A rã que queria ser boi e o boi que precisa de se mexer

Rui Fernandes

Importa que a resposta aos problemas concretos se concretize

O oco discurso de encerramento de Assunção Cristas, no congresso do CDS, foi, segundo a própria, dedicado à mudança e ao «estar à frente». Ora, o CDS não só esteve mais de uma vez no governo, como teve responsabilidades no MAI, desde logo de 2011 a 2015. Em que é que as forças e serviços de segurança viram e sentiram essa visão de futuro, de modernidade, esse «estar à frente»? Citando o exemplo dado pelo Secretário-geral do PCP, estamos não só em presença da rã que queria ser boi, mas também de uma rã desmemoriada.

Mas se assim é no que respeita ao CDS, não esquecendo o seu parceiro PSD, importa que a resposta aos problemas concretos que afectam os profissionais se concretize. O ritmo de resposta a vários aspectos que decorrem simplesmente do que está consagrado é simplesmente inadmissível.

Olhe-se, por exemplo, para tudo o que decorre do Estatuto da PSP. Quase dois anos e meio para efectivar as promoções a Agente Coordenador e a Chefe Coordenador. O mesmo se pode dizer no que respeita ao número de autorizações para a passagem à pré-aposentação, aos dias complementares de férias, etc. Falta também prover o reposicionamento nos índices remuneratórios, havendo polícias que marcam passo há quase 20 anos, e é preciso dinamizar a abertura de concursos para Chefes e para Chefes Principais. Não perceber que tal desenvolvimento da carreira constitui, para além de um estimulo e acto de justiça, um importante elemento para o funcionamento da Instituição, é não perceber nada. Tal como é necessário implementar o subsídio de risco.

A questão que se coloca está bem de ver: se para levar à prática cada um destes aspectos são precisos dois anos, estamos em presença de uma resposta desgraçada aos problemas, sendo que novos se vão juntando. É preciso estugar o passo. Mas se olharmos para a GNR, para além da questão de fundo de uma força policial com natureza militar e da duplicação de estruturas com a PSP (duas forças, que cumprem, no essencial, a mesma função, com naturezas diferentes), padece dos problemas já referenciados a que soma outros resultantes das suas particularidades. Atente-se que se tem falado muito sobre o reforço de efectivos em curso, mas é preciso ter consciência de que esse reforço tem como destino áreas ligadas com a floresta e incêndios. Decorre disto que a rede dos patrulheiros, ou seja, a rede que visa garantir a segurança das populações tenderá a debilitar-se e, simultaneamente, a sobrecarregar os próprios patrulheiros.

Há um ano foi aprovada na Assembleia da República uma Resolução, apresentada pelo PCP, visando a adopção de medidas nas forças e serviços de segurança para resposta a problemas específicos das mulheres. Um ano depois, não só tudo continua na mesma como, por força dos constrangimentos de efectivos, há aspectos que tendem a regredir, nomeadamente no que respeita às mulheres que são mães.

Fusões e lateralizações

De quando em vez surgem notícias ou opiniões, com maior ou menor solenidade, sobre fusões e/ou extinções. Uma característica une muito dessas opiniões, a saber: passarem ao lado da natureza militar de uma força policial e do sentido da existência de duas forças que cumprem no essencial uma mesma missão de garantia da segurança das populações. Falam da fusão de quase tudo o que tem uma especificidade própria de actuação e um distinto objecto. Quase que seriamos levados a considerar que o objectivo é desviar as atenções daquilo que realmente é evidente e, simultaneamente, gerar instabilidade. É que não se vê qual o interesse da fusão do SEF, da PJ, etc. Aliás, nem nos passa pela cabeça que alguém com bom-senso o pretenda fazer.

O mar de problemas que invade as forças e serviços de segurança sendo, é verdade, o resultado de um processo cumulativo, não pode continuar a servir de justificação para o uso dos argumentos de sempre.




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