Para que se cumpra Abril no Secundário e no Superior
O que determina o caminho é a luta da juventude e dos estudantes
«Os jovens não querem saber de política» é uma das frases mais vezes repetida por todos os que advogam o conformismo de uma camada social com enorme potencial transformador. Contrariando-a e aos seus objectivos, e bem assim dando resposta à sua injusta repetição, cerca de 200 jovens participaram no último fim-de-semana no Encontro Nacional do Ensino Secundário (ENES) e na Conferência Nacional do Ensino Superior (CNES), convocadas pela JCP.
Entenda-se, não estiveram apenas presentes, participaram, efectivamente, evidenciando que foram construtores das assembleias, da sua fase de preparação – divulgação das iniciativas, discussão de documentos nos colectivos locais procurando envolver colegas não comunistas, recrutando novos membros – à mobilização e organização das deslocações para as reuniões finais em Lisboa. E uma vez instalados o ENES e a CNES, reportaram o que se passa em dezenas de escolas e instituições de ensino universitário e politécnico, apontaram responsabilidades à política de direita e seus agentes, escalpelizaram-lhes os objectivos e recusaram baixar os braços, garantindo que a promoção da unidade e a intensificação da luta concreta por questões concretas é o caminho para que Abril, os seus valores, princípios e direitos, aliás presentes na Constituição da República Portuguesa, estruturem a Educação pública no País e se materializem em cada instituição.
Estes jovens membros da JCP, vindos de Norte a Sul do País representando centenas e centenas de outros, tiveram ainda a «ousadia» de eleger as direcções do trabalho para o Secundário e para o Superior constituídas por camaradas seus (a esmagadora maioria dos quais assumem a responsabilidade pela primeira vez), debater, alterar e votar as resoluções políticas do ENES e da CNES, nas quais se faz o diagnóstico da situação e se aponta propostas e soluções (ver caixas). Findas as assembleias, conviveram e festejaram mais um aniversário da organização revolucionária da juventude portuguesa: a Juventude Comunista Portuguesa (ver abaixo).
Intervir
Os jovens não só querem saber de política como sabem muito de política, tanto mais que testemunharam de viva voz que nas universidades e politécnicos há «colegas que têm de escolher entre alimentar-se ou pagar propinas e manuais» que «na biblioteca têm um ou dois exemplares». Despesas para as quais «a Acção Social existente não chega» e às quais acrescem «custos com habitação e deslocações», havendo casos em que, sendo as «faculdades isoladas ou afastadas [da malha urbana]», a insuficiência de transportes públicos deixa os estudantes «sem transporte a partir das 21h00».
No Superior, a estes problemas acrescem, entre outras, a falta de salas, cadeiras e mesas (existindo faculdades onde o número de inscritos numa disciplina é o dobro da capacidade do anfiteatro); de terminais e ferramentas informáticas «deixando sem alternativa os alunos que não podem comprar um computador e os programas de que necessitam para fazerem os trabalhos»; de funcionários, cantinas e «refeições sociais comportáveis»; de residências e em muitas destas, «para poupar [electricidade e água], impedem-nos de usar os duches ou ligar o aquecimento» – tudo carências que decorrem do desinvestimento no Ensino Público, da sua elitização, privatização e formatação a um processo [Bolonha] que «empurra os estudantes para pagarem duas vezes (licenciatura e mestrado) pelos mesmos conteúdos».
No Secundário, os relatos não diferem muito, considerando o contexto. Faltam salas, funcionários e professores. As escolas estão degradadas e no ENES foi mesmo dado como um exemplo vitorioso da luta terem conseguido «a reposição de papel higiénico e sabonete nas casas-de-banho».
A tentativa de abafar o protesto e reivindicação dos estudantes é porém o problema mais grave. Mas os jovens não se resignam e mesmo perante ameaças e, diga-se, a repressão, lutaram e vão lutar (ver caixa). «Quiseram impedir a concentração, mas os alunos que estavam fora da escola gritavam e os que ficaram atrás do portão fechado respondiam», relatou um estudante.
A este aspecto referiu-se João Frazão, da Comissão Política do PCP, no encerramento da ENES, lembrando que a «amputação da escola pública das suas características democráticas, os ataques que aqui hoje foram denunciados às liberdades e garantias, revelam até onde vai o ataque à democracia. Saudamos a JCP que, partindo da premissa de que os direitos se defendem exercendo-os, ergue todo os dias a bandeira da luta pela democracia e pela liberdade», disse.
Lutar e intervir foi também o mote deixado por Paulo Raimundo, do Secretariado do PCP, no final da CNES, sublinhando que, «não havendo ilusões sobre o PS e o seu papel de “lebre”, de “abre portas” para todos os ataques à escola pública», e muito menos a respeito das «opções de fundo e das amarras a que o Governo se submete», o que determina o caminho que iremos seguir é a luta dos trabalhadores e do povo, é a luta da juventude e dos estudantes», disse ainda o dirigente comunista, antes de apelar a que a acção se desenvolva «onde se sente os problemas e por quem os sente», forjando a «unidade em torno dos objectivos de cada luta».
Durante a Conferência do Superior e o Encontro do Secundário sobejaram os relatos de lutas travadas nas universidades e escolas por objectivos concretos e em defesa da Educação conquistada e construída com Abril, de resto consagrada na Constituição da República Portuguesa. Lutas que, particularmente no Básico e Secundário, têm enfrentado inúmeros obstáculos por traduzirem o inconformismo dos estudantes face à desfiguração do ensino, bem como a capacidade destes de se unirem e tomarem nas suas mãos a defesa dos seus direitos e aspirações.
Nesse sentido, no 14.º ENES foi decidido levar por diante uma campanha sob o lema «Limitam-te? Luta! – Juntos pela democracia nas escolas». Iniciativa, explica-se na moção aprovada por unanimidade e aclamação, cujo objectivo é expressar a recusa dos jovens em aceitarem «os impedimentos à realização de Reuniões Gerais de Alunos (RGA), com a proibição da mobilização dos estudantes, negando a disponibilização de salas ou ameaçando e recorrendo, muitas vezes, à utilização das forças policiais», obrigando-os «a reunir no pátio da escola ou na rua».
Os jovens rejeitam, igualmente, «que em acções de propaganda ou processos de luta as forças policiais identifiquem estudantes para amedontrar», bem como «a proibição de distribuições de documentos de esclarecimento, organização e mobilização para a luta» e a «falta de espaços e de financiamento, as burocracias, custos e entraves às actividades das associações de estudantes»; que as direcções das escolas não reconheçam processos eleitorais» e se intrometam, sem acordo dos alunos, «nos dias de campanha e no dia do acto eleitoral», ou interfiram «na contagem dos votos, influenciando, muitas vezes, o resultado das eleições».
Na campanha que a JCP planeia levar a escolas básicas e secundárias de todo o País deixa-se claro que «estes e outros exemplos provam que o que pretendem é impossibilitar os estudantes de se organizarem, para além de tentarem incutir sentimentos de medo e resignação».
«Nenhum de nós viveu o 25 de Abril, mas conhecemos os seus valores e sabemos que devemos lutar por eles», conclui-se.
A escola a que temos direito
Continuar e intensificar a luta pela escola que queremos, apela-se na resolução política aprovada no 14.º ENES, na qual os jovens comunistas defendem e propõe:
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O reforço do investimento para assegurar uma rede pública de escolas que corresponda às necessidades da população e que promova o sucesso dos estudantes, o que pressupõe desde logo a melhoria das condições infra-estruturais e a contratação de pessoal capaz de responder às exigências de funcionamento e objectivos das escolas, assim como o reforço da Acção Social Escolar em vários domínios;
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Meios materiais e humanos para a inclusão efectiva de todos os estudantes com necessidades educativas especiais e a redução do número de alunos por turma;
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Extinção dos mega-agrupamentos e da Parque Escolar EPE, recuperando a tutela as suas competências, património e trabalhadores;
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A efectiva aplicação da educação sexual nas escolas, de uma forma interdisciplinar e transversal, a reposição do par pedagógico na disciplina de EVT e da área projecto/educação para a cidadania, a valorização e desenvolvimento do Desporto Escolar;
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A gratuitidade dos manuais escolares e do passe social para os que frequentam o ensino obrigatório e a reposição do passe 4_18 para os maiores de 18 anos que se encontram a concluir o Secundário;
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A revogação do diploma de Autonomia e Gestão e a gestão democrática das escolas (fim da figura do director e uma direcção colegial com a participação dos estudantes e de todos os membros da comunidade educativa);
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Cumprimento da autonomia das Associações de Estudantes com liberdade de intervenção e decisão destes, valorização do papel das AE, dos delegados de turma e dos representantes dos alunos em todos os órgãos de gestão da escola, incluindo nos conselhos Directivo e Pedagógico;
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Obrigatoriedade de parecer vinculativo dos estudantes na aprovação de regulamentos internos e a consagração nestes dos direitos e deveres de todos os agentes educativos nos regulamentos;
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A revogação do Estatuto do Aluno;
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O fim dos exames nacionais e a aposta na avaliação contínua nos ciclos de ensino como forma de combater o abandono e o insucesso escolares, bem como o reconhecimento do acesso ao Ensino Superior como princípio universal, implicando o fim progressivo dos numerus clausus e da desigualdade imposta entre os estudantes dos cursos regulares e das vias profissionalizantes;
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Apoio efectivo à frequência de estágios curriculares, designadamente em matéria de despesas, a exigência do pagamento dos estágios profissionais e a redução da carga horária de uns e de outros, actualmente em sete horas diárias;
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Extinção da avaliação por módulos nas vias profissionalizantes.
Pública e para todos
«Em defesa do regime democrático e do cumprimento da Constituição da República Portuguesa, onde se consagra o direito à Educação para todos, devem ser promovidas medidas de igualdade no acesso e na frequência ao Ensino Superior», afirma-se na resolução política aprovada na 16.ª CNES, na qual a JCP exige:
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O fim das propinas e a garantia a todos os estudantes de um Ensino público, gratuito, de qualidade e democrático com o aumento do financiamento público para o seu funcionamento e desenvolvimento;
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Reforço da Acção Social assegurando que as bolsas correspondem às despesas globais dos estudantes (habitação, alimentação, manuais, transportes, etc.), maior número de residências e de cantinas e com condições adequadas àqueles que delas necessitam;
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A passagem de todas as cantinas privatizadas para os serviços da Acção Social e a reabertura daquelas que foram encerradas, a fixação de um preço acessível para as refeições e a garantia da gratuitidade destas aos estudantes bolseiros;
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A saída de Portugal do Processo de Bolonha e o fim da diferenciação entre universitário e politécnico, garantindo o fim da discriminação entre instituições e mesmo entre unidades orgânicas de uma mesma instituição, um Ensino Superior que tenha como objectivo a formação integral dos estudantes e os interesses soberanos do País numa rede integrada de um sistema científico e de investigação;
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A Revogação do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior dando espaço à efectiva participação democrática dos estudantes nos órgãos de gestão das faculdades e universidades em detrimento dos interesses privados que agora neles têm lugar;
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A consagração legislativa do estatuto do trabalhador-estudante e de outros estatutos especiais, tal como já acontece com os estatutos de dirigente associativo e atleta;
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A reposição do Passe Escolar para todos os estudantes independentemente da idade, a gratuitidade dos manuais obrigatórios e a imposição de preços sociais para os restantes, o fim das taxas, emolumentos e outros custos administrativos;
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Combater os estágios curriculares como prestação de trabalho gratuito em vez de servirem efectivamente como componente formativa.
38 anos na vanguarda da juventude
Fundada em 1979 em resultado da fusão da União de Jovens Comunistas e da União de Estudantes Comunistas, a JCP cumpriu 38 anos a 10 de Novembro. A efeméride não foi esquecida e após o ENES e a CNES realizou-se, também na Voz do Operário, um convívio que reuniu muitos do que participaram nas assembleias e muitos outros que não quiseram deixar de assinalar o nascimento e vida da organização revolucionária juvenil portuguesa.
A propósito do aniversário, a JCP emitiu uma nota na qual garante que é a fiel continuadora em Portugal do «património de luta dos jovens que ao longo da história se levantaram, resistiram e nunca se resignaram perante a exploração e a opressão, a pobreza e a falta de condições de vida, o imperialismo e a guerra, o racismo e a xenofobia».
«Todos os dias jovens de todo o País transportam os valores que a JCP defende, como a defesa do trabalho com direitos, a educação pública e gratuita, o direito à habitação e à prática desportiva, o direito à criação e acesso à cultura, o direito a viver num ambiente sadio, entre tantos outros», razão pela qual «comemoramos o aniversário intimamente ligados à luta da juventude que se faz nas escolas, nos locais de trabalho e na rua para defender e conquistar novos direitos, assim como para reconquistar os direitos roubados e a fazer deste um País onde a juventude possa viver».
«Cá estamos e estaremos na luta por uma nova sociedade da e com a juventude», assegura a JCP.