Venezuelanos reelegem Nicolás Maduro em acto eleitoral exemplar

ENTREVISTA João Pimenta Lopes, deputado do PCP no Parlamento Europeu e vice-presidente da Assembleia Parlamentar Euro-latino-americana, fala ao Avante! das eleições de domingo, 20, na República Bolivariana da Venezuela, que presenciou como acompanhante internacional. Nicolas Maduro foi reeleito presidente do país. O PCP saudou a vitória e exigiu respeito pela vontade do povo venezuelano (ver caixa).

O povo acudiu às urnas em paz e tomou a sua decisão

Em que consistiu esta jornada de acompanhamento das eleições presidenciais na Venezuela?

A nossa presença, na sequência do convite que nos foi endereçado, inscreveu-se no acompanhamento internacional ao acto eleitoral do passado dia 20 de Maio. Foram mais de 200 acompanhantes internacionais que puderam verificar no terreno a normalidade com que decorreu o processo. A origem dos acompanhantes foi diversa, cobrindo todos os continentes e com uma diversidade muito grande de países, inclusive de países cujos governos contestaram antecipadamente o acto eleitoral, como os EUA, Canadá, Colômbia, Chile ou a Espanha, entre outros que integram a União Europeia (UE).

Ao longo de três dias, houve um conjunto de actividades que permitiram conhecer a situação política, económica e social no país, os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) – órgão que convocou as eleições –, a forma como decorre o processo eleitoral e a robustez do procedimento que lhe dá suporte.

É importante registar que em 20 anos se realizaram naquele país 24 actos eleitorais. A Revolução Bolivariana e a Constituição de 1999 imprimiram um conjunto de alterações ao processo eleitoral visando assegurar a maior abrangência em termos de participação, assim como garantir a transparência e funcionamento democrático e legal do acto eleitoral. Essa reforma eleitoral levou a que se aumentasse em mais de 6000 os centros de votação, que são hoje mais de 14 000 por todo o país, com um total de 34 143 mesas onde pode votar o povo venezuelano. As medidas tomadas permitiram reduzir os excluídos do acto eleitoral de 20 para três por cento.

Por outro lado, as opções técnicas que levam a um voto que é digital mas que pode ser verificado fisicamente permitiu ultrapassar situações, conhecidas no passado, de fraude eleitoral naquele país.

Como descreves o sistema eleitoral venezuelano?

Confesso que me surpreendeu bastante. Já tinha a percepção da robustez do sistema, mas conhecê-lo directamente permitiu confirmá-lo. Visitámos o centro operacional do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), onde procedem à armazenagem, manutenção e verificação técnica das máquinas de votação. Cada máquina corresponde apenas a uma mesa de votação e integra a informação do caderno eleitoral correspondente. O material é devidamente verificado e registado e segue selado para os centros de votação. O sistema garante redundância quer eléctrica quer material para garantir que o processo nunca fique comprometido por falha técnica. Em cada mesa – que tal como em Portugal tem até cinco elementos e não opera com menos de três, a par dos observadores das listas que podem monitorizar o processo –, a máquina é iniciada com uma chave única. Na abertura é verificado que esta está a «zeros».

Validando o voto, a máquina regista o sentido de votação e emite um boletim de voto que o eleitor confirma se corresponde à sua intenção antes de o introduzir na urna. Finalmente o eleitor descarrega o seu voto no caderno eleitoral em papel, confirmando o exercício do seu direito com a sua assinatura e impressão digital. Quando a mesa fecha, os votos são enviados directamente ao CNE. Os resultados enviados podem ser confirmados através dos votos entrados em urna, verificando se o valor transmitido corresponde ao descarregado naquela. Cada centro eleitoral determina um número de mesas a escrutinar onde se procede, imediatamente ao fecho da mesa, à confrontação, voto a voto, do que consta na urna e do que a máquina regista, o que garante que o valor determinado digitalmente corresponde efectivamente à intenção dos eleitores. É portanto um sistema muito robusto e fiável.

Estratégia derrotada

Nesse contexto, porque que é que achas que uma parte da oposição decidiu não participar no processo eleitoral, promovendo até o seu boicote e apelando à abstenção?

A estratégia da oposição não é nova. Já em 2005 boicotaram e não participaram nas eleições. Assim foi também em Julho do ano passado quando boicotaram as eleições para a Constituinte, processo pelo qual havia antes pugnado. Procuram com tais acções desacreditar os actos eleitorais, mas, afinal, são os únicos responsáveis por se demitirem de participar na vida democrática do país.

Tais acções inserem-se na sua estratégia mais ampla para derrotar a Revolução Bolivariana a todo o custo, incluindo a promoção da violência ou a guerra económica que, desde 2015, procura atingir duramente a população do país. A oposição encontra-se profundamente dividida e sabia de antemão que dificilmente conseguiria ter uma candidatura vencedora às eleições presidenciais – eleições cuja realização exige desde 2016, insista-se –, precisamente por se encontrar dividida. A parte que boicotou as eleições corresponde aos sectores mais violentos da oposição (da qual se distanciaram os candidatos opositores que participaram nestas eleições), sectores que participaram na mesa negocial com vista ao diálogo institucional, ocorrido na República Dominicana, e que em Fevereiro deste ano, instigados pelos EUA e UE, rejeitaram no último instante a assinatura do acordo que havia sido negociado entre o governo e a oposição.

O governo bolivariano manteve, ainda assim, o compromisso de cumprir com o que estava plasmado no acordo. Recorde-se, ainda, que por forma a garantir a integração de sectores da oposição no processo, a ANC adiou o acto eleitoral de 22 de Abril para 20 de Maio.

A estratégia de boicote das eleições presidenciais, coordenada com os EUA e a UE, a quem esta dita oposição tem pedido sucessivamente medidas e mesmo a intervenção directa contra o país e o povo venezuelano, visou promover o não reconhecimento antecipado das eleições, dos resultados e do mandato governamental que delas resulta.

Existe alguma razão para o não reconhecimento da legitimidade das eleições, como propagam os EUA e a UE?

Não, não existem razões para qualquer Estado não reconhecer o acto eleitoral. As eleições presidenciais foram convocadas pela ANC, que foi eleita no respeito do enquadramento constitucional do país. Todas os preceitos legais e constitucionais que enquadram actos eleitorais foram cumpridos e assegurados pela CNE. A estes juntaram-se os compromissos que o Governo bolivariano assumiu com os candidatos opositores, nomeadamente salvaguardas e garantias que incluíam a abertura dos cadernos eleitorais ou a existência de observadores eleitorais.

O processo eleitoral correu de forma absolutamente transparente e, salvo tímidos incidentes, de forma inequivocamente tranquila. O povo venezuelano acudiu às urnas em paz e tomou a sua decisão. As situações que motivaram protestos junto da CNE foram atendidas por aquele organismo, à semelhança do que ocorre noutros países. Não considero que aquelas ocorrências tivessem qualquer expressão nos resultados finais. De resto, e como já expliquei, os resultados eleitorais são expressão da robustez do sistema e é absurdo, como se lê nalguns órgãos de comunicação social, falar-se em fraude.

A postura de não reconhecimento das eleições que assumiram os EUA e a UE, por antecipação e na sequência do acto, não só não tem qualquer fundamento como é uma grave violação do princípio da não ingerência em assuntos internos de estados soberanos, de resto consagrado na Carta das Nações Unidas.

Apesar das consequências do bloqueio e das sanções, o povo venezuelano volta a dar a vitória a Nicolás Maduro. Qual é o significado deste resultado?

É um resultado muito importante tendo em conta as condições particularmente difíceis em que foram disputadas as eleições. É um resultado que legitima, no voto popular, a continuidade do processo bolivariano e a rejeição inequívoca, por parte do povo venezuelano, das políticas de terror e violência que uma fracção da oposição tem promovido, bom como a rejeição das agressões a que o país tem o estado sujeito por via do agravamento da política de sanções económicas e financeiras – uma brutal guerra económica que os EUA e a oligarquia têm imposto, alimentando o mercado negro, a supressão de bens essenciais na distribuição ou a desvalorização do bolívar [moeda nacional].

Este resultado é, simultaneamente, uma expressão de que o povo venezuelano não quer abrir mão do processo que se iniciou em 1998 com a eleição de Hugo Chávez.

As forças progressistas e revolucionárias na Venezuela têm agora grandes desafios na tarefa de responder, de forma firme, à difícil situação económica e social para onde foram empurrados. Simultaneamente encontram-se em melhores condições para resistir e superar a pressão, chantagem e agressão que EUA e UE estão a impor, e ao que pode ser o anúncio do agravamento de sanções.

 

PCP saúda vitória e exige respeito pela vontade do povo

Reagindo ao triunfo de Nicolás Maduro, o PCP, através do gabinete de imprensa, divulgou uma nota que abaixo reproduzimos na íntegra.

«As eleições presidenciais na Venezuela, em que participaram mais de oito milhões de cidadãos, constituíram uma importante jornada democrática cujos resultados traduzem um significativo apoio popular ao processo bolivariano, tão mais significativo quando expresso num difícil contexto de tentativa de condicionamento da livre expressão do povo venezuelano e de manobras golpistas de boicote eleitoral em que se enquadraram os pré-anúncios de não reconhecimento das eleições por parte da administração norte-americana e da União Europeia (UE).

O PCP saúda Nicolas Maduro pela sua reeleição como presidente da República Bolivariana com 68 por cento dos votos expressos, bem como o conjunto das forças revolucionárias, progressistas e patriotas venezuelanas que acabam de alcançar uma importante vitória na resistência às manobras de ingerência e desestabilização contra a Venezuela e de crescente bloqueio económico e financeiro do imperialismo, com destaque para o imperialismo norte-americano.

O PCP condena todas as acções que visem pôr em causa a inquestionável legitimidade das eleições venezuelanas e reclama do Governo português uma postura responsável e de acordo com os princípios da não ingerência, que se traduza no respeito pela independência e soberania da República Bolivariana da Venezuela e pela vontade do povo da Venezuela expressa nas urnas.

O PCP reafirma a solidariedade com a luta dos trabalhadores e povo venezuelanos, com o seu direito a decidir livremente e em paz do seu próprio destino e as suas profundas aspirações em construir um país de justiça, progresso social, desenvolvimento e cooperação.




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