Tegucigalpa é longe
Embora nem todos o saibam, designadamente os que comandam os telenoticiários da televisão portuguesa, Honduras é um país que existe na América Central, entalado entre a Nicarágua e Guatemala, à beira do mar das Caraíbas. Podendo ser arrolado como um país pequeno sobretudo segundo um critério exigente, não é tão pequeno quanto poderia supor-se: com perto de nove milhões de habitantes está afinal perto da dimensão populacional de Portugal. Se pudéssemos imaginar um cidadão hondurenho da costa Leste do país a olhar em frente para lá das distâncias, poderíamos imaginar também que ele veria Cuba e que essa muito relativa proximidade implicaria alguma contaminação no âmbito dos sonhos, dos projectos, do modo de caminhar para o futuro, e também admitir que essa quase proximidade pode preocupar alguns. Em verdade, como aliás bem se sabe mas poucas vezes é dito, as verdadeiras capitais de muitos dos países das Américas Central e do Sul não estão onde nos disseram estar quando frequentámos o Ensino Secundário mas uns bons quilómetros mais ao Norte, para lá do México, num departamento do Secretariado de Estado em Washington. Aí se tomam decisões fundamentais para cada um dos países «subalternos», pese embora a autonomia formal que ninguém se atreve a questionar em público nem a tomar a sério em privado. E, como facilmente se adivinha, as eventuais excepções, quando existem ou só o queiram ser, não têm a vida fácil.
E se fosse em Caracas?
Foi neste quadro que se realizaram há dias eleições gerais nas Honduras com resultados que começaram por se revelar embaraçosos: calcule-se que com a contagem de resultados já muito avançada, em verdade praticamente fechada, o partido no poder, beneficiário das simpatias expressas e implícitas de Washington, surgia a perder a eleição em favor da oposição, gente decerto ingrata e mal aconselhada que não reconhece as vantagens da obediência e da gratidão perante os Estados Unidos. Logo soaram imagináveis campainhas de alarme e se procedeu ao necessário: foi suspensa a publicação dos resultados eleitorais e, quando ela regressou, já tudo estava em boa ordem, o partido do governo surgia como ganhador. Ingrato, desconfiadão, o povo saiu às ruas da capital, Tegucigalpa, e de outros lugares; aconteceram embates com as forças da (boa e desejável) ordem, houve feridos e uma dúzia de mortos. E aqui entra em cena, digamos assim, a televisão portuguesa: porventura distraída com a quinta Bola de Ouro de Ronaldo ou com sucessos de equivalente relevo, não deu por nada do que acontecia lá longe, à beira do Mar das Caraíbas. Salta uma pergunta: se metade desses mortos tivesse acontecido na Venezuela a televisão portuguesa estaria igualmente embevecida? Outra pergunta: a mais que previsível desigualdade de critérios não constituiria então uma traição escandalosa a deveres elementares? Mas talvez não houvesse escândalo. Porque para que haja escândalo é preciso que haja surpresa. E já não há razões para que, nestas matérias de informações que faltam e também de informações que sobejam, a televisão portuguesa nos surpreenda.