Movimento da paz reafirma exigência de dissolução da NATO
PAZ Dezenas de organizações e movimentos sociais portugueses unem-se uma vez mais para condenar os objectivos da cimeira que a NATO realiza em Bruxelas no próximo mês de Julho e exigir a dissolução deste bloco político-militar, em coerência com o que determina a Constituição da República Portuguesa.
Os 29 membros da NATO representam mais de metade dos gastos com armamento
Sob o lema «Sim à Paz! Não à NATO!» estão marcadas para já duas iniciativas públicas, em Lisboa e no Porto: a primeira tem lugar no dia 9 de Julho, às 18 horas, no Largo Camões; a segunda a 12, à mesma hora, na Rua de Santa Catarina.
No documento que serve de apelo à participação em ambas as jornadas, a plataforma de organizações (ver caixa) apresenta as suas exigências: dissolução da NATO; fim das guerras de agressão; desmantelamento do sistema anti-míssil Thaad dos EUA/NATO e encerramento das bases militares em território estrangeiro; abolição das armas nucleares e de destruição massiva; fim da corrida aos armamentos e desarmamento geral, simultâneo e controlado; apoio aos deslocados e refugiados; assinatura e ratificação por parte de Portugal do Tratado de Proibição de Armas Nucleares (ver página 27); e cumprimento pelas autoridades portuguesas dos princípios consagrados no artigo 7.º da Constituição da República Portuguesa.
A justificar mais esta convocatória está a crescente e perigosa tensão belicista que se verifica no mundo, na qual a NATO e as principais potências que a compõem têm as maiores responsabilidades. Desde logo na tensão militar face à Rússia, hoje praticamente cercada por estados membros e aliados da NATO (na Europa, Médio Oriente, Ásia Central e Pacífico), bases militares, esquadras navais e componentes do sistema anti-míssil Thaad. Frequentemente têm lugar exercícios militares de grande envergadura junto às suas fronteiras.
Os promotores das iniciativas acusam ainda a NATO e os seus membros de serem os principais promotores dos «escandalosos aumentos das despesas militares e da corrida aos armamentos». Os números dão-lhes razão: segundo o Instituto Internacional de Estocolmo de Estudos da Paz (Sipri) as despesas militares ascenderam, em 2017, a 1700 mil milhões de dólares, sendo os 29 membros da NATO responsáveis por mais de metade destas (52 por cento). Só os EUA assumem de longe a maior fatia: 600 mil milhões de dólares, ou seja, mais de 30 por cento do total. Os três países que se seguem – China, Arábia Saudita e Rússia – pouco passam, juntos, de metade do valor gasto pelos norte-americanos.
Se aos membros da NATO associarmos outros países aliados (como Israel, Arábia Saudita, Colômbia, Austrália ou Coreia do Sul), num total de 34 países, chega-se a dois terços do total das despesas globais. O restante terço é assumido pelos outros 159 estados do mundo.
Tenebrosos objectivos
Para além da contestação geral à NATO, e inserida nela, está a denúncia e crítica que as organizações e movimentos fazem dos objectivos da cimeira dos próximos dias 11 e 12 na capital belga. Estes foram, aliás, anunciados pelo próprio Secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, no discurso que proferiu no final de Maio na assembleia parlamentar da organização.
Fazendo o devido desconto a eufemismos e meias-palavras, o que Stoltenberg adiantou acerca da agenda da cimeira permite concluir que em debate estarão questões como o aumento das despesas militares dos membros europeus da NATO, até 2024, para dois por cento do seu Produto Interno Bruto; o reforço da presença militar na Europa Oriental, cada vez mais próximo da Rússia, e em países destruídos por guerras de agressão (como Afeganistão, Iraque ou Líbia); e a crescente afirmação da União Europeia como «pilar europeu» da NATO.
Relativamente ao último item importa que se diga algo mais. O processo de militarização da União Europeia teve no ano passado um importante desenvolvimento, com o lançamento da PESCO, sigla inglesa para «Cooperação Estruturada e Permanente» em matérias ditas de «segurança» e «defesa». Os seus objectivos são o incremento das despesas militares dos estados participantes, o desenvolvimento e articulação da indústria armamentista e o aumento da capacidade operacional da UE. A PESCO seguiu-se à criação, meses antes, do Fundo Europeu para a Defesa, enquanto projectos como o Programa Industrial de Defesa Europeia e o Exército Europeu estão longe de estarem definitivamente enterrados.
Porém, a relação entre a UE e a NATO é clara para ambas as partes: a primeira é complementar à segunda, que se mantém como «tutora» da UE e principal organização militar na Europa. No próprio Tratado de Lisboa especifica-se que a política de defesa da União Europeia «respeitará as obrigações decorrentes do Tratado do Atlântico Norte para certos estados-membros que vêem a sua política de defesa comum realizada no quadro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e será compatível com a política de segurança e de defesa comum adoptada nesse âmbito». Stoltenberg referiu-se, no discurso mencionado, ao «novo nível de cooperação total» entre ambas as estruturas.
Para as organizações que promovem os protestos de 9 e 12 de Julho, «a militarização da UE, complementar ou não à NATO, é uma ameaça que urge travar». A conivência da União Europeia com as guerras de agressão promovidas pela NATO ou pelos seus membros revelam plenamente a natureza belicista deste processo de militarização.
Principal ameaça à paz no mundo
Desde a sua criação, em Abril de 1949, que a NATO possibilita aos Estados Unidos uma presença militar significativa na Europa, inexistente até ao final da Segunda Guerra Mundial, quatro anos antes. A chamada «aliança atlântica» constitui desde o primeiro dia um precioso instrumento da política externa dos EUA.
Se até 1991 se procurou fundamentar a tutela norte-americana sobre o continente com a existência da União Soviética e do campo socialista, hoje é a ameaça russa o argumento utilizado para justificar o reforço de forças, equipamento e bases militares dos EUA e da NATO na Europa. A terminologia utilizada seria cómica, não fosse trágica: para os responsáveis da NATO, a começar pelo próprio Secretário-geral, é a Rússia que ameaça as «fronteiras orientais» da NATO e não esta que tem instalada às fronteiras da Rússia milhares de efectivos e sofisticado armamento.
Para a NATO, aliás, fronteiras só as que a força impõe: se até ao desaparecimento da URSS (e da Jugoslávia), no início dos anos 90 do século XX, elas estavam localizadas na República Federal da Alemanha, Turquia e Grécia, hoje integram a NATO países como a Polónia, a Roménia, a Bulgária ou os estados bálticos. Ucrânia e Geórgia são «parceiros estratégicos».
O logro da natureza defensiva
Muito embora o campo socialista só tenha constituído a sua própria aliança militar em 1955, seis anos depois da NATO e em reacção a esta, a NATO sempre apregoou ter um carácter «defensivo» – desmentido desde logo pelo seu papel no golpe militar na Grécia, na invasão turca de Chipre, na criação e desenvolvimento da Rede Gládio, sobretudo em Itália, e nas provocações à Revolução de Abril. Mas é sobretudo após o desaparecimento da União Soviética e do Pacto de Varsóvia que esse logro se revelou em toda a sua expressão, pois a NATO não só não se extinguiu como cresceu e se reforçou.
Aos 12 fundadores – EUA, Canadá, Bélgica, Dinamarca, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Reino Unido e Portugal – juntaram-se, em 1952, a Grécia e a Turquia e três anos depois a República Federal Alemã. A Espanha, que aderiu em 1982, foi o 16.º membro. Em 1999, a entrada na NATO da República Checa, Hungria e Polónia inicia o acelerado alargamento a Leste, prosseguido em 2004 por Bulgária, Estónia, Letónia, Lituânia, Roménia, Eslováquia e Eslovénia. A Albânia e a Croácia, em 2009, e Montenegro, em 2017, completam o lote de 29 países que actualmente compõem a NATO.
Mas a presença da organização não se resume aos países que a integram. Por intermédio dos «acordos bilaterais» ou «parcerias estratégicas», ela encontra-se hoje em praticamente todo o mundo: Israel, Colômbia, Japão ou Austrália são alguns dos aliados da NATO.
Aspirante a «polícia do mundo»
O âmbito geográfico não foi o único a ser alargado após o desaparecimento do campo socialista. Em 1999 e novamente em 2010 (na cimeira de Lisboa), a NATO alterou o seu «conceito estratégico», atribuindo-se a capacidade de intervir militarmente em qualquer ponto do mundo e sob qualquer pretexto: o desmantelamento da Jugoslávia e a destruição do Afeganistão, do Iraque ou da Líbia constituem a concretização prática destas alterações.
Particularmente grave, pelas dramáticas consequências globais que pode acarretar, é a constante e crescente tensão militar face à Rússia, que vai muito para lá da retórica: neste momento, nos membros da NATO mais próximos deste país, há dezenas de bases da «aliança atlântica», onde estão instalados milhares de militares e as famosas «brigadas de intervenção rápida». Aí encontram-se também componentes do sistema Thaad, com o qual EUA e NATO procuram romper a «paridade nuclear» com a Rússia e que representa não só uma grave ameaça à estabilidade (na região e no mundo) como um factor de intensificação da corrida aos armamentos.
Ainda no que respeita às armas nucleares, a NATO admite a utilização deste tipo de armamento num primeiro ataque e contra qualquer país, ao mesmo tempo que está a exercer fortes pressões sobre diversos países (membros ou não) para que não assinem e ratifiquem o Tratado de Proibição de Armas Nucleares.
Acabar com a subordinação de Portugal
As acções de protesto em Portugal são assumidas por uma ampla plataforma de organizações e movimentos sociais das mais variadas áreas de intervenção. Para além do CPPC, integram-na organizações de solidariedade e cooperação e de reformados, juventudes partidárias e estruturas do movimento associativo popular e do movimento sindical unitário, da CGTP-IN a diversas uniões e federações e muitos sindicatos.
Alvo da crítica destas organizações é a posição de Portugal face à NATO, de subordinação face a «estratégias e lógicas que nada têm a ver com os reais interesses do País e do povo», como se lê no jornal editado no âmbito desta campanha. Nele, lembra-se ainda que militares portugueses integram contingentes da NATO no Kosovo, Afeganistão e Mali e que o País acolhe diversas instalações desta estrutura militar. A Constituição da República Portuguesa é clara quando aponta à dissolução dos blocos político-militares e compromete o País com a defesa da paz, da cooperação e do desarmamento.