Museus, mercantilização e a venda da alma ao diabo

Ana Mesquita

O mafarrico leva a melhor com a fome na barriga do miserável

O Dia Internacional dos Museus, mesmo aqui à porta, é sempre uma boa oportunidade para aprofundar a reflexão sobre esta área específica da cultura e sobre as linhas políticas que lhe calham em sorte. O PCP tem colocado que a defesa do direito de todos a toda a cultura implica a rejeição de uma política que condena os que, sendo esmagadoramente maioritários, vêem a sua fruição cultural reduzida àquela pequena parcela da cultura que a classe dominante lhes destina.

Tal implica, claro está, uma mudança estrutural que reverta totalmente o caminho de mercantilização da cultura e de mercadorização dos chamados «bens culturais» e que rume a uma verdadeira democratização da cultura. Como obriga à existência de uma política alicerçada na perspectiva da construção e estruturação do serviço público de cultura, reconhecendo-lhe as devidas especificidades e originalidades. Obriga também a um nível de financiamento público digno por via do Orçamento do Estado (OE).

É por isso que o PCP tem defendido a meta de 1% para a Cultura, tal como apresentou em sede de OE2018. Pois nenhum museu consegue cumprir plenamente o seu papel, seja ao nível da Lei-Quadro dos Museus Portugueses e, mais ainda, ao nível do cumprimento do direito à cultura previsto na Constituição, face à situação actualmente vivida.

O gravíssimo problema da falta de pessoal não pode ser iludido: há pouco mais de dez anos, os museus públicos tinham quase o dobro dos trabalhadores. A este facto acresce a precariedade, nomeadamente, de trabalhadores com contrato a termo incerto ou com contrato de emprego inserção.

Na barca das almas
A flagrante depauperização dos meios materiais e financeiros dos museus acaba por empurrá-los para o mercado de venda da alma ao diabo. Tal acontece quando se arrenda espaços museológicos a torto e a direito, impingindo grandes marcas comerciais aos visitantes, muitas vezes subvertendo mesmo o regime de gratuitidade, cujo alargamento foi fruto da intervenção e da proposta do PCP no OE2017.

Haverá casos de museus públicos que acolhem exposições de privados nas suas instalações e obrigando o visitante a pagar em dias de gratuitidade, no caso de o bilhete se destinar à visita de todo o museu. Ou relembrar a invasão, faz agora também um ano, dos automóveis híbridos da Tesla, BMW, Volkswagen, Renault e Hyundai no Museu dos Coches, utilizando peças de museu de pertença colectiva – de todos nós – para publicidade descarada à venda de produtos comerciais no interior das próprias exposições. Isto sem falar em jantaradas e festas de grandes empresas, com pratos e copos espalhados por corrimãos e convivas encostados a pinturas murais palacianas.

O mafarrico leva a melhor na barca das almas contando com a fome na barriga do miserável. Por isso, uma das questões fundamentais para estancar a mercantilização é, de facto, o aumento do investimento, garantindo aos museus condições dignas de funcionamento. Só dessa forma será possível uma programação adequada à natureza das suas colecções, assegurando o respeito pelo regime de gratuitidade de acesso e mesmo alargando-o, como tem sido proposta do PCP.



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