Escultura-memorial em Peniche homenageia e estimula a luta

RE­SISTÊNCIA Na For­ta­leza de Pe­niche gritou-se «fas­cismo nunca mais» no dia 9, sá­bado, na inau­gu­ração do mo­nu­mento de ho­me­nagem aos quase 2500 com­ba­tentes que ali foram en­car­ce­rados no pe­ríodo 1934-1974.

Im­porta manter hoje a de­núncia e a luta contra o fas­cismo

An­tigos presos po­lí­ticos, fa­mi­li­ares, amigos e ca­ma­radas co­me­çaram a chegar ao forte ainda antes das 16 horas apra­zadas. Foram re­ce­bidos com a oferta de cravos ver­me­lhos, logo à en­trada, pouco de­pois de pas­sado o par­la­tório.

Ao som de can­ções dos anos da re­sis­tência an­ti­fas­cista e dos meses logo após a Re­vo­lução, foram avan­çando, ven­cendo em cada passo o peso da idade e das ma­leitas do corpo – que a alma, como se viu nos abraços e no olhar, per­ma­nece sã.

Houve tempo para pas­sear pelo es­paço, sem des­tino, tal como para vi­sitar o museu ou voltar a subir ao Ba­lu­arte Re­dondo, a pi­o­neira edi­fi­cação da for­ta­leza, da qual o fas­cismo fez o «se­gredo», local de iso­la­mento ven­cido na noite de 17 para 18 de De­zembro de 1954 por An­tónio Dias Lou­renço em nome de todos. Vidas de co­ragem e anos de prisão cru­zaram-se nestes mo­mentos com tu­ristas sur­pre­en­didos pelo evento que ia co­meçar.

Cerca das 16h15, o som am­bi­ente foi to­mado pelo con­vite do pre­si­dente da Câ­mara Mu­ni­cipal de Pe­niche, para ini­ciar a ce­ri­mónia. Junto da en­trada, onde o pa­redão se co­meça a alargar, An­tónio José Cor­reia es­tava acom­pa­nhado de ou­tros eleitos dos ór­gãos do mu­ni­cípio, a chamar todos e, em par­ti­cular, o autor da es­cul­tura, a co­or­de­na­dora da URAP (União de Re­sis­tentes An­ti­fas­cistas Por­tu­gueses) e o pro­fessor An­tónio Borges Co­elho.

Entre muitos ou­tros ca­ma­radas, com­pa­re­ceram neste acto so­lene Ângelo Alves (membro da Co­missão Po­lí­tica do Co­mité Cen­tral do PCP), Luísa Araújo (do Se­cre­ta­riado do CC), Ade­laide Alves (do CC), Ma­nuela Ber­nar­dino (da Co­missão Cen­tral de Con­trolo) e Ana Mes­quita (de­pu­tada).

Des­cer­rada a placa alu­siva à inau­gu­ração, ecoou forte a pa­lavra de ordem «Fas­cismo nunca mais, 25 de Abril sempre».

O sím­bolo com­pleta-se
O mi­cro­fone passou para as mãos de José Au­rélio, e o es­cultor falou sobre a obra. «Tentei sim­bo­lizar que até dentro da prisão os pri­si­o­neiros po­lí­ticos foram im­por­tantes, porque be­biam água da li­ber­dade e da vida e trans­mi­tiram sempre força a quem cá es­tava fora», ex­plicou, con­gra­tu­lando-se por Borges Co­elho ter es­crito «uma frase la­pidar e que pode ser lida como a me­mória des­cri­tiva desta peça»: «Dis­seram não... para que a água da vida cor­resse limpa» fica re­cor­tada numa chapa de aço, junto à base do mo­nu­mento.

José Au­rélio de­teve-se ainda sobre as fitas co­lo­ridas com di­zeres, que iam ser dis­tri­buídas para amarrar aos cabos de aço do me­mo­rial. «Co­lo­cadas por quem aqui vier vi­sitar a for­ta­leza e o museu», estas fitas «vão animar e com­pletar o mo­nu­mento» e «ao fim de al­guns anos, es­pero que es­teja co­berto de fitas que, com o vento, lhe vão dar uma ex­pressão muito sig­ni­fi­ca­tiva, com a ho­me­nagem que cada um dos vi­si­tantes presta a cada um dos presos que cá es­ti­veram».

Aos ex-presos po­lí­ticos ali pre­sentes, o pre­si­dente da Câ­mara pediu que co­lo­cassem as pri­meiras fitas e que, antes, to­massem o mi­cro­fone para se iden­ti­fi­carem e lerem a men­sagem que iriam afixar. Foram 32, pelas nossas contas. Al­guns dei­xaram ainda ou­tras pa­la­vras, «es­tamos fe­lizes», «valeu a pena», «a luta con­tinua». Ou­tros co­mo­veram-se e a lei­tura rasgou-se entre as lá­grimas.

De­pois dos eleitos da Câ­mara e As­sem­bleia mu­ni­ci­pais, e de Ma­rília Vil­la­verde Ca­bral, co­or­de­na­dora da URAP, foi anun­ciado que todos os que de­se­jassem po­de­riam ir amarrar uma fita, co­me­çando por al­guns dos fa­mi­li­ares de an­tigos pri­si­o­neiros.

A ce­ri­mónia pros­se­guiu no palco, ins­ta­lado junto à su­bida para os blocos pri­si­o­nais e o Pa­lácio do Go­ver­nador. De­pois das in­ter­ven­ções de An­tónio José Cor­reia e de Ma­rília Vil­la­verde Ca­bral, o pro­grama cul­tural abriu com a ac­tu­ação do grupo Cauda de Te­soura. Ana Aranha, jor­na­lista com tra­balho feito na RDP e em livro sobre os pri­si­o­neiros po­lí­ticos, con­duziu de­pois uma con­versa com Álvaro Pato e Ana­bela Carlos, par­tindo da sua con­dição de fi­lhos de ex-presos de Pe­niche. Por fim, o Coro Lopes-Graça, da Aca­demia de Ama­dores de Mú­sica, in­ter­pretou vá­rias das Can­ções He­róicas, sob di­recção do ma­estro José Ro­bert e com acom­pa­nha­mento de João Lu­cena e Vale, ao piano. 

A pri­meira vez

A es­cul­tura-me­mo­rial inau­gu­rada no sá­bado «é um in­ves­ti­mento da ex­clu­siva res­pon­sa­bi­li­dade da CM de Pe­niche», com o qual o mu­ni­cípio «está a ho­me­na­gear, com o mais alto sen­tido de jus­tiça, todos os cerca de 2500 ci­da­dãos que, lu­tando contra a di­ta­dura fas­cista do “Es­tado Novo”, foram pri­vados da sua li­ber­dade» na for­ta­leza.

Este foi mais um passo da co­la­bo­ração com a URAP, lem­brou An­tónio José Cor­reia, des­ta­cando o «ex­tenso tra­balho de con­sulta do­cu­mental, entre Março de 2012 e Março de 2013, no Re­gisto Geral de Presos, na Torre do Tombo», para ela­borar a lista de todos os que pas­saram pela prisão po­lí­tica de alta se­gu­rança que o fas­cismo ali man­teve du­rante 40 anos.

Da re­so­lução do Con­selho de Mi­nis­tros de 27 de Abril úl­timo (ali reu­nido na data em que se com­ple­tavam 43 anos da li­ber­tação dos presos), des­tacou que de­ter­mina «a cri­ação de um museu na­ci­onal na For­ta­leza de Pe­niche, en­quanto es­paço-me­mória e sím­bolo maior da luta pela de­mo­cracia e pela li­ber­dade» e as­si­nalou que, pela pri­meira vez, foi de­ci­dido ins­crever a re­a­bi­li­tação da for­ta­leza no Or­ça­mento do Es­tado. 

He­róis de uma luta ac­tual

Ao lem­brar o que foi feito desde a ce­le­bração do pro­to­colo com a Câ­mara Mu­ni­cipal de Pe­niche, Ma­rília Vil­la­verde Ca­bral re­feriu que, de­pois de en­con­trados os nomes dos cerca de 2500 pri­si­o­neiros po­lí­ticos, «havia que en­ri­quecer a for­ta­leza com uma es­cul­tura-me­mo­rial, que lem­brasse que ali se so­freu, que ali se lutou, que ali se re­sistiu».

A co­or­de­na­dora da URAP su­bli­nhou que «lutar contra o es­que­ci­mento é a forma que temos de honrar os nossos he­róis, mas é também uma forma de lutar contra o fas­cismo, que em muitos países le­vanta ca­beça». «Em muitos casos, or­ga­ni­za­ções que co­la­bo­raram com Hi­tler e os seus es­birros são aca­ri­nhadas e ho­me­na­ge­adas nos seus países e até em ins­tân­cias in­ter­na­ci­o­nais», pro­testou.

Tal como o pre­si­dente da Câ­mara, re­gistou que o me­mo­rial será com­ple­tado por um mural, com todos aqueles nomes.

O sonho pro­jec­tado há cinco anos (mas cujas pri­meiras pro­postas re­montam a 1978 e à cri­ação de um museu mu­ni­cipal em 1984) tem por pró­ximo ob­jec­tivo o Museu da Re­sis­tência, «onde se possa ficar com uma ideia clara do que foi o fas­cismo, um museu de que o povo de Pe­niche se possa or­gu­lhar, um museu digno do Por­tugal de­mo­crá­tico, um museu que en­ri­queça a nossa his­tória». 

A obra

«A es­cul­tura é cons­ti­tuída por um cubo de três me­tros de aresta, feito em malha de aço de cons­trução» e que «tem um qua­dri­cu­lado que cor­res­ponde a 25 nú­cleos que estão na parte cen­tral e que per­mitem também a in­clusão, na ver­tical, de 25 ele­mentos que são uma re­fe­rência di­recta ao 25 de Abril», re­fere José Au­rélio, num de­poi­mento pu­bli­cado no fo­lheto da inau­gu­ração. «Na ponta de cada um desses va­rões, pe­quenas asas re­forçam a imagem de Li­ber­dade que se pre­tende re­pre­sentar e trans­mitem aos 25 va­rões mo­vi­mentos pro­vo­cados pelo vento que sopra fre­quen­te­mente neste local», ex­plica ainda o es­cultor.