) e à sua obra-prima A Divina Comédia que foi buscar o guião inspirador. A ousadia de um humano se passear pelo além teológico, visitando e comentando os destinos reservados para os homens pela divindade – é esta a situação que Dante, numa postura humanista, ousou pôr em livro. Conhecida a desconcertante relação de Tchaikovsky com o sexo feminino – desde um casamento com seis semanas de duração até à famosa Madame von Meck, sua admiradora e mecenas, vital para a sua carreira de compositor e com quem nunca se encontrou – é o episódio de Francesca da Rimini e do seu amor proibido, que o compositor escolhe para este poema-sinfónico.

Muito impressionado pela gravura Furacão Infernal de Gustave Doré – ilustrando o Canto V de O Inferno da Divina Comédia, em que o próprio Dante, acompanhado por Virgílio, desce aos Infernos –, Tchaikovsky serve-se de uma música decorativa, tumultuosa e com elevado nível sonoro para musicar o rodopio das almas danadas levadas pelo furacão diabólico. Entre elas surgem Francesca e Paolo, relatando a heroína a sua história de amor puro com o amante, traindo assim o seu casamento forçado e soçobrando ambos ao punhal do despótico marido. Concluída a narrativa, o par é de novo levado pelos ventos infernais, no meio de um redemoinho de almas danadas. Espectador infinitamente condoído com a história, Dante perde os sentidos. Influenciado pela visita que então fizera ao Teatro de Bayreuth – onde Wagner estreava as suas óperas –, mas tendo verdadeiramente em fundo a figura de Liszt, que também musicara genialmente a temática danteana, Tchaikovsky utiliza uma introdução ameaçadora, seguida de novos elementos que nos conduzem ao alucinado furacão diabólico das almas danadas: um caos musical magistralmente organizado.

Uma repetição da introdução transportar-nos-á de seguida para a parte central da obra – um tema expressivo de uma infinita tristeza apresentado pelo clarinete, correspondendo ao relato de Francesca.

Uma segunda melodia responde nos violinos, mas a pouco e pouco a agitação instala-se de novo: após uma acalmia efémera, o furacão regressa em força. A obra conclui-se com uma série agressiva de acordes.

Dada a grande dificuldade técnica que a obra coloca à orquestra que a interpreta, Francesca da Rimini é raramente ouvida nas nossas salas de concerto.

FN

 

Ludwig van Beethoven (1770-1827)
Sinfonia n.º 9 em Ré menor, op. 125 4º. andamento –
Finale

Há muito que a ideia de concluir com um coro uma sinfonia desafiava o génio de Beethoven. O amadurecimento desta heresia – colocar o colectivo de vozes na forma instrumental por excelência – ocupou a prudência do génio de Beethoven de várias formas. O 4.º e último andamento desta obra-prima inicia-se com um acorde violento em fortissimo, sustentado pelos sopros, durante longos oito martelados compassos. Sem respirar, violoncelos e contrabaixos unem-se num motivo em recitativo, expondo o tema que será posteriormente cantado pelo baixo. Repetido todo o material apresentado até aqui, a orquestra apresta-se a resumir os três andamentos anteriores, sintetizando-os: ao Allegro inicial, nos seus primeiros compassos em pianissimo, segue-se o retomar do recitativo em fortissimo; o Vivace surge pelos sopros – primeiro motivo do Scherzo. Nova ruptura obtida pelo recitativo dos baixos, surgindo então a reminiscência do Adagio Cantabile que tenta sobrepor-se aos sopros. E enfim, eis que chega a novidade: um Allegro Assai num esboço que a orquestra faz de um tema novo, a 4/4, diatónico e que vai ser a Ode à Alegria conclusivo. O Freunde, nicht diese Töne! — irrompe o baixo (Amigos, abandonai esses sons!). E de imediato, em resposta ao pedido de mudança do baixo, surge a primeira estrofe da Ode à Alegria, com o coro, sem os sopranos, e os solistas a continuar para as seguintes. A novidade desejada pelo baixo impõe-se na sua realidade musical e no ideário maçónico a que os versos de Schiller não são alheios.

«A Música é uma permanente Variação», repetia Beethoven já no fim da sua vida. E a melodia essencial da Ode sofre também a sua primeira variação: Alla Marcia e em ternário, nervosamente ritmada, sugerindo o ambiente castrense pela junção, pela primeira vez, à formação orquestral dos instrumentos militares – bombo, címbalos e triângulo –, lembrando porventura que a Alegria (Liberdade?) pode ter que ser defendida por todos.

O tenor introduz um contra-tema que é retomado pelo coro de homens. Forte desenvolvimento orquestral, em fugato, explosão hínica a que se segue um Andante Maestoso onde, com auxílio de três trombones, se exorta a Humanidade a uma Fraternidade Universal.

As acalmias vão contrastando com as irrupções violentas de som e de emoções. Preparando o grande finale do andamento – a que a influência do canto jubiloso de Fidelio não é estranha – Beethoven arranca em Prestissimo, onde coro, orquestra e solistas exprimem alternadamente e nas respectivas tessituras, a exultação colectiva. O mestre de Bona suspende intérpretes e público num curto Maestoso de dois compassos, a que se seguirá finalmente a entrada do colectivo instrumental num vacarme instrumental de premência impressionante na conclusão da obra.

FN

 

Vasco Pearce de Azevedo
Maestro da Orquestra Sinfonietta de Lisboa

Tendo feito os seus primeiros estudos musicais na Academia de Amadores de Música, começou a interessar-se pela Direcção quando entrou, em 1981, para o Coro da Universidade de Lisboa.

Para além de ter estudado no Instituto Gregoriano e na Escola Superior de Música, ambas em Lisboa, onde teve como professores, nomeadamente, Christopher Bochman e Constança Capdeville, obteve (1989) o Bacharelato em Composição, frequentando vários cursos de direcção de orquestra e coral em Portugal, Espanha, França e Bélgica. A partir dos anos 90, exerce a sua actividade de professor em várias instituições do ensino superior, nas áreas de Análise Musical, Técnicas de Composição, Orquestração e Direcção de Orquestra. Funda em 1985 o Coro de Câmara Sintagma Musicum, com o qual conquista (1988) o 1º. Prémio no concurso Novos Valores da Cultura, sendo, desde 1995, Maestro Titular e Director Musical da Sinfonietta de Lisboa, com a qual estreia diversas obras de compositores portugueses das novas gerações e actua um pouco por todo o país, designadamente em concertos de abertura da Festa do Avante! Como maestro convidado, tem dirigido, entre outras, as Orquestras Sinfónicas Portuguesa, Metropolitana de Lisboa, Nacional do Porto, Filarmonia das Beiras. Foi bolseiro da Comissão Fulbright e da FCG e terminou, em 1995, o mestrado em direcção de orquestra e coro no College-Conservatory of Music em Cincinatti (EUA). É ainda licenciado em Engenharia Electrónica pelo IST, onde foi assistente, leccionando Álgebra e Análise Matemática.

Jorge Carvalho Alves
Maestro do Coro Sinfónico «Lisboa Cantat»

Estudou Direcção Coral no Instituto Gregoriano e na Escola Superior de Música, ambas em Lisboa, tendo frequentado diversos cursos de Direcção Coral e Técnica Vocal em Portugal e no estrangeiro.

Foi membro dos Coros da Universidade de Lisboa e do Teatro Nacional de S. Carlos e ingressa, em 1988, no Coro da FCG. Iniciou a carreira de Direcção Coral no Sintagma Musicum, tendo prosseguido esta actividade no Coro Sinfónico Lisboa Cantat (com o qual já actuou na Festa do Avante!) e, ainda, Orfeão da Covilhã, Grupo Coral de Lagos, Coro da Universidade Católica de Lisboa, Coral Luísa Todi e Coro da Universidade Técnica, que actualmente integra o novo Coro da Universidade de Lisboa. Leccionou Coro e Formação Musical no Conservatório Regional da Covilhã e em outros estabelecimentos de ensino.

 

Concerto / Solistas

Carla Simões (soprano)

Aluna de Ana Paula Russo, Carla Simões terminou o Curso de Canto no Conservatório Nacional de Lisboa com a classificação máxima, tendo depois participado em cursos de aperfeiçoamento com Sara Walker, Tom Krause, Rudolph Knoll (em Salzeburgo) e Elisabete Matos, Mara Zampieri e Jill Feldman, entre outros.

Para além de ter interpretado vários papéis em diversas óperas – entre os quais, Pamina na Flauta Mágica (Mozart), Nora em Raiders to the See (Vaughan Williams), Inês em O Trovador (Verdi) e tantas outras –, estreou-se em 2006 no Teatro Nacional de S. Carlos no elenco da ópera O Nariz de Chostakovitch.

A cantora apresenta-se também em concerto, sendo de destacar o recital Canção e Lieder Europeus na Transição dos séc. XIX/XX ou a sua participação no festival Transeuropéennes, de Rouen, França.

É, ainda, licenciada em Direito, pela Universidade de Lisboa.

 

Cátia Moreso (mezzo-soprano)

Estudou na Guildhall School of Music and Drama, em Londres, onde obteve a Licenciatura em Canto e o grau de Mestre (Curso de Ópera). Bolseira da FCG, trabalhou com Susan Waters no National Opera Studio. É já extenso o repertório de óperas em que participou na sua ainda curta carreira, em papeis tão diversos como Mother Goose em The Rake’s Progress (Stravinsky), Susuki em Madama Butterfly (Puccini), Clotilde em Norma (Bellini), Maddalena e Giovanna em Rigoletto (Verdi), Marcellina em As Bodas de Fígaro (Mozart), Madame de Croissy e Mère Jeanne em O Diálogo das Carmelitas (Poulenc) ou Mrs. Quickly em Falstaff (Verdi). Mas foi ainda solista na situação de concerto, como é o caso, entre tantas outras obras, dos Requiem de Verdi, Mozart ou Bomtempo, Gloria e Magnificat de Vivaldi, Stabat Mater de Pergolesi ou Paixão Segundo S. João de Bach.

 

Nuno de Araújo Pereira (barítono)

Iniciou os estudos musicais no Conservatório Nacional de Música de Coimbra, prosseguindo estudos de canto no Royal Conservatoire of Scotland, frequentando masterclasses de aperfeiçoamento com Renato Bruson, Dimitri Kavrakos ou Tom Krause. Na área da ópera, estreou-se em Darmstadt, no Staatstheater, como Pizarro em Fidelio (Beethoven), seguindo-se Tartaglia na Turandot (Busoni) no Teatro Nacional de S. Carlos. Outros papéis incluem ainda Escamillo em Carmen (Bizet), Tonio em I Pagliacci (Leoncavallo), Germont em La Traviata (Verdi). No repertório de concerto, incluem-se obras de Liszt, Marcos Portugal, Vaughan Williams, Brahms, Fauré, Berlioz ou Dvorak, tendo-se apresentado em recitais em vários países, como Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, Escócia e Inglaterra.

 

Pedro Rodrigues (tenor)

Licenciado em Música (Performance de Canto) pela Universidade de Aveiro, na classe da professora Isabel Alcobia, tem interpretado, como solista, diversas obras, entre as quais se destacam L’Enfance du Christ (Berlioz), Carmina Burana (Orff), Fantasia Coral em Dó Menor op. 80 (Beethoven), Missa de Requiem op. 48 (Fauré), Stabat Mater (Rossini), Paixão Segundo S. Mateus (Bach) ou Missa de Requiem (Verdi). Mas também a ópera tem constituído parte substancial da sua carreira, destacando-se por exemplo os papeis de Don Basilio em As Bodas de Fígaro (Mozart), Don Jose em Carmen (Bizet), Ferrando em Così Fan Tutte (Mozart). Em 2015, foi premiado com o 3.º Prémio no Concurso Jovens Músicos (Antena 2) e, no ano seguinte, foi admitido na Academia de Bel Canto Rodolfo Celletti (Itália), tendo integrado (2016) a Companhia da Nova Ópera de Lisboa.

 

Produção

 

Vasco Pearce de Azevedo

Jorge Carvalho Alves

Ruben de Carvalho

Manuel Jorge Veloso

Textos

Alexandre Branco Weffort

Fausto Neves

Criação Gráfica

José Araújo

Produção Executiva

Inês Mota

Ângela Serrano

Colectivo Espectáculos Festa do Avante!

Realização Vídeo

Medialuso, Lda

Som e Écrãs Vídeo

Sonos, Audiovisuais, Lda

Iluminação

Pedro Leston

Director de Palco

Nuno Cruz

Pianos

Logística FR Pianos

Montagem de Cena

Sonos, Audiovisuais, Lda

Tapada Crew

Cattering

Psicológico

Agradecimentos

Centro Cultural de Belém

Escola Superior de Música de Lisboa

Banda da PSP

Teatro Municipal de São Luís

 

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A Entrada Permanente para a Festa do Avante! já está à venda, sendo possível adquirir o Título de Solidariedade para os três dias da maior iniciativa político-cultural nacional em Centros de Trabalho do PCP, na Ticketline e noutros locais habituais. Para além de a compra antecipada contribuir para que a Festa do Avante! seja maior e melhor, garante uma poupança de 12,5 euros, já que, nos dias 7, 8 e 9 de Setembro a EP custa 37,5 euros.



 



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