Audição pública do PCP sobre «Bombeiros - missões, meios e desafios»

O logro de uma «reforma» que não ataca as causas fundas dos problemas da floresta

O PCP reapresentará em breve propostas legislativas que há muito defende em matéria de política florestal e de prevenção e combate aos incêndios.

Há que dar respostas imediatas aos que perderam pessoas e bens

O anúncio foi feito por Jerónimo de Sousa sexta-feira passada, 23, ao intervir na AR numa iniciativa da sua bancada no decurso da qual considerou enganador afirmar que a solução dos problemas está na aprovação da reforma florestal do Executivo.

«Anda mal o Governo se insistir agora na chantagem para a aprovação da chamada reforma das florestas», advertiu o líder comunista, sublinhando que não se deve confundir «rapidez com precipitação» e que se a reforma florestal «não está aprovada não é por qualquer capricho do PCP», mas «porque não responde aos problemas essenciais».

«É uma ilusão, é mesmo um logro, afirmar que a aprovação dessa dita reforma, para a qual o Governo PS decidiu avançar sozinho, sem auscultar as estruturas existentes, é a varinha mágica para tapar o essencial». insistiu Jerónimo de Sousa, que falava na audição pública promovida pelo PCP subordinada ao tema «Bombeiros - missões, meios e desafios».

Para o Secretário-geral do PCP, os diplomas do Governo em apreciação na AR desde Abril, e que este pretende ver aprovados ainda no mês de Julho, estão longe de resolver os verdadeiros problemas: «a falta de investimento, as políticas de restrição orçamental, o desmantelamento das estruturas e serviços do Ministério da Agricultura, a desvalorização do preço da madeira».

Falhas e más opções

Pormenorizando alguns dos pontos essenciais onde falha a dita «reforma florestal», apontou desde logo a «não dotação financeira para a sua concretização», com os custos do cadastro florestal a serem transferidos para os proprietários e autarquias.

A subestimação do reforço dos meios humanos e materiais das estruturas do Ministério da Agricultura, ao não considerar esta como uma «necessidade urgente para a intervenção nas florestas», é outra fragilidade identificada pelo dirigente máximo do PCP, que critica também os «novos apoios» previstos aos «grandes interesses da indústria florestal».

A inexistência de referências à necessidade de valorizar o preço da madeira (garantindo um preço justo, combatendo práticas comerciais agressivas e importações sem controlo) e a insistência na «tese do esbulho das terras ditas sem dono conhecido», constituem outros dois aspectos negativos apontados pelo PCP, que verbera ainda nas propostas do Governo o facto de ignorarem, «por completo, a importante realidade dos baldios».

Para todos estes e outros planos o PCP tem propostas concretas, como salientou o líder comunista, convicto que está de que são um valioso contributo para responder aos problemas das prevenção e do combate aos fogos, bem como ao apoio às vítimas (ver caixa).

Diagnóstico está feito

Antes, sem deixar de fazer sua a pergunta que tanta gente fez por estes dias – «Como foi possível? Como se explica que um só incêndio tenha resultado num tal rasto de vítimas e de destruição?» –, Jerónimo de Sousa lançou uma outra questão: «Como é que assistimos a este flagelo há décadas – e a última década foi das piores de sempre –, com incêndios cada vez maiores, mais devastadores e com mais área ardida?»

A resposta deu-a ainda o líder comunista considerando, categórico, que o problema está mais do que identificado: «o diagnóstico está feito. Não nos venham pedir mais comissões, mais estudos. Há páginas e páginas de teorias e de análises. Há resmas e resmas de recomendações e propostas».

Sem comentário seu não passou, inclusivamente, a sugestão do PSD de criar uma comissão especializada para investigar o que aconteceu no incêndio que deflagrou em Pedrógão Grande, com Jerónimo de Sousa a concluir que «não será nenhuma equipa de supostos técnicos, quem sabe se independentes da AR mas dependentes dos interesses em presença, que virá agora descobrir a pólvora».

O que falta, pois, na perspectiva do PCP, não é criar mais comissões ou elaborar novos estudos mas «enfrentar os constrangimentos que levaram às vulnerabilidades estruturais, no plano do ordenamento, dos serviços, da energia, dos meios, que ficaram brutalmente expostas» com os dramáticos acontecimentos recentes.

«Falta assumir com coragem a opção de romper com a política de direita e com os ditames da União Europeia, que estão na origem dessas vulnerabilidades (...), falta enfrentar as promíscuas relações com os interesses económicos que se movimentam nestas áreas, e que comprometem acções e iniciativas», sustentou o responsável comunista.

Atacar as causas

Jerónimo de Sousa detalhou alguns dos aspectos que estão na base de vulnerabilidades estruturais da nossa floresta. Referiu, por exemplo, a questão do ordenamento da floresta e a necessidade de apostar nas espécies autóctones – e de como isso esbarra nos interesses das indústrias da madeira e da celulose.

Falar de investimento na floresta, por outro lado, é falar dos atrasos do PDR 2020 com esse fim, a somar ao desvio de 200 milhões de euros que o governo PSD/CDS fez no PRODER.

Já em matéria de prevenção dos incêndios, Jerónimo de Sousa chamou a atenção para o insuficiente número de equipas de sapadores florestais, a par da extinção do Corpo de Guardas Florestais em 2006, medida contra a qual na altura o PCP se bateu e que em 31 de Janeiro de 2014 procurou reverter apresentando um projecto de lei que foi chumbado pelo PS, PSD e CDS-PP.

O abandono do mundo rural, indissociável da «política de desmantelamento dos serviços públicos» (fecho de milhares de escolas, unidades de saúde, postos de correio, linhas de transporte público), do «ataque à pequena e média agricultura e pastorícia», é outra vertente do problema que tem vindo a agravar-se década após década.

Em suma, para o Secretário-geral do PCP, os problemas da floresta são resultado da «destruição da pequena e média agricultura e do desaparecimento de muitos milhares de explorações familiares», da «desertificação do interior do País», da «PAC e suas desastrosas reformas», de «políticas agro-florestais, orçamentais e de serviços públicos contra os agricultores e o mundo rural».

Daí a garantia por si reiterada de que o PCP não abdicará da exigência de resposta imediata em termos de apoio aos que «perderam pessoas, bens e economias», do mesmo modo que «não deixará de contribuir para atacar as causas mais fundas do problema, encontrar respostas de curto prazo, exigindo que entre comissões de inquérito e polémicas estéreis não se fuja ao que tem de ser feito e há décadas não é feito».

Propostas do PCP

O PCP não se fica pelo recensear dos problemas e pela identificação das suas causas. Desde há muito que a esse diagnóstico junta propostas que lhes conferem respostas coerentes e integradas.

Na intervenção com que encerrou a audição, Jerónimo de Sousa elencou algumas das principais propostas que a bancada comunista formalizará muito em breve com vista a responder aos problemas da prevenção e do combate aos fogos, bem como no apoio às vítimas.

A limitação rigorosa da plantação de eucalipto, proibindo-a explicitamente em zonas de regadio, bem como a recuperação dos serviços de extensão rural e do corpo de guardas florestais, são outras medidas a incorporar em diplomas que darão entrada no Parlamento.

O líder comunista anunciou, por outro lado, que a bancada comunista bater-se-á para que os Planos Regionais de Ordenamento da Floresta, em fase de revisão, contemplem as medidas e as sanções que prevejam esse ordenamento, com intensificação da vigilância e disponibilização dos meios para o efeito por parte do Ministério da Agricultura.

O PCP proporá ainda «medidas excepcionais para desbloquear todos os projectos em apreciação no IFAP e para colocar a pagamento os apoios já decididos aos pequenos produtores no âmbito do PDR 2020».

Para o PCP é igualmente urgente – face ao papel que têm no Inverno na limpeza de matas e no Verão na detecção e primeira prevenção –, a criação das equipas de sapadores florestais em falta para atingir as 500 que estava previsto ter em 2012, pelo que propõe que seja definido um calendário para a sua concretização, bem como o aumento do apoio público ao seu funcionamento.

Para a concretização de todas estas propostas o PCP defende o reforço dos meios orçamentais na proporção respectiva.

Aprofundar a reflexão

A audição pública constituiu-se num debate vivo e interessante, com muitos dos participantes em representação de associações, corporações e outras entidades a abordarem alguns dos problemas mais sentidos, como o do financiamento ou o da falta de um comando próprio.

A dirigir a audição – que estando marcada há várias semanas ganhou redobrado sentido e actualidade por força dos recentes trágicos acontecimentos na região centro – esteve uma mesa constituída pelo deputado António Filipe, pelos membros da Comissão Política João Frazão e Octávio Augusto, e pelo Secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, que interveio a encerrar os trabalhos.

Estiveram presentes as associações de bombeiros voluntários de Mourão, Loures, Bucelas, Setúbal, Palmela, Barreiro, Vialonga, Sacavém, bem como a Liga dos Bombeiros Portugueses e a Companhia dos Bombeiros Sapadores de Setúbal.

Representadas estiveram ainda a Associação Espanhola de Luta Contra o Fogo, o Fórum Florestal, a Federação Nacional dos Baldios, o Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local.




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