Acesso, gestão e fruição de áreas protegidas
Territórios sujeitos a despovoamento, abandono e declínio social
LUSA
No Século XIX, um aristocrata fugido a atribulações em Lisboa refugiou-se nas remotas terras raianas de Idanha-a-Nova e foi acolhido pelos habitantes de Alares. Os habitantes desta aldeia, cujos antepassados eram originários da zona de Monforte da Beira, foram ocupando terras que até aí eram de uso comum, nas quais praticavam uma agricultura de subsistência. O empreendedorismo oportunista fez com que, passadas as atribulações e regressado à capital, o aristocrata tenha registado as terras em seu nome, regressando aos Alares para cobrar renda. Os habitantes, comprovando a tese de Marx e Engels de que a propriedade da terra não foi gerada pela violência, não contestaram e começaram a pagar renda. Anos mais tarde, já no Século XX, os herdeiros destas terras terão vendido as mesmas a habitantes do Rosmaninhal o que originou um conflito que literalmente acabou com a aldeia dos Alares.
A apropriação privada da terra está bem documentada, assim como os seus efeitos. Um dos primeiros escritos de Marx foi sobre a quantidade de presos na Prússia por terem sido apanhados a recolher madeira morta para lenha, em terras que tinham sido de uso comum e que, entretanto, tinham sido apropriadas por privados. Os seus «recentes» proprietários, a primeira coisa que fizeram foi exercer o seu «direito» de cobrar pela madeira morta das suas zonas florestais. Num caso e noutro, a apropriação da propriedade da Terra por poucos determinou o fim do usufruto comum da natureza e dos seus frutos por muitos.
As ruínas da Aldeia dos Alares hoje estão em pleno Parque Natural do Tejo Internacional. No final do Século XX, algumas destas terras foram adquiridas por Frederico Horta e Costa que, sendo originário da zona de Viseu, diz ter chegado a esta zona pela caça, mas jura que vai proteger o ambiente através de uma zona de caça turística, ou seja, uma reserva de caça para quem tem dinheiro para pagar centenas de euros por cada troféu. Para manter os humanos indesejados fora e os animais dentro, esta Zona de Caça Turística decidiu construir vedações com dois metros de altura. As vedações cortam caminhos, em particular o acesso à foz da Ribeira do Aravil, cortando percursos pedestres indicados pelo Parque Natural do Tejo Internacional, nomeadamente o acesso ao Observatório de Aves do Alares.
Efeitos nefastos
O PCP tem vindo a alertar para os efeitos nefastos de uma política de conservação da natureza que coloca o Homem fora da Natureza, que tem conduzido a uma linha de afastamento das pessoas das áreas protegidas em particular, e em primeira análise, as populações residentes nestas zonas. Se por um lado os planos das áreas protegidas são, muitas vezes, meros conjuntos de proibições, sem visão de desenvolvimento e sem a preocupação de trazer vantagens para as populações, atacando sobretudo às actividades populares e tradicionais, por outro lado estes mesmos planos não têm os mesmos critérios para os grandes empreendimentos, mesmo que estes tenham reconhecidos e profundos impactos ambientais.
As políticas de depauperação da capacidade dos serviços do Estado, em particular das estruturas das áreas protegidas e do ICNF, conduziram a uma incapacidade de promover políticas de salvaguarda e defesa destes sensíveis ecossistemas, pela falta de meios humanos e materiais. A lógica de afastamento das pessoas do usufruto da natureza e, em particular das áreas protegidas, conduz a que elas tenham cada vez menos a função de protecção e de promoção do equilíbrio entre a actividade humana e o ecossistema e cada vez mais acabam por funcionar como mecanismo que reserva importantes áreas naturais para apropriação por parte de interesses privados.
As políticas de gestão das áreas protegidas, com o objectivo de impedir a degradação de muitos desses espaços, são incompatíveis com a falta de investimento público e com a degradação da capacidade de resposta das estruturas do Estado. Isto é tanto mais grave quando se trata de territórios sujeitos a despovoamento, abandono e declínio social, a encerramento de serviços públicos de proximidade e das actividades económicas em resultado das políticas de abandono dos espaços rurais e sectores produtivos que lhe dão vida.
Na proposta de lei de bases do Ambiente do PCP, a cada Área Protegida de âmbito nacional devia corresponder uma unidade orgânica de direcção intermédia da administração central, dotada dos meios humanos e técnicos, com um director, o que não está assegurado neste momento na gestão destas áreas.
Na proposta do PCP «todos podem aceder e visitar as áreas protegidas independentemente da sua condição sócio-económica, nos termos dos Planos de Ordenamento das respectivas áreas» e estes são «acompanhados por um Plano de Desenvolvimento e Investimento que contempla as medidas de ordenamento e de intervenção do Estado no sentido de assegurar o desenvolvimento local e regional no interior e na envolvente da respectiva área protegida.»