Falta pensar mais na saúde dos portugueses e menos nos negócios com a saúde
O investimento na saúde é insuficiente e isso tem vindo a agravar vários problemas, alerta o PCP, que critica o facto de em simultâneo dinheiros públicos continuarem a alimentar negócios privados.
Falta de meios humanos e financeiros reflecte-se nos serviços
LUSA
O tema esteve presente dia 6 no debate quinzenal pela voz do Secretário-geral do PCP, que confrontou o primeiro-ministro com o «acumular de problemas laborais» naquele sector, a que se junta o que definiu como «incapacidade de resolver a situação nos Cuidados Primários», a par da «falta de meios humanos e financeiros para garantir o normal funcionamento dos hospitais do SNS» e para «renovar equipamentos».
Paralelamente, «vão sendo conhecidas decisões que levam a maiores transferências de dinheiros públicos para grupos privados», constatou o líder comunista, exemplificando com o prolongamento da parceria público-privada (PPP) de Cascais por mais dois anos, o anúncio de uma nova PPP para o hospital Lisboa Oriental, ou o encerramento de seis hospitais do Centro Hospitalar Lisboa Central.
Apontado foi ainda o caso da ADSE e de outros sub-sistemas públicos de saúde, utilizados de igual forma como «plataforma de transferência de somas avultadas para os grupos privados».
Daí a pergunta de Jerónimo de Sousa ao primeiro-ministro: «Para quando um verdadeiro investimento na saúde a pensar mais nos portugueses e menos no negócio da saúde e no défice das contas públicas?»
Torneando por completo a questão das PPP, António Costa, na resposta, preferiu falar do «enorme esforço» que disse ser necessário fazer para «repor o que foi o desinvestimento acumulado no conjunto dos serviços públicos».
Esforço que disse «estar a ser feito» e que o Governo «prosseguirá relativamente ao SNS». Deu como exemplo a contratação desde 2015 de mais 5800 profissionais, afiançando que isso se traduziu em resultados concretos: «mais 607 mil consultas nos cuidados primários, mais 50 mil consultas hospitalares, mais 11700 cirurgias nos hospitais».
O chefe do Governo referiu ainda o acréscimo de mais 36 novas unidades de saúde familiar relativamente às existentes em 2015, mais 670 camas de cuidados continuados, declarando, por outro lado, estar em curso um investimento na remodelação de blocos operatórios e de urgências em vários hospitais.
«É um esforço grande de investimento que tem vindo a ser feito», sustentou, reconhecendo todavia que o retrocesso, sobretudo nos quatro anos anteriores à actual legislatura, requer um «esforço acrescido de contratação de pessoas, de investimento de equipamento, nas instalações».
Fazer justiça e não impedi-la
Na sua primeira intervenção Jerónimo de Sousa falou da necessidade de valorizar o trabalho e os trabalhadores, os seus direitos e salários, dizendo ser esta uma «questão central». E a referência surgiu a propósito do salário mínimo nacional e da defesa do respectivo aumento para 600 euros em 2018, como o PCP tem persistentemente batalhado. Travar esse aumento nos 580 euros, considerou, «significa travar a justiça para com os trabalhadores que criam a riqueza mas também travar as possibilidades de desenvolvimento económico, de criação de emprego e de mais sustentabilidade à Segurança Social».
«Só a condenável insistência na exploração, nos baixos salários e na pobreza pode ser invocada para resistir à concretização desse aumento e esse não é caminho para Portugal», observou o líder comunista, interpelando o primeiro-ministro, que sobre esta matéria apenas adiantou que a proposta do Governo de 580 euros para 2018, a juntar aos aumentos nos dois anos anteriores, representa um aumento acumulado de 15 por cento no SMN.
Resposta à seca é insuficiente
No centro do debate esteve igualmente a grave situação de seca e seus efeitos no abastecimento de água às populações, na agricultura e na agro-pecuária, que as chuvas dos últimos dias pouco alterou, com Jerónimo de Sousa a sublinhar a necessidade não só de «medidas imediatas» que mitiguem o quadro actual de problemas como de «medidas para garantir que no futuro não falte água nas torneiras para consumo humano nem nos campos para assegurar a produção agrícola e agro-pecuária».
«Os agricultores queixam-se de não serem ouvidos e de as medidas anunciadas pelo Governo não serem adequados ou de ser impossível aceder-lhes», salientou o Secretário-geral do PCP, questionando por isso o primeiro-ministro sobre o que vai o Executivo fazer, «considerando a situação de quase calamidade que estamos a viver, a insuficiência ou desadequação das medidas anunciadas e as múltiplas preocupações que estão colocadas».
Na resposta, depois de considerar que esta é a seca mais grave dos «últimos 80 anos», António Costa referiu que desde Maio que várias medidas foram adoptadas pelo Governo, dirigidas em particular aos agricultores, como a criação de uma «linha de crédito garantido», com um montante global de cinco milhões de euros, podendo o montante de cada beneficiário ascender aos 15 mil euros».
Entre as medidas de apoio destacou ainda a que está destinada à aquisição de alimentos no montante de dois milhões de euros, disponível em 44 municípios atingidos pelos incêndios, bem como a abertura de avisos (no âmbito do Programa de Desenvolvimento Regional) para a «captação e armazenamento de água, envolvendo 15 milhões de euros».
A concessão de autorização para a utilização de áreas de pousio para pastoreio, a par de um «adiantamento de 70% de apoios comunitários que já permitiram fazer chegar 500 milhões de euros aos agricultores», foram duas outras medidas enunciadas pelo chefe do Governo, que revelou ainda terem sido licenciadas entre Junho e Outubro deste ano 5600 captações, 90 por cento das quais destinadas à rega, pecuária e beberamento dos animais.
Adiantou, por fim, que o Governo está a analisar um conjunto de medidas «com impacto de médio e longo prazo», visando nomeadamente avaliar a «possibilidade de interligação das grandes barragens e albufeiras de maior capacidade para a regularização, o aumento do armazenamento das barragens», a eventual construção de novas barragens e a actualização do «programa nacional de utilização eficiente da água».
Saber ouvir
Estas explicações não fecham o assunto face às preocupações identificadas pelo líder comunista e à insistência que colocou relativamente à necessidade de ouvir os homens do campo. «É preciso ouvir os agricultores», reiterou Jerónimo de Sousa, antes de lançar um repto ao primeiro-ministro: «Ouça-os, em relação às suas preocupações e em relação à sua produção».
É que, do seu ponto de vista, continuam a ser precisos «apoios públicos excepcionais para acudir aos efeitos da seca na agricultura», seja em relação às «pequenas e médias explorações pecuárias», seja em «medidas de apoio no consumo de electricidade, em isenção de taxas, linhas de crédito bonificado e apoios às pequenas e médias explorações familiares». Tal como é fundamental a intervenção do Governo para «impedir a especulação com os preços das rações da alimentação animal», referiu o responsável comunista, que aludiu ainda à necessidade do «investimento e reforço das estruturas públicas para gerir, monitorizar e planificar o uso da água e o cumprimento de protocolos internacionais», como a Convenção de Albufeira, cujo processo de revisão, na sua perspectiva, deve ser iniciado para salvaguarda dos interesses nacionais, «defendendo a fixação de caudais instantâneos mínimos e máximos na fronteira».
Calvário diário e sem melhoras
Em matéria de resposta dos serviços públicos às necessidades da população os problemas não se ficam pela área da Saúde. Preocupante é também o que se passa com os transportes públicos, sobretudo nas áreas metropolitanas, advertiu Jerónimo de Sousa, chamando a atenção para o processo de degradação a que estes têm sido submetidos, pondo em causa «não apenas a qualidade de vida de milhares de passageiros, como as próprias condições de segurança em que viajam».
Uma realidade que atinge os utentes da rede de Metropolitano ou do barco, todos aqueles que estão sujeitos no movimento pendular diário a esse «calvário das horas de espera nas paragens de autocarro ou nas estações de comboio», e que sabem como ninguém que a «situação não melhorou».
Não escamoteando o facto de ter sido interrompida a privatização do Metro e da Carris que o anterior governo PSD/CDS-PP tinha em curso, mas também sem ignorar que passaram dois anos e «nada ou quase nada foi feito para resolver os profundos problemas que atingem as empresas públicas de transportes», como fez questão de frisar, Jerónimo de Sousa sublinhou que «onde sobram promessas, faltam trabalhadores, faltam medidas que ponham a circular os 30 comboios do Metro que estão parados, que ponham a navegar os navios que estão acostados».
E depois de lamentar que no debate do OE de 2018 tenha sido chumbada com os votos do PS, PSD e CDS-PP a proposta do PCP para um reforço do investimento nessas empresas públicas capaz de suprir as restrições a que têm estado sujeitas, o dirigente máximo do PCP criticou que, ao invés, o Governo tenha vindo anunciar um aumento até dois por cento nos preços dos bilhetes e passes nas áreas metropolitanas, retomando o que considerou «um dos traços» que marcou a acção do anterior governo em matéria de transportes públicos.
Numa leitura idêntica à que fez para o sector da saúde, o primeiro-ministro argumentou que também no capítulo dos transportes o Governo tem feito um «enorme esforço para repor aquilo que foi o desinvestimento acumulado» em anos anteriores.
Medidas que permitiram já nos STCP um «aumento de seis por cento no número de utentes, de quatro por cento na Transtejo e na Soflusa e de oito por cento no Metro de Lisboa», detalhou, explicando que isso se deveu ao investimento feito na recuperação de frotas e na contratação de pessoal.
Sem resposta do primeiro-ministro ficou porém a questão dos aumentos dos transportes.
Valorizar avanços e conquistas
Numa breve avaliação ao OE para 2018, tema com que abriu aliás a sua primeira intervenção, o Secretário-geral comunista anotou as limitações de que o mesmo enferma para responder aos problemas estruturais do País, sem deixar simultaneamente de valorizar o «conjunto importante de medidas positivas» nele presentes, pela importância que todas elas têm não só para a melhoria das condições de vida e de trabalho de milhões de portugueses mas também porque todas elas «têm a marca ou o contributo do PCP».
Medidas como, recordou, a redução do IRS como nunca antes aconteceu em Portugal, um novo aumento real das pensões e reformas, avanço na gratuitidade dos manuais escolares, fim do corte de 10% no subsídio de desemprego, tributação mais efectiva às empresas com lucros superiores a 35 milhões de euros, reposição do pagamento do subsídio de Natal por inteiro, melhores perspectivas de reforço dos serviços públicos e do investimento, entre tantas outras.
O chefe do Governo afirmou-se confiante de que, tal como em relação à reposição de rendimentos, há condições para levar por diante a «trajectória de reforço da contratação colectiva», «dignificar o trabalho combatendo a precariedade quer no sector público quer no privado», «continuar a melhorar as condições de vencimento dos trabalhadores como condição essencial para ter menor desigualdade na sociedade – e esse é um objectivo que seguramente partilhamos», rematou, dirigindo-se ao Secretário-geral do PCP.